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Exposição
A bola da vez

Livro e exposição celebram o futebol brasileiro e lançam luz sobre a polêmica figura do técnico. Deus ou diabo?

Segundo contam os estudiosos do futebol, em sua maioria amantes do esporte que passaram de meros espectadores a comentaristas e mesmo pesquisadores da história desse esporte, o técnico era um dos jogadores que se propunham a acompanhar os treinos acumulando a função de orientador e até de uma espécie de conselheiro. Com o aumento do interesse sobre a atividade, e a estruturação de sua prática, o técnico deixa o campo e passa para o banco. Ainda assim com funções meramente organizacionais, como distribuir camisetas e contar flexões... Passa o tempo, o futebol evolui e hoje... Bem, hoje "o técnico é o grande astro", define o cartunista Gualberto Costa, o Gual, que, junto com o também cartunista Jal, assumiu a curadoria da exposição Técnicos: Deuses e Diabos da Terra do Futebol, realizada pelo Sesc Ipiranga. O evento, que também acompanha o lançamento de um livro homônimo, pretende destacar a figura daquela pessoa que se põe na berlinda a cada partida de futebol. Às vésperas de mais uma Copa do Mundo, ele integra sonhos e pesadelos de todos os brasileiros. "O tema da exposição, inclusive, é um pouco isso", continua Gual. "Um dia ele é amado, no outro é odiado." Para retratar os técnicos que ajudaram a escrever a história do futebol brasileiro foram chamados 34 cartunistas que, a pedido da curadoria, fizeram caricaturas de homenageados como Gentil Cardoso e Evaristo de Macedo. Além dessas bem-humoradas representações históricas que aparecem em formato gigante na exposição (em cartaz de 28 de maio a 30 de junho), o livro traz também charges e cartuns de décadas passadas e desenhos que acompanham textos escritos por diversas pessoas, todos analisando o ícone que, hoje, atende pelo nome de Luiz Felipe Scolari ou, se os leitores preferirem, o Felipão. Para cuidar da parte editorial da publicação, que foi lançada junto com a inauguração da mostra, foi convidado o sociólogo Luís Octávio de Lima Camargo, incumbido da organização geral dos textos que acompanham os desenhos. "Desde o início, eu havia proposto ao Sesc que o livro fosse uma espécie de painel o mais amplo possível", conta Luís Octávio. "E que não se resumisse só aos comentaristas esportivos ou aos técnicos". O resultado é um volume bem cuidado contemplando também o lado literário, folclórico e até acadêmico do futebol, trazendo nomes como Ruy Castro, Roberto DaMatta, Cacá Rosset, Ugo Giorgetti e José Miguel Wisnik. Sem deixar de lado, claro, figuras como Soninha, Juca Kfouri, Armando Nogueira e o técnico do tetra, Carlos Alberto Parreira. "Até para mim foi uma surpresa", continua o sociólogo, "Eu descobri que há muito tempo o futebol deixou de ser um assunto marginal dentro da vida acadêmica. Há um volume crescente de dissertações sobre o tema".

Futebol e Humor
Para falar de um assunto que exalta tanto os ânimos dos brasileiros - qualquer brasileiro, especialmente em época de campeonato mundial - melhor meio que o humor não poderia existir. Charges e cartuns são cotidianos e familiares para todo mundo, tanto quanto o próprio futebol. "No começo", volta Gual, "a gente viu que o futebol era uma estética interessante usada pelos chargistas para criticar a política. Então, tem um político chutando a cabeça de outro como se fosse uma bola; times de políticos jogando uns com os outros etc. Inclusive, durante a II Guerra Mundial não houve Copa, mas o Belmonte (célebre cartunista e dos pioneiros no Brasil) criou na época uma verdadeira Copa do Mundo feita de charges. Eram jogos de futebol com o Hitler, o Mussolini e outras figuras. Até o ministro da Propaganda do governo alemão chegou a acusar o Belmonte dizendo que ele devia estar ganhando dinheiro dos americanos e dos ingleses para fazer a série".
Houve também a época das caricaturas "amáveis" aos jogadores. No tempo de heróis como Pelé e Garrincha, os desenhos corriam a celebrar as qualidades dos atletas que tantas alegrias davam ao povo brasileiro dentro de campo. E dá-lhe coroa na cabeça de um e bazuca substituindo as pernas de outro, numa alusão à potência do chute de determinado jogador. Porém, em 50, o Brasil perde... Tragédia no Maracanã. A pátria enlutada. Foi quando os chargistas afiaram seus lápis e pincéis e não deixaram barato... Algo como o que vemos hoje. Gual explica: "Foi aí que chegou a época das críticas ao Barbosa (goleiro da seleção de 50 que não agarrou a bola do uruguaio Gigghia na decisão do campeonato daquele ano), ao Saldanha (técnico da seleção brasileira na Copa de 70 que, comunista, não queria convocar Pelé por achar populismo e acabou não indo ao campeonato, sendo substituído por Zagallo) - que era um pratão para isso... até chegar hoje, com o futebol tendo os mesmos problemas de corrupção que a política sempre teve. Hoje, é essa a relação: nós temos um futebol parecido com a política que a gente conhece". Jal completa: "A charge retrata principalmente o que a população está pensando. Então, se o pessoal está furioso com o Felipão porque ele não escalou o Romário, a charge vai mostrar isso". Jal equaciona o humor, a crítica e o futebol para mostrar que um oferece condições ao outro para atacar ou celebrar o terceiro. "Por exemplo, quando você vai para o estádio, vai bem-humorado. Você pode até sair mal-humorado de lá, mas no final das contas brinca com isso também. E o chargista trabalha com essa linguagem, com esse humor", analisa.

O técnico na cadeira dos réus
Mas é bem verdade que o humor ultimamente anda cedendo espaço para uma certa impaciência com o futebol, principalmente com o técnico. Afinal, como diz a célebre frase, somos 170 milhões de técnicos, 170 milhões de conselhos e vontades que desembocam em um único nome, um único rosto. Haja diplomacia. Luís Octávio analisa a intrincada relação: "A figura extremamente destacada do técnico no futebol de hoje é uma aberração", analisa. "O futebol é um item da cultura que tem um peso muito grande e que está preso a normas administrativas e gerenciais das mais antiquadas. Essa história de 'eu escalo' e 'eu que mando' é um absurdo". Segundo o sociólogo, o texto do psicoterapeuta e escritor Flavio Gikovate (que escreve no livro) mostra isso muito bem. No texto, o autor analisa que "o técnico escolhe os jogadores e administra a vaidade de todos eles, inclusive a própria. Todos são estrelas, todos são inteligentes e famosos. Todos têm reputação a zelar. Todos querem brilhar cada vez mais e nem sempre respeitam os direitos dos colegas". E vai além: "O treinador, mais do que ninguém no grupo, precisa mesmo é de um bom terapeuta!".
O texto da jornalista e comentarista esportiva Soninha segue também analisando as pressões sofridas pelo técnico (e muitas vezes esquecida por parte dos outros 170 milhões): "E eis que Parreira entrou para a história como um estrategista, consciente e organizador", escreve referindo-se ao tetracampeonato que o técnico ajudou o Brasil a ganhar. E completa lembrando o pênalti que o italiano Roberto Baggio perdeu: "Mas se aquela bola entrasse... o Parreira nunca seria perdoado por não ter colocado o Viola antes. Simples?", provoca. Entre os analistas, há os mais radicais, como Kfouri: "Um técnico tem de ser contratado sob condições bem claras: 'Você vai trabalhar com esse grupo, essas são as pessoas, seu salário é tanto e estamos combinados'. Em caso contrário é o que estamos vendo: poder demais e resultado de menos"; e Ugo Georgetti: "Não tolero técnicos, que passam por competentes e, ao que tudo indica, parecem apenas mandar seus 'brucutus' caçarem os jogadores de maior talento!". Mas há aqueles que enxergam a graça de toda a pantomima, a exemplo dos chargistas, como Cacá Rosset: "Devo dizer que os técnicos têm assumido ares de grandes estrelas e também de garotos-propaganda. Têm gestos estudados, fazem poses aristocráticas e regem o seu time como um metteur-en-scène (algo como diretor de cena) da Ópera de Paris".

Mês do Futebol
Um pouco de Copa do Mundo no Sesc Ipiranga

De 28 de maio a 30 de junho, o Sesc Ipiranga apresenta a exposição Técnicos: Deuses e Diabos da Terra do Futebol, uma mostra que traz desenhos de 34 cartunistas retratando com muito bom humor a figura do grande alvo de polêmicas em época de Copa do Mundo: o técnico. Com curadoria dos cartunistas Gualberto Costa (Gual) e Jal, o evento reúne caricaturas em tamanho natural distribuídas pelos espaços de toda a unidade, além de charges e cartuns na área de convivência. Durante a abertura da exposição ocorreu também o lançamento do livro homônimo que traz, além dos desenhos encontrados na exposição, textos escritos por diversas personalidades que analisam, cada um a seu modo, os técnicos que fizeram história. Entre os autores, escolhidos pelo sociólogo Luís Octávio de Lima Camargo, aparecem nomes como Roberto DaMatta, Ruy Castro, Juca Kfouri e Soninha. O projeto ainda inclui a realização de um torneio de futebol de botão cujo vencedor leva o troféu Neném Prancha, em homenagem ao folclórico treinador do Botafogo nos anos 50.