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O ator Álamo Facó na peça Trajetoria Sexual - Trilogia da Perda. Foto: João Penoni
O ator Álamo Facó na peça Trajetoria Sexual - Trilogia da Perda. Foto: João Penoni

O público frequentador do Sesc Ipiranga habituou-se a assistir espetáculos tão diversos quanto inovadores no Auditório da unidade. 

No mês de outubro, dando continuidade ao projeto Teatro Mínimo, tem início a Trilogia da PerdaO primeiro espetáculo, Trajetória Sexual, estreia no dia 18/10. O texto e a atuação são de Álamo Facó e foi produzida por Sérgio Saboya. Nela, Álamo conta suas primeiras experiências sexuais, o sexo com desconhecidos, sexo com transgênero, em estados variados de consciência e outras experiências. São histórias extremamente pessoais, mas que ao serem colocadas no teatro, causam imediata fricção e interesse público.

A segunda peça da trilogia é Mamãe, que estreia no Teatro Mínimo em 15/11, inspirada nos 100 últimos dias de vida da mãe do autor, diagnosticada com câncer cerebral. A terceira peça da trilogia é o solo Talvez, que fala de um coração partido em tempos de internet e estreia no dia 22/11.

Na programação de setembro, recebemos no Teatro Mínimo uma adaptação da clássica comédia de Shakespeare: Megera Domada. O texto, traduzido e adaptado pelo diretor Aimar Labaki, apresentou nesta montagem apenas dois atores que fazem todos os papéis: Agnes Zuliani e Rogério Brito. 

A mais machista e misógina peça do bardo chegou como uma reinvenção na qual as questões de gênero e a luta pelos direitos da mulher nos obrigam a uma reinterpretação - sem alterar a estória e quase nenhuma fala. O verdadeiro clássico é o que sobrevive à sua época - e continua a encantar, divertir e fazer pensar, mesmo quando o mundo e os valores da sociedade são radicalmente diferentes. A peça fica em cartaz no Sesc Ipiranga, de 14/9 a 14/10. 


Megera Domada com Agnes Zuliani e Rogério Brito. Foto: Alexandre Nunis

Entre julho e agosto a programação do Teatro Mínimo teve dois espetáculos de Minas Gerais: 'Prólogo Canino-Operístico' e 'Danação'. As peças têm como centro o teatro independente brasileiro e se interligam a partir da presença do ator e diretor Marcelo Castro, um dos fundadores do grupo Teatral “Espanca!”. 

Com o texto-poema de Carlito de Azevedo, em “Prólogo Canino-Operístico”, Marcelo Castro assume em cena a personagem de um cão, oprimido pela obrigação de aparecer. Enclausurado em um teatro, ele é forçado a encenar algo sob os olhares da plateia, sempre afirmando que o autor é quem deveria estar em seu lugar. A dramaturgia que transita entre teatro e performance, nasce do texto presente no “Livro das Postagens” (2016). O caráter intimista em cena dispensa cenário e marca o início de um ciclo independente para Marcelo Castro.

“O cão não é limitado por unidade de tempo, ação ou lugar. Pode estar na Rússia revolucionária de 1917, ao lado da poeta russa Marina Tsvetaeva,  e sete pragas depois, num subúrbio brasileiro qualquer de 2013, presenciando uma chacina [...]”, relata Carlito de Azevedo.

“Danação” parte de uma dramaturgia de vários começos e ângulos. O espetáculo aposta no ato narrativo licenciado na exposição e construção de histórias que percorrem memórias, já que a plateia assume um papel vital durante o enredo, sendo convidada a imaginar a partir dos relatos da personagem. A direção de Castro e Mariana Maioline guia o experiente Eduardo Moreira. Em cena, Eduardo é o responsável por dar voz e forma às figuras que surgem ao longo da narrativa. O narrador, que tem urgência de partilhar recordações, silêncios e algumas histórias, ao se deparar com homens e mulheres em uma sala, se põe a contar sobre uma mãe que enganou a morte para retardar o encontro com sua filha. Ao narrar essa façanha, o homem passeia pelas memórias do tempo vivido por ele dentro do coração de uma mulher, depois de ter despencado naquele lugar, onde uma menina com um poço no meio do peito se escondia da morte. O espetáculo compreende o “imaginar” como um ato de resistência diante dos acontecimentos embrutecedores das capacidades sensíveis humanas.  Com texto de Raysner de Paula, a peça busca reafirmar a força de unir pessoas para escutar e imaginar uma história, campo de possibilidade para construir novas linguagens e realidades na prosa poética.

No mês de março, estreou no projeto Teatro Mínimo o espetáculo Nomen. Já em abril, Nos Países de Nomes Impronunciáveis, com Stella Tobar e Antonio Salvador, com direção de Magali Biff e texto de Paula Autran, trata de encontros e desencontros em uma viagem sem volta.

A primeira temporada do projeto em 2018 foi com Medea Mina Jeje, definida como um “poema cênico” que relaciona a clássica personagem Medéia de Eurípedes e a dura realidade da escravidão nas Minas Gerais no século XVIII. Este trabalho, um solo de Kenan Bernardes com texto de Rudinei Borges e direção de Juliana Monteiro, apresenta as características essenciais do projeto: o foco no trabalho do ator, em textos de novos ou consagrados dramaturgos em formato intimista.


O ator Kenan Bernardes no espetáculo Medea Mina Jeje

Criado em 2011 pela equipe de programação do Sesc Ipiranga, o projeto foi concebido com o objetivo de apresentar temporadas de espetáculos teatrais que discutem a experimentação das linguagens cênicas. Para o ator Eduardo Mossri – que estreou dois espetáculos no projeto, Ivan e os Cachorros de 2012 e Cartas Libanesas de 2015 – alguns pontos foram importantes para a construção do trabalho apresentado neste ambiente de proximidade com o público: “A possibilidade de fortalecer uma atuação como resultado de uma relação franca e direta com a plateia, num jogo de cumplicidade com as pessoas que estão presentes naquele dia, com ou sem interatividade, mas tornando cada dia como realmente um dia único. Também ter tido a chance de desenvolver a habilidade com a improvisação, uma vez que nada se perde de olhos tão próximos, e a beleza está justamente em jogar com isso a favor da atuação e do espetáculo”. Logo após essas temporadas, os espetáculos seguiram trajetória dentro e fora do país. Cartas Libanesas abriu o 10° Festival Internacional de Teatro do Tanger / Marrocos de 2016 e esteve também no Théâtre Monnot de Beirute e na The Holy Spirit University of Kaslik / Líbano em 2017.


Eduardo Mossri em Cartas Libanesas. Foto: Felipe Stucchi 

Também espetáculos de outros lugares do país puderam garantir temporadas na cidade de São Paulo participando do Teatro Mínimo

O espetáculo carioca Se eu fosse Iracema, que cumpriu temporada em 2017, pôde apresentar ao público paulistano uma temática urgente em toda a nossa sociedade. “Se eu fosse Iracema é um trabalho concebido para espaços intimistas - a parte ser um solo, é uma peça que pretende fazer reverberar no espectador questionamentos e reflexões acerca dos povos indígenas brasileiros e que, portanto, traz consigo temas que dizem respeito à maneira como comumente o homem branco urbano contemporâneo vê e cria as relações políticas, econômicas e sociais no mundo e, mais precisamente, no Brasil. Assim, a relação aproximada com o espectador representa diálogo livre e direto com cada olhar, cada presença”, conta a atriz Adassa Martins, indicada ao APCA e Shell por este trabalho.


Adassa Martins em Se eu Fosse Iracema. Foto: Imatra

Ainda que em menor medida, o projeto bebeu da fonte do diretor polonês Jerzy Grotowski na obra Em Busca de Um Teatro Pobre, publicado pela primeira vez em inglês no ano de 1968. Sem muitas alegorias, o tipo de teatro apresentado aproxima ator e público e estabelece uma relação de cumplicidade que dificilmente aconteceria em espaços amplos como uma sala de teatro tradicional.

O Teatro Mínimo é um espaço justo. Na forma da sala e no conteúdo do projeto. Equipada em todos os sentidos, permite excelência técnica e humana das obras, que são pequenas no tamanho e não na dimensão da comunicação ou na relevância para a vida”, opina Georgette Fadel, que esteve presente em 2017 como atriz na experimentação Afinação I e como provocadora cênica em Instabilidade Perpétua. “O Teatro Mínimo é o lugar justo, sem sobras, para a expressão de obras que pedem a proximidade e a intimidade em algum nível. Em conexão com as necessidades do tempo presente, oferece condições ideais para o desenvolvimento da sensibilidade da presença, do corpo do ator e de sua ligação com o corpo do público”.


Georgette Fadel em Afinação I. Foto: Julia Zakia

Por todas essas razões e afetos que compuseram a história do projeto, em 2018 o Auditório do Sesc Ipiranga permanece recebendo montagens com textos inspiradores, atuações marcantes e discussões que aproximam ainda mais o público e o Teatro.

João Evandro Biazotto
Programador da área de Artes Cênicas no Sesc São Paulo. Licenciado em História pela USC, foi professor na educação básica e trabalhou como educador em tecnologias e artes. Entre suas ações recentes no Sesc São Paulo, foi co-curador da exposição "#ForadaModa" e da mostra "Yesu Luso: Teatro em Língua Portuguesa".