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P.S.
A corrida para o Centro
1901. A cidade de São Paulo entra no século 20 apenas com veículos de tração animal e muitas caminhadas entre ruas estreitas. Os 80 mil habitantes ocupam residências baixas, no máximo assobradadas. Faltam doze anos para que a prefeitura do município, cheia de incertezas e receios, autorize a construção do primeiro arranha-céu, de quatro andares. O concreto armado, a maravilha da época, iniciava com o Edifício Guinle (rua Direita, 37, Sé) a arrancada às alturas, bem modestas por sinal.
Então, como se fôssemos uma população predestinada a concretizar nossos sonhos de futuro, entregamos a faca e o queijo ou, melhor dizendo, a pá e a caçamba para os engenheiros e administradores públicos. Os trabalhadores e o povo não fazem o papel principal naquele cenário. Esse pouco caso que lhes faz a história deve ser, talvez, por serem eles o cenário propriamente dito. Prédios, avenidas e estações ferroviárias, praças e parques do Centro, além de planejados e construídos, eram lavados, escovados e penteados, prenunciando a data maior da cidade: o quarto centenário, em 1954. Passado o ano da efeméride, palavra que por si mesma significa a duração de um dia, o Centro da metrópole, como cristalizado numa redoma virtual, estacionou. A "Bela Adormecida" conservou a beleza do seu primeiro dia de sono. A Paulicéia, por não ser um conto de fadas, mesmo tendo mais vilões poderosos que príncipes de bons ideais, manteve seu porte de majestade perdendo infeliz e paulatinamente seu encanto. O declínio e a agonia, via incúria de quem deveria cuidar do Centro, desaguaram como golpe de misericórdia na fuga de moradores, profissionais e corporações empresariais que arribaram para a Paulista, Faria Lima e beira-rio Pinheiros. Restava, dessa vez, uma década para mais um novo século, um novo milênio, e o Centro Velho bravamente descambava para a ruína.
O legítimo centro de uma metrópole é onde sua história começou. O lastro identificador de uma urbe está onde convergem seus interesses culturais, históricos e prazerosos. Com menos de 5 km de área, 0,4% do município, o Centro orienta o fluxo financeiro além fronteiras locais, pela concentração de mais de 30% de empresas do setor. Entre trabalhadores, consumidores e transeuntes, estima-se a circulação de 3,5 milhões de pessoas. Servido por doze estações de metrô, com o entroncamento de suas duas maiores linhas, com mais de três centenas de edificações históricas, tombadas, o Centro não tinha donos.
Pois bem, em 1991, algumas federações de bancos privados, internacionais inclusive, sindicatos de trabalhadores, empresas comerciais e de serviços, escritórios de arquitetura, de imóveis e serviços jurídicos, universidades e ONGs criaram a Associação Viva o Centro (AVC). De mil modos, política e financeiramente, a AVC interferiu no processo de reversão do esvaziamento do Centro. O plano: dez anos para interromper a curva descendente e dez anos para a revitalização. Neste ano de 2001, ano 10 do projeto, observa-se que a curva foi corrigida. Aponta já há algum tempo, como os arranha-céus, para cima.
Uma parceira impensável há alguns anos: o Sindicato dos Bancários e o Banco Boston. Juntos, com aliados de ambas trincheiras, criaram o muito digno de elogios Projeto Fundação Travessia, para atendimento aos meninos, crianças e adolescentes em situação de rua. Somos, o Sesc Carmo, parceiros de primeira hora e de primeira água desse movimento. Aqui também é a sede de um núcleo, a Ação Local Carmo. A segurança, a limpeza da rua, a iluminação, a sinalização de tráfego e outros desleixos do mobiliário urbano são discutidos, esclarecidos e viabilizados por representantes da comunidade.
O Sesc está vindo com tudo para a 24 de Maio, no emblemático Centro Velho Novo. Dessa forma, confirma e sacramenta sua incluidora política de atendimento aos trabalhadores de comércio/serviços e, por extensão, a comunidade. Quero ter olhos esperançosos para ver o desenrolar da restauração urbana que se vislumbra para aquele pedaço da megalópole. E mais do que braços, que haja saúde, tempo e amigos para festejar um novo tempo.
Hanneman Nobre Vieira é sociólogo e técnico do Sesc Carmo