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Me recuso a ficar só

Ilustração: Marcos Garuti
Ilustração: Marcos Garuti

Me recuso a ficar só
por Danilo Cymrot

A necessidade de sentir-se parte de um grupo acompanha o ser humano desde seu nascimento. É no seio dos primeiros grupos – família, igrejas, colegas de escola – que ocorre o processo de socialização, a aprendizagem de normas sociais, a afirmação de identidades, o reforço de valores. Com o processo de urbanização, o ser humano ganhou a liberdade do anonimato, de maneira que hoje em dia as pessoas estariam supostamente menos preocupadas com o que as outras pessoas pensam sobre elas. A contemporaneidade seria a era do individualismo, em que o ser humano estaria isolado na metrópole.
Será? Se, por um lado, as pessoas ficam entretidas em seus celulares sem se comunicar com quem está, de fato, a sua frente, não podemos ignorar que, paradoxalmente, essas mesmas pessoas estão em busca cada vez mais de comunicação e pertencimento. Tanto que fazem parte de grupos de WhatsApp e Facebook, dependem dessas ferramentas tecnológicas para se manter a par de eventos sociais para os quais são convidadas e sentem-se aceitas e queridas à medida que têm suas postagens curtidas e comentadas na nova “arena pública”. Já as saudosas comunidades do Orkut colocavam em contato pessoas do mundo todo com interesses em comum.
A Escola Psicológica do Comportamento Eleitoral demonstra que participar de qualquer grupo minimamente organizado, seja uma igreja, seja uma escola de samba, seja um sindicato, é um dos fatores que mais contribuem para a politização do indivíduo. Tertúlias literárias, a título de curiosidade, serviam como pretexto para reunir os conspiradores da Independência Mexicana em Querétaro. Bailes funk, por sua vez, eram reprimidos pela ditadura civil-militar no Brasil por estimularem o orgulho negro, visto na época como um discurso subversivo.
Já a hipótese de que estamos isolados na grande cidade é desmentida por pesquisas de cunho etnográfico, como a que analisou práticas de lazer e físico-esportivas dos frequentadores do Sesc em São Paulo, no ano de 2015, realizada pelo Núcleo de Antropologia Urbana da USP e pelo CEDEC. Entre as observações dessa ¿pesquisa, está a de que muitas pessoas vêm para as unidades do Sesc motivadas pela possibilidade de encontro, para além das ações programáticas culturais e esportivas.
Os encontros virtuais transbordam para encontros reais e vice- -versa. Senhoras chegam até uma hora antes de suas aulas de hidroginástica para terem o prazer de se encontrarem e colocarem o papo em dia. Formam grupos de WhatsApp nos quais se certificam de que todas, principalmente as que moram sozinhas, estão bem. Jovens marcam pelo Facebook rolezinhos em que o ato de circular coletivamente pelo espaço é um fim em si mesmo. Praticantes de vôlei, um esporte coletivo, circulam pelas unidades do Sesc em busca das melhores quadras e formam grupos relativamente fechados para manter o nível do jogo alto. A falta de regras formais para disciplinar esses grupos não significa, porém, a falta de regras informais construídas pelos próprios integrantes e não acarreta falta de comprometimento, muito pelo contrário.
Grupos de estudo foram criados no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc tendo em vista que a troca de experiências e o debate de ideias enriquece as pesquisas de cada integrante, do mesmo modo como comentar um filme ou um livro conjuntamente em clubes de leitura ou cineclubes prolonga o prazer da experiência estética e levanta olhares múltiplos que enriquecem as próprias obras.
Os grupos de pesquisa exercem, porém, ainda outra função. Quem já escreveu uma dissertação ou tese sabe como esse trabalho, além de difícil e cansativo, costuma ser solitário, com impactos emocionais e psicológicos profundos. O compartilhamento de experiências, nesse sentido, gera solidariedade e reconhecimento mútuo na medida em que o pesquisador percebe que o seu drama – atender aos prazos, definir sua hipótese de pesquisa, entre vários outros – é o drama vivenciado pelos demais. Como diria Rita Lee, “antes mal acompanhado do que só; pelo menos eu tenho com quem brigar”.

Danilo Cymrot, mestre e doutor em Criminologia pela USP, ¿é pesquisador do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc.