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A calçada da metrópole
Luis Wilson Pina

Crédito: Marcos Garuti

Uma lista breve das referências espaciais que registramos em nosso cotidiano na metrópole vai alinhando uma sucessão de ambientes fechados nos quais vivemos, trabalhamos e interagimos socialmente: a casa ou apartamento, o espaço fechado do veículo particular, a estação do metrô, o local de trabalho, geralmente no andar de um prédio, o restaurante do almoço, o shopping center do breve passeio, o clube, a academia de esportes, o centro cultural, o cinema, o teatro, a danceteria, a faculdade, às vezes a residência dos parentes e amigos, raramente a do vizinho. E cada vez mais nos fechamos nesses ambientes, nos esquecendo de olhar para fora.
Talvez porque estamos descontentes pelo que vemos nas calçadas, que mal olhamos ao percorrer a cidade, justamente porque cada vez menos andamos por elas. Movendo-se de um espaço fechado para outro, geralmente dentro de um veículo, pouco reparamos nas calçadas; quando no metrô, então, nem as enxergamos, confinados nos seus túneis ou nas suas estruturas elevadas, vendo apenas prédios e mais prédios que no conjunto desenham um amontoado sem forma definida, sem cores e sem distinção no tecido urbano, salvo por um ou outro de arquitetura um pouco mais arrojada ou de maiores dimensões.
No entanto, quantas formas de uso da calçada a grande cidade revela, algumas que existem há muito tempo, como os vendedores de jornais e revistas, que hoje trabalham em bancas cada vez mais sortidas, algumas com telefone e computadores; os vendedores ambulantes, hoje "camelôs"; os engraxates, espécie em extinção; os mendigos; a prostituição em geral, esta restrita a algumas ruas. Personagens antigos que dividem áreas ou competem pelo espaço com jovens oferecendo promoções em teatro e em eventos culturais; com os carrinhos de "cachorro-quente"; com os vendedores de talões de estacionamento; com pessoas oferecendo passes de ônibus e de metrô; com outras pessoas, algumas delas, em vários pontos da cidade, sentadas em cadeiras de praia, ao lado de um equipamento de som portátil, tocando interminavelmente um CD de um violonista, que parece emitir sempre a mesma música; e muitas outras novas formas de ocupação, de venda das mais diferentes mercadorias, de oferta dos mais diferentes serviços, do "homem-sanduíche" às pessoas que querem medir a pressão dos passantes.
Nesse universo mutante e mutável, colorido e alegre, triste e cruel, esquecido e movimentado, onde está o simples flâneur (aliás, que expressão tão antiquada), aquela pessoa que passeava à toa, olhando de um lado para o outro, vendo vitrines ou reparando nos outros, às vezes provocando uma conversa ou um encontro? Parece que num mundo cada vez mais utilitarista, olhar a cidade sem compromisso nem responsabilidade, andando displicentemente por suas calçadas, não é mais uma atitude do seu habitante. Além da insegurança crescente, os obstáculos existentes impedem o caminhar tranqüilo, os buracos provocam torções dos pés, os encontrões são inevitáveis, sobretudo quando o passeante se distrai, ou quando não se preocupa com as pessoas apressadas, pois estas simplesmente não se desviam nem pedem desculpas.
Então, como gostar de nossa grande cidade, se deixarmos de apreciar o caminhar, o fazer longos percursos por suas calçadas, justamente o espaço privilegiado de mediação e de encontro entre o público e o privado, que todos usam mas do qual poucos cuidam?
Quem ainda deseja que esse espaço de mediação e interação social se mantenha como referência e local a ser apreciado pede para os que pensam os espaços da cidade, aqueles que desenham os ambientes urbanos, e para quem decide o que vai ser feito, que incluam as calçadas nas suas preocupações, planos, investimentos e empreendimentos, juntamente com as pistas das avenidas, os viadutos, as linhas do metrô, os prédios e os subterrâneos, os helipontos e os monumentos. Elas ainda são as artérias nas quais circula o ciclo vital da nossa metrópole.

Luis Wilson Pina é consultor
da Assesssoria Técnica e de Planejamento do Sesc São Paulo