Postado em
Akins Kintê: aquilombando versos
Poeta e cineasta, Akins Kintê transcende os termos e se intitula operário da vida diária. Frequentador assíduo de saraus, é anfitrião do Sarau no Kintal, encontro mensal realizado em sua casa, na Brasilândia, em São Paulo. É autor dos livros Punga, co-autoria com Elizandra Souza e InCorPoros, com Nina Silva, além de inúmeras coletâneas literárias. No seu currículo estão ainda o curta Vaguei nos livros e me sujei com a m... toda, o documentário Várzea, a bola rolada na beira do coração e Zeca, o Poeta da Casa Verde.
A EOnline conversou com o Akins, que em fevereiro traz ao Sesc Ribeirão Preto a oficina Aquilombando Versos, com a proposta de criação de poemas embebidos na fonte de resistência popular.
EOnline: Como Fábio Monteiro tornou-se Akins Kintê? Quando se reconheceu poeta?
Akins: Estou com 32 anos, com uns 14 anos de idade comecei a ler e me identifiquei com a palavra Akins, que no dicionário Yorubá significa Jovem Guerreiro. O Kintê vem do livro Negras Raízes de Alex Haley. A ideia do Kunta Kintê, que não abandona suas raízes depois de sequestrado de sua terra, me inspirou no nome.
Acredito que essa relação que tenho com a arte foi sempre poética. Sempre adorei música, colecionar disco, pesquisava muito samba desde novo, com uns 12 anos tocava samba com meus primos, tínhamos um grupo chamado Começo de Vida. Com uns 14 anos conheci o RAP, aí deu um 360° na cabeça (risos). Comecei a ler e pesquisar sobre identidade racial, conheci a Antologia Cadernos Negros - fui ao lançamento da Cadernos Negros n° 23 na APEOESP em São Paulo. Acho que foi o que me inspirou escrever, tento fazer poesia até hoje.
EO: Os 'Cadernos Negros', um marco na literatura afro-brasileira, são referência para a sua produção. Como foi participar da antologia e trabalhar com Cuti? Você considera que a cultura negra tem espaço no mercado editorial nacional?
Akins: Participar da Antologia Cadernos Negros é um prazer enorme, desde o volume 23 nunca mais deixei de colar nos lançamentos. Dez anos depois, publiquei nos volumes 33 e 35. Sou fã dos irmãos, essa antologia me serviu muitas vezes de telhado quando a chuva da ignorância tentou me inundar, a Cadernos Negros fez incêndio no meu eu, estamos vivos e devo essa minha existência a ela.
Pra mim o Cuti é um dos principais escritores brasileiros, sempre acompanhei suas publicações, a escrita dele é música para meus olhos. O livro Negros em Conto, no gênero Conto, é o mais bonito que já li. Organizar uma antologia com ele, conseguir concluir e ver o trabalho impresso foi de um prazer imenso. Apresentei pra ele a ideia de fazermos uma antologia erótica, o trabalho foi sério, reuniões e mais reuniões. Já pensamos outras ideias de livro.
Acho que a literatura negra no mercado editorial nacional não tem espaço não. A literatura negra é uma literatura independente, Cadernos Negros vai completar 39 anos de publicação e não chegou na massa. É uma dificuldade grande estar dentro da escola. Existe uma produção grande dessa nossa literatura, pra movimentar essa arte é bem difícil, precisamos de mais editoras e livrarias.
EO: Estamos no mês do carnaval e o termo "mulata" continua solto na mídia - Stephanie Ribeiro e Djamila Ribeiro, inclusive, publicaram um manifesto questionando o confinamento das mulheres negras a lugares específicos, como é o caso da Globeleza. Você organizou com Cuti a antologia Pretumel de Chama e Gozo e publicou, junto com a Nina Silva, InCorPoros, livros que unem erotismo e identidade negro-brasileira. A poesia é uma ferramenta para combater a hipersexualização e a objetificação dos corpos negros?
Akins: Eu tenho alguns poemas que também problematizam o termo mulata. Quando comecei a pesquisar literatura erótica, ficou bem explícito que arte escrita com erotismo é uma literatura erótica branca burguesa. Naquele momento, mais ou menos 2008, minha pesquisa encontrou referência de erotismo nos textos da Antologia Cadernos Negros, o Cuti fala sobre isso no texto Literatura Erótica nos Cadernos Negros. Junto com essa pouca referência negra na literatura erótica brasileira, a gente percebe também fortes traços de estereotipização quando o sujeito nos escritos é negro. Acredito na arte como arma sim. Do mesmo jeito que o rap, a antologia Cadernos Negros e o cinema afro-americano fizeram, acredito que a poesia, além de ser usada como conforto, carinho e prazer, é uma boa arma para denunciar. Essa é nossa busca nessa literatura, produzimos, escrevemos com a preocupação de não cair no estereótipo, organizamos reuniões com os autores pra debater esses assuntos. Escrever poesia erótica é gostoso, mas é importante ficar atento e ter a delicadeza e inteligência pra não deslizar no machismo nem no racismo.
EO: Em seu trabalho com Nina Silva, os poemas não são assinados. Por que esta opção pela autoria compartilhada?
Akins: Comecei a pesquisa bem na época que conheci os escritos da Nina Silva, lembro de ter mostrado o começo de um poema pra ela - "ele assim me paquera, não encolho, quer me ter, e já come com os olhos" - ela foi e emendou outro verso, eu fui e fiz mais um pouco e ela continuou. Poxa, achei bacana a ideia, quis criar um livro de poesia erótica a quatro mãos. Conseguimos fazer alguns textos dessa forma, tem alguns meus e outros da Nina - preferimos deixar todos assim pra criar essa expectativa no leitor.
EO: O ano de 2015 foi marcado por diversas chacinas nas periferias de todo o país, e também, por uma proposta de redução da maioridade penal. Que perspectivas e caminhos de futuro você vê para a juventude negra e periférica neste início de século XXI?
Akins: Estamos no Brasil, o país que mais mata jovens, e jovens negros. Essa perseguição é antiga, esse plano de extermínio é histórico, o KL Jay diz "estamos em território inimigo, e faz tempo". Acredito nas nossas organizações, vejo os saraus nas periferias como estratégias de aquilombação, vejo os movimentos como Mães de Maio como aquilombação, estamos vivos e nossa cara é tumultuar na vida dos novos barões cada vez mais.
EO: Quais são seus projetos para 2016? Fale um pouco do processo criativo de seus trabalhos.
Akins: Estou finalizando um livro de poesia, junto com o livro vem um CD com 14 poemas musicados. Estamos no final do processo, acredito que março ou abril está na rua. Estou muito empolgado com esse trabalho. O processo criativo é sofrido, leitura, escrita, escrever é reescrever sempre. O tema na cabeça sempre vem, aí é trabalhar e escrever até achar a linha melódica do texto.
EO: Rimar morena com Ipanema é moleza, o difícil é combinar prosaicamente extremos: detenção com flor do campo, trem pra Francisco Morato com Menina Bonita, tristeza de barracão com possibilidade. Qual são os desafios dos participantes da oficina "Aquilombando Versos"?
Akins: Pretendo levar uma oficina leve, discutir racismo, erotismo, periferia. Que seja uma oficina onde participantes se inspirem a escrever os textos, o desafio é a criatividade mesmo. Dentro destes temas, vamos assassinar o opressor que mora dentro da gente, pra por no papel poemas que tragam reflexões com muito lirismo.
o que: | Oficina Aquilombando Versos |
quando: |
23 a 26/2, das 19h30 às 21h30 |
onde: |