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O tempo da dança

A Mostra Internacional Sesc de Dança invade todas as unidades da capital em outubro, promovendo uma discussão sobre o olhar e o fazer artístico dos profissionais da dança contemporânea

O público de dança contemporânea no Brasil ainda é muito limitado numericamente, um contraste com as lotadas sessões de dança na Europa e nos Estados Unidos. Por outro lado, os espetáculos de dança não têm um espaço privilegiado nas programações de jornais e revistas do país. Vez por outra, publica-se uma crítica sobre uma grande companhia, um grande bailarino. Será que a dança contemporânea não interessa? É muito complexa? É inacessível?
Com o objetivo de criar um público de dança na cidade, o Sesc São Paulo realiza, pelo segundo ano consecutivo, a Mostra Internacional Sesc de Dança, de 23 de outubro a 1o de novembro. A iniciativa é ousada: vários grupos nacionais e internacionais se apresentarão nas diversas unidades da capital, que por sua localização recebem públicos com diferentes perfis. "O público que vai ao Teatro Anchieta não é o mesmo que freqüenta o Sesc Santo Amaro. Neste ano, quisemos expandir os locais de apresentação para diminuir distâncias. Não só as distâncias físicas, mas também a distância entre o morador de São Paulo e a dança contemporânea", diz Rosana Cunha, coordenadora técnica da Mostra.
Porém, essa diminuição de distâncias entre público e dança não é simples. Difícil imaginar que uma pessoa não habituada à dança contemporânea possa compreender de imediato a razão pela qual bailarinos se atiram violentamente ao chão. Ou por que um bailarino careca demora dez minutos para atravessar um palco de dez metros. Faz-se necessário também buscar maneiras de atingir o público, de fazê-lo compreender o que motiva as coreografias, o que compõe a linguagem, qual é o processo de trabalho do grupo.
Para isso, os organizadores do evento pensaram em alguns artifícios além da simples apresentação dos espetáculos. Além dos já tradicionais workshops, voltados para um público mais especializado em dança, acontecerão também três momentos em que se poderá conhecer mais a fundo o trabalho das companhias. O primeiro será durante a montagem dos espetáculos nos teatros. Os grupos abrirão as portas ao público interessado em conhecer um pouco sobre esse momento: como é o palco utilizado, o cenário, qual a iluminação, a disposição cênica.
Antes das apresentações, o público se deparará, nas ante-salas dos teatros, com informações adicionais sobre o espetáculo. Serão exibidos vídeos com coreografias anteriores, fotos e textos sobre o trabalho das companhias.
Depois das apresentações, o público ainda terá a oportunidade de conversar com os coreógrafos e bailarinos, fazer observações e tirar suas dúvidas.
Para Christine Greiner, coordenadora do curso de Comunicação e Artes do Corpo da PUC de São Paulo, quanto mais informação o público tiver mais ele poderá absorver da obra. "Não se trata de um manual de instruções, mas sim de criar conexões para que o público observe as obras a partir delas mesmas, não buscando parâmetros antigos, que quase sempre não são pertinentes aos espetáculos contemporâneos."

A dança contemporânea
É difícil caracterizar hoje a dança contemporânea. Ela envolve uma diversidade tão grande de experiências que seria um equívoco generalizar. Segundo Christine, há, porém, um aspecto comum relevante, que é a fuga dos modelos prontos. "Os criadores contemporâneos inventam seus próprios procedimentos de investigação e, mesmo quando se baseiam em alguma técnica, criam novas conexões." Como resultado, surgem algumas características no processo criativo dos coreógrafos e bailarinos, como a fragmentação do corpo, a não-hierarquização da cena, a descontinuidade do tempo, os diálogos com outras artes.
Christine aponta também, como característica comum, uma certa inquietação. "Fugir dos padrões, e ao mesmo tempo investigar novas possibilidades, é uma luta contra o tempo. Todas as idéias colocadas no mundo querem sobreviver, tornar-se padrões. Fugir disso é uma angústia terrível para os profissionais da dança contemporânea."
Nos espetáculos que serão apresentados na Mostra, essas preocupações estão bastante presentes. Novas idéias, novos conceitos, novas linguagens e novos processos povoam a produção tanto dos grupos nacionais como dos internacionais. Diante dos diversos universos de trabalho, as coreografias chamam a atenção pela originalidade.

Corpo, tempo, dança
O mote da Mostra deste ano é como o corpo se relaciona com o tempo no qual está inserido, e como este pensa e produz a dança. Sem dúvida, essa questão está inserida em grande parte dos grupos. A intenção é propor um ponto de vista sobre essa arte - explorar como esses três aspectos se relacionam dentro de cada um dos trabalhos apresentados. As leituras sobre os corpos são diferentes. As leituras sobre o tempo são diferentes. As leituras sobre a dança são diferentes. Os resultados não poderiam ser os mesmos.
Para Alejandro Ahmed, coreógrafo e diretor do grupo Cena 11, de Florianópolis, o corpo é uma interface com o mundo. Diante disso, a função da dança seria trazer sua importância. "Muitas vezes as pessoas que não trabalham com algo vinculado diretamente ao corpo desdenham da importância dele. Em Violência, que apresentaremos durante a Mostra, resgatamos um pouco dessa importância. Trabalhamos muito com quedas, quedas violentas. O desconforto é passado para o espectador porque ele também entende o que essas quedas significam, já que tem um corpo similar ao nosso", diz Alejandro, que considera que o corpo é um instrumento de comunicação muito rápido e democrático.
Da exaltação das individualidades é composto o trabalho da Cia. 2 Nova Dança, de São Paulo, que apresentará o espetáculo Artérias. O grupo trabalha de maneira ostensiva com a consciência corporal de cada bailarino para, através dela, alcançar uma dança mais pessoal, sem um modelo externo. "Todos os bailarinos são pessoas que vivem em um mesmo ambiente urbano e têm algumas características comuns. Mas o que procuramos é a percepção de cada um, o que há de particular na relação com o ambiente. É uma constante busca da construção da identidade pessoal no coletivo", afirma Adriana Grechi, diretora da companhia.
O mais recente espetáculo da Cia. Oito Nova Dança, sob a direção da bailarina Lú Favoreto, estabelece também uma relação interessante entre corpo e tempo na criação da dança. Modos de Ver foi criado a partir de uma vivência do grupo na Ilha do Cardoso, no litoral sul de São Paulo. "Buscamos o homem não urbano para resgatar as potencialidades perceptivas do corpo. Era algo que apenas vislumbrávamos. Quando chegamos lá, começamos a constatar como perdemos algumas potencialidades perceptivas por não estarmos podendo vivenciá-las numa cidade como São Paulo. Nos moradores da Ilha do Cardoso, os movimentos do corpo são muito diferentes. O tempo é totalmente diferente. Por isso, nosso trabalho se firmou como um transporte a um outro lugar, a um outro tempo."
Para Marcia Milhazes, coreógrafa da companhia Marcia Milhazes Dança Contemporânea, do Rio de Janeiro, a questão do tempo está muito presente no espetáculo Joaquim Maria, fruto do mergulho da coreógrafa na obra de Machado de Assis, que estreará no Brasil durante a Mostra. "Trabalhamos com muitos tempos. No processo de criação travei, além de toda a pesquisa, minhas próprias memórias, minhas próprias influências. Esses tempos organicamente vão se entrelaçando e se espelham na obra. É uma espécie de síntese de diferentes tempos que naturalmente vão criando um tempo próprio. E é nesse ponto que se estabelece a contemporaneidade do trabalho."
"O Brasil realmente está produzindo coisas novas na dança", retoma Alejandro. "Novas conexões com o tempo, o ambiente, a ética e a estética através de corpos completamente distintos, treinados de maneira própria, alimentados de formas diferentes, vendo o mundo de seu próprio ponto de vista", conclui.
Segundo Ivan Giannini, Gerente de Ação Cultural do Sesc São Paulo, a importância de trazer grupos estrangeiros para o evento é apresentar uma ampla diversidade cultural encontrada na produção da dança contemporânea. "O nosso objetivo com esse evento é propiciar para o público elementos para uma reflexão sobre as diferentes tendências do mundo da dança. A Mostra é, na verdade, um grande encontro de pensamentos e idéias."

São Paulo dança - Evento traz grupos do Brasil e do exterior

Do dia 23 de outubro ao dia 1o de novembro, as diversas unidades do Sesc da capital abrigarão, pelo segundo ano consecutivo, a Mostra Internacional Sesc de Dança. A abertura do evento será no Sesc Pompéia, com a apresentação do espetáculo The Moebius Strip (foto), do coreógrafo e bailarino suíço Gilles Jobin. Após a apresentação, a choperia da unidade cederá espaço para diversas performances, não somente de dança, mas também de artes visuais e de música.
A Mostra deste ano reunirá cerca de trinta grupos de seis países (Suiça, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Áustria, e Brasil). Além das apresentações convencionais nos teatros, dos workshops e das palestras, haverá também uma programação especial com espetáculos e performances gratuitos no centro antigo da cidade - entre eles, chama a atenção os que ocorrerão na rua 24 de Maio, no interior e nas proximidades do antigo prédio da Mesbla, recentemente adquirido pelo Sesc São Paulo para a construção de uma nova unidade. Entre os destaques da programação, estão as companhias Boris Charmatz, da França, Verve Cia. de Dança, do Paraná, Cia. de Dança Burra, de Belo Horizonte.