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Arte digital e ativismo no espaço público

Artista digital e pesquisadora, a inquieta Giselle Beiguelman foi a convidada de fevereiro do projeto MOLA, do Sesc Rio Preto. Com o tema “Redes turbulentas: arte e ativismo no espaço público e em territórios informacionais”, Giselle abordou em sua palestra um conjunto de intervenções realizadas em painéis eletrônicos, sistemas audiovisuais e no espaço público que questionam os limites entre lugares reais e virtuais, trabalhando suas interconexões. Como exemplo, ela apresenta os projetos “egoscópio”, “Cinema sem Volta”, “Odiolândia” e “art supermarket”.



Odiolândia, videoinstalação feita com comentários recolhidos nas redes sociais sobre as ações do Governo do Estado e da Prefietura na Cracolândia em maio e junho de 2017. Obra comissionada para a exposição São paulo não é uma cidade, Sesc 24 de maio, 2017.

A artista Giselle Beiguelman é professora livre-docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Autora de diversos livros e artigos sobre arte e cultura digital, suas obras integram acervos de museus no Brasil e no exterior, como ZKM (Alemanha), MAC-USP e MAR (Rio de Janeiro), entre outros. Sua pesquisa abrange preservação de arte digital, arte e ativismo na cidade em rede e as estéticas da memória no século 21. Ela desenvolve projetos de intervenções artísticas no espaço público e com mídias digitais.

Art Supermarket, Intervenção urbana no Largo da Batata.

A palestrante foi coordenadora do curso de Design da FAUUSP de 2013 a 2015, onde leciona desde 2011. Entre seus projetos recentes destacam-se “Memória da Amnésia” (2015), “Odiolândia” (2017) e a curadoria de “Arquinterface: a cidade expandida pelas redes” (2015). É membro do Laboratório para OUTROS Urbanismos (FAUUSP) e do Interdisciplinary Laboratory Image Knowledge – Humboldt-Universität zu Berlin. Mais informações sobre seus trabalhos estão disponíveis em seu site pessoal, o desvirtual.com.

Com duração de 10 meses, o projeto MOLA, do Sesc Rio Preto, teve início em novembro passado, coordenado pelos artistas Lucas Bambozzi e Fernando Velázquez, e envolve exercícios práticos e teóricos que levantam questões reincidentes no circuito das artes, comunicação e tecnologia, como premissas de desafios para os artistas.

Além de palestras com convidados, acontece mensalmente o Encontro do Grupo de Estudos e Acompanhamento de Artistas com Foco em Arte, Ciência e Tecnologia.

Poétrica. Intervenção urbana em painéis eletrônicos via web e celulares, São Paulo (2003) e Berlim (2004)

O projeto resultará em uma exposição coletiva na qual os trabalhos desenvolvidos durante o percurso serão associados a obras propostas pelos coordenadores. Os encontros do Grupo de Estudos são sequenciais.

Confira abaixo a entrevista com Giselle Beiguelman.

EOnline: Como sua relação com as mídias digitais teve início?
Giselle Beiguelman: Comecei a trabalhar com internet em 1994. Fiz parte da equipe que implantou o UOL, a convite da jornalista Márion Strecker, e desenvolvo projetos artísticos para celular desde 2001, quando se começou a discutir a possibilidade dos “mobile” terem conexão com a internet. Foi no UOL que comecei a me interessar em pesquisar como a internet mudava os registros de leitura e foi lá que eu comecei a desenvolver o projeto do Livro depois do livro, minha primeira obra de net art e que hoje é parte do acervo do MAC-USP. Desenvolvido com uma bolsa VITAE de artes, o projeto foi premiado internacionalmente e participou (e segue participando) de muitas exposições importantes.
Mas eu não tenho formação em tecnologia. Também não tenho formação em artes. Fiz graduação, licenciatura e doutorado em História, Trabalhei mais de dez anos no departamento do patrimônio histórico da Eletropaulo, quando a empresa era estatal. Havia um departamento próprio de pesquisa, no qual comecei a me interessar pela tecnologia como uma questão cultural e estética. Além disso, há um fator que marcou a minha geração toda: relevância que a poesia visual e a poesia concreta tinham na obra paulista nos anos 1980. Decisiva foi a realização da segunda edição do o projeto Arte/Cidade, realizada no edifício da Eletropaulo, onde hoje é o Shopping Light. Um dos projetos era o CD-ROM desenvolvido pelos artistas que participavam da exposição. Durante a apresentação eu via aquelas coisas aparecendo e se transformando e pensei: “Nossa, eu quero fazer isso!”.

EOnline: Hoje, vivemos uma mistura de realidade física com a virtual. Pode comentar um pouco a respeito e também sobre como isso impacta na produção artística?
Giselle Beiguelman: Impacta todos os campos da atividade criativa. A oposição real/virtual tornou-se um anacronismo do século 20. Somos hoje corpos “ciborguizados” pelos celulares, uma espécie de ponto de conexão permanente que nos expande para além do aqui e nos coloca em um tempo de eterno agora. Aplicativos de Realidade Aumentada (RA) inserem camadas de informação no ambiente urbano e redefinem o espaço público, remodelando as noções de espaço doméstico e privacidade. Abre-se a possibilidade de interagir com os dados no espaço público, criando estratégias de participação mediada digitalmente no espaço urbano. Essa confluência destaca relações físicas e arquitetônicas que apresentam novas questões de ordem estética, poética e também de ação política.

EOnline: Como as tecnologias digitais podem beneficiar a vida nas grandes cidades?
Giselle Beiguelman: As cidades foram expandidas pelas tecnologias digitais. São redes complexas que emaranham dados de distintas procedências, configurando-se como a principal interface do século 21. Essa presença dos dados no cotidiano começa a ser incorporada aos projetos arquitetônicos, ao mobiliário urbano e integra-se, especialmente, a funcionalidades voltadas à vigilância. A questão central é: como redimensionar a noção de espaço público, a partir da experiência de ambientes ricos em dados, sem transformar os habitantes em doadores involuntários de dados? Isso implica migrar da ideia de uma cidadania digital para as práticas de uma cidadania em rede, pautada por ações colaborativas entre diversas partes. Projetos como Bueiros conectados, Fogo no barraco, Dancing Traffic Lights, Dronestream e o aplicativo Mudamos são pontos de partida para essa discussão. Ao reinventar as formas de ocupar as ruas, pautam a reflexão sobre a densidade dos territórios informacionais. Apontam para uma revisão crítica da noção corporativa de Smart Cities, contrapondo a ela modelos de inteligência distribuída, fazendo eco à noção de “urbanismo de código aberto” e “smart citizenship”.