Postado em
Arte do encontro
Arte do encontro
Grupos de discussão e estudos estimulam conversas e motivam busca por conhecimento
Discussões sobre literatura ao invés de reclamações do dia a dia. Interpretações de filmes para somar aos relatos do cotidiano. Conceitos filosóficos ao lado de notícias da atualidade. Em contraponto à rotina, é isto que buscam clubes de leitura, cineclubes e outros grupos de temáticas variadas, sejam presenciais ou na internet: trocar ideias e promover boas conversas. Impulsionado pelas redes sociais, esse tipo de aprendizado não formal reúne pessoas em torno de interesses em comum, ao mesmo tempo que democratiza conhecimentos e impulsiona o repertório cultural.
“Um grupo tem que agregar pessoas a partir de algo que elas tenham em comum. As diferenças existem, e isso é ótimo, mas o que une as pessoas é esse gosto compartilhado”, recomenda a professora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) Claudia Mogadouro, que há 20 anos criou com amigos um grupo de discussão de cinema, o Cinema Paradiso. Ela conta que a ideia surgiu da necessidade de ter conversas que fugissem das trivialidades do cotidiano. “Éramos amigos de diversas áreas que já costumavam se ver para bater papo, mas isso estava ficando difícil, por conta da vida corrida. De todas as atividades culturais que nos interessavam, percebemos que o cinema seria a mais prática para estimular encontros”, lembra. Desde então, quinzenalmente, o grupo – que tem em média 20 participantes por reunião – conversa sobre um filme previamente escolhido. “O combinado é que o filme gere o debate que o grupo quiser. Como ele é formado por pessoas de formação e idades muito diferentes, a conversa tem a cara de quem está presente”, completa.
Um dos maiores benefícios, diz Claudia, é o conhecimento coletivo: “Não tem ninguém ali que não saia diferente. São aprendizados que vão muito além do cinema. O maior deles é aprender a ouvir o outro e considerar opiniões diversas. A gente aprende muito sobre a gente mesmo, porque é também um trabalho de autoconhecimento e muita troca”.
Esse tipo de troca pode ser encarado como um processo de aprendizagem colaborativa, observa o pesquisador em projetos educacionais inovadores e professor aposentado da USP José Moran. “São grupos de colaboração, em que se pressupõe que a participação de todos contribui para a aprendizagem coletiva. Não se trata apenas de ‘sugar’ o que o outro sabe, mas também compartilhar saberes”, analisa. Para Moran, há diversas possibilidades nesse tipo de aprendizado. “Apesar de não haver uma pessoa responsável por ensinar e outra por aprender, podem existir espécies de mediadores”, detalha. “Alguns grupos podem ser mais abertos no sentido de não ter mediação, enquanto outros têm uma mediação mais explícita, com pessoas que sistematizam a discussão.”
Outra característica marcante dessas reuniões, segundo o professor, é que elas procuram quebrar a barreira entre as disciplinas tradicionais: “Esta é uma tendência muito forte, de quebrar o modelo separado por áreas de conhecimento, sair da rotina disciplinar e encontrar no compartilhamento formas de troca profunda, sem trabalhar isoladamente as disciplinas como algo fechado”.
Na Internet
As redes sociais possibilitam que pessoas de lugares e formações diferentes se reúnam em torno de interesses semelhantes. No Facebook, por exemplo, é possível se deparar com grupos nas áreas mais diversas: desde estudos de gênero, como o grupo Judith Butler e a Teoria Queer, com 14 mil membros, até áreas específicas da literatura, como Literatura dos povos indígenas, com 11 mil inscritos, e filosofia, como o grupo Nietzsche, com 26 mil integrantes.
No campo da educação não formal, no qual esses círculos se encaixam, a formação específica não é relevante, avalia a doutora em educação Valeria Aroeira Garcia, autora do livro Educação Não Formal como Acontecimento (Editora Setembro, 2015). “Uma das coisas que mais importam é o interesse do grupo de conversar sobre aquele assunto. Como as formações podem ser as mais variadas, isso vai potencializar e dar o caldo para a conversa”, salienta. O que faz diferença, de acordo com Valeria, é o interesse em discutir, a curiosidade e o conhecimento que cada membro tem do assunto, além da memória e as experiências de quem se propõe a discutir temáticas específicas.
Como as redes sociais também possibilitam que uma mesma pessoa participe simultaneamente de diversos grupos, podem-se gerar bons frutos a partir do cruzamento entre diferentes campos de interesse. Para o professor José Moran, uma das habilidades importantes é saber conciliar as experiências. “No Facebook, normalmente você não escolhe apenas um grupo, então é possível aprender com uma espécie de intersecção de vários deles”, diz. “Por exemplo, eu participo de grupos que têm muitas coisas em comum, e, ao mesmo tempo, cada um tem o seu perfil. Em alguns, eu sou muito mais um observador silencioso, e, em outros, sou um participante mais ativo. Essa habilidade de saber o que se procura em cada grupo é essencial.”
O pesquisador alerta para outro ponto fundamental: não se restringir a um círculo de ideias semelhantes. “É preciso evitar que os grupos se fechem dentro de uma temática, sem estarem abertos a contra-argumentações e a pessoas que discordam do seu ponto de vista, pois há o risco de isso se tornar um aprendizado que reforça uma visão que você já tem, em vez de ser uma aprendizagem de desafio, que te obriga a repensar os seus pontos de vista”, pondera. O ideal, explica o professor, é se aproveitar das facilidades tecnológicas, que propiciam o diálogo com ideias diferentes. “Diversificar as participações pode enriquecer muito, pois são olhares em que cada um tem as suas contribuições. Quanto mais você abre esse olhar, mais rico fica.”
Como criar e fortalecer laços
Dicas para lançar um grupo de discussão e manter a coesão entre pessoas com formações e bagagem cultural diferentes
Planejamento
Primeiramente, é preciso definir um tema que reúna pessoas em torno de determinado interesse e propicie boas conversas. Valem desde assuntos específicos até temáticas mais amplas. O importante é ser algo que mobilize os indivíduos para discussões.
Constância
Definir a periodicidade das discussões e outras regras de participação é importante para manter o interesse do grupo nos debates. Se for um grupo presencial, ainda que poucas pessoas possam participar, é fundamental manter as reuniões em dias predeterminados, criando assim uma rotina nos encontros.
Liberdade
É importante que os integrantes do grupo se sintam à vontade para propor mudanças e para participar das conversas. Ainda que haja regras, como o respeito ao momento em que cada pessoa irá falar, o ideal é buscar que as decisões sejam horizontais, estimulando assim os aprendizados da maneira menos formal possível.
Fonte: Claudia Mogadouro, criadora do Grupo Cinema Paradiso
Propostas variadas
Na programação do Sesc, há atividades que propiciam encontros, trocas de conhecimentos e saberes sobre temas distintos
Clube de leitura | Sesc Carmo
Criado em 2012, o Clube de Leitura é aberto ao público e reúne em média de 20 a 30 participantes nas últimas terças-feiras de cada mês, das 19h às 20h. O próprio grupo escolhe a obra literária que será discutida na reunião seguinte. Cada reunião conta ainda com a presença de um mediador indicado pelo Sesc, por realizar estudos sobre a obra ou temática abordada. Em maio, o livro em discussão é O Castelo Branco, de Orhan Pamuk, com mediação de Maria Luiza Atik.
Cine café | Sesc Sorocaba
Também criada em 2012, a atividade ocorre toda terça-feira, às 19h, com a exibição de um filme seguida de um debate e reúne, em média, de 150 a 200 pessoas por sessão. O objetivo é estimular a reflexão e o pensamento crítico sobre o cinema.
Grupos de estudos | Centro de Pesquisa e Formação
O Centro de Pesquisa e Formação (CPF)promove com regularidade grupos de estudo relacionados a temáticas diversas. As propostas dos grupos partem de pesquisadores do CPF, que definem a temática, a periodicidade e convidam outros membros externos e orientadores para as atividades. Alguns que já passaram pela programação foram: Culturas Híbridas, orientado por Walter de Sousa Junior; Lazer, Ócio e Tempo Livre, orientado por José Clerton de Oliveira Martins; Educação Informal e Gênero e Gestão Cultural, sem orientadores específicos.