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Cinema que toca

Foto: Leila Fugii
Foto: Leila Fugii

Formada em cinema pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Anna Muylaert é diretora do premiado longa Que Horas Ela Volta?, lançado em 2015, e de outros como Durval Discos (2002) e É Proibido Fumar (2009). É também roteirista de filmes como O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006), de Cao Hamburger, e Desmundo (2002), de Alain Fresnot. Na televisão, participou da criação de programas como os infantis Mundo da Lua (1991) e Castelo Rá-Tim-Bum (1995), da TV Cultura. A seguir, os melhores trechos do depoimento da cineasta, no qual ela fala sobre produção cinematográfica, mulheres no cinema e cinema independente no Brasil.

Anna Muylaert esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E no dia 10 de março de 2016.
 

Sucesso

Eu tenho a minha interpretação de que o filme Que Horas Ela Volta? tem um elemento crítico muito forte, mas ao mesmo tempo tem a relação da mãe e da filha, que é algo muito amoroso. É um filme para pensar em história, sociologia, política, antropologia, mas ao mesmo tempo é um filme que provoca vontade de visitar a mãe ou de botar o filho no colo. E assim ele foi viajando sozinho.

Quando você entra em discussões que são pertinentes a todos, isso tem um efeito maior, você se sente mais útil e realizada. Não é só o som, a montagem, o ator que está legal, mas também o fato de você sentir que o filme mexe com a sociedade e se realiza de uma forma maior. Isso, sem dúvida, é algo que não vou esquecer. Um filme político fala com mais gente e de mais gente.

Criação

A história nasceu quando eu tive filho, e senti ali uma oportunidade muito grande de me dedicar a ele. Fui estudando isso da babá e comecei a perceber uma desvalorização da mãe, da babá, da mulher. Eu queria falar disso, e da questão da educação, que no fim é um tema central do filme.

Para o filme chegar à forma como está hoje, porém, demorou 19 anos. A minha capacidade de escrever histórias precisava amadurecer. Acabou sendo o meu quarto filme, mas na verdade é o meu primeiro projeto.

Mulher

Apesar de Que Horas Ela Volta? ser protagonizado por uma mulher e ter muitas mulheres na equipe, em nenhum momento nós pensamos em fazer um filme de mulher, ou sobre mulher. Quando a gente chegou ao Festival Sundance de Cinema, a primeira crítica que saiu começava falando que passou muito bem no teste Bechdel. Esse teste trata de três perguntas: se o filme tem uma personagem feminina que tenha nome, se duas mulheres dialogam, e se o assunto delas não é homem. Se cumprir essas três condições, ele já pode ser considerado não machista.

Quando cheguei a Berlim e o filme se tornou uma fonte de poder, sofri os maiores ataques machistas de toda a minha carreira. Isso foi me revoltando e acabei me conectando com essa discussão. Entendi que o filme havia me levado a um lugar de coronelato, e fui entendendo que, onde há grandes orçamentos, não há mulheres. Dos 56 longas que já ganharam o Oscar de melhor filme, 46 são protagonizados por homem, sete por homem e mulher, e três por mulher: Menina de Ouro, Chicago e My Fair Lady.

Independente

Quase todo o cinema feito no Brasil é independente. São produzidos alguns milhares de filmes por ano no mundo, e os festivais são a plataforma. A importância dos festivais como Cannes, Berlim, Sundance é muito grande no mercado internacional, porque são como feiras. Você põe os seus produtos. Chegando lá, você agrada ou não. Se agrada, ganha prêmio, crítica, distribuidora, venda. Ou seja, esse cinema depende muito da qualidade dele mesmo.

Se a gente não tivesse o cinema do Brasil, teríamos somente a novela. A novela é um padrão de dramaturgia que reforça os estereótipos. A importância do cinema no Brasil é gerar novas imagens mais próximas do real e que, em vez de reforçar estereótipos, nos libertem deles.
 

“A novela é um padrão de dramaturgia que reforça os estereótipos. A importância do cinema no Brasil é gerar novas imagens mais próximas do real e que, em vez de reforçar estereótipos, nos libertem deles”