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A diversidade Entre Nós

O preconceito racial não vê idade, classe social ou gênero. São agravantes para a discriminação, mas é pelo tom da pele, o tipo de cabelo, os traços do rosto e as demais características físicas que muitos ainda sofrem pré-julgamentos. Para discutir esta questão um conjunto de atividades, intitulado Entre Nós, vai trazer ao Sesc Campo Limpo artistas que transmitirão por meio da música, do teatro, das artes manuais e de vivências, mensagens de conscientização sobre a necessidade de igualdade racial. O cantor Chico César, a rapper Tássia Reis e a diretora da Cia. Os Crespos, Lucélia Sergio, são alguns dos convidados e convidadas para a programação. Em entrevista para a EOnline, revelaram suas opiniões sobre o assunto que é mais recorrente do que se imagina.

A Cia Os Crespos, um coletivo teatral de pesquisa cênica e audiovisual composto por atores negros, com direção de Lucélia Sergio, abordou o tema do racismo no espetáculo Os Coloridos. Desta vez o trabalho da Cia. está voltado para um público que deveria se ocupar apenas com brincadeiras e aprendizado, mas que precisa se preocupar também em se defender deste tipo de violência: as crianças. “Desde muito cedo nós negros aprendemos a ser fortes. A partir do momento que a gente se depara com uma situação de racismo, mesmo não percebendo que estamos sendo vítimas de uma violência, nós somos educados para reagir a isso com força. Aprendemos que, ao invés de sermos acanhados, precisamos combater aquela violência, temos que ser fortes o suficiente para não deixar nos abater. Não visivelmente”, explica a diretora.

Tássia Reis sempre manteve uma postura combativa, mesmo assim o preconceito racial esteve presente em sua vida. “A percepção do racismo chegou mais cedo, na escola, ainda não entendia bem, mas já sentia seus danos em minha vida. Penso que temos um enfrentamento da realidade que é muito cruel, e não estamos preparados pra isso enquanto crianças”. Mesmo assim manteve sua visão crítica, sem se preocupar com a impressão que podia passar. “Se eu era já era ‘chata’ devo estar insuportável”, comentou entre risos.

O cantor e compositor paraibano, Chico César acredita que a negação ao preconceito racial dificulta seu combate. Esse tema está presente em seu novo trabalho “Estado de Poesia”, que traz o canto de amor e o grito de protesto.  Além disso, afirma que é necessário analisar como são as condições de trabalho e de acesso à universidade, pois podem promover a exclusão. “A corrida já começa desigual. Quando na educação os filhos de pretos pobres frequentam uma escola pública completamente ruinosa, e quando chegam à universidade já têm pouquíssimos negros. A maioria é branca de classe média, classe média alta, porque eles foram mais bem preparados. Esses são os que vão ocupar os cargos de decisão”, explica.

Para Tássia mesmo aqueles jovens negros que conseguem ingressar em um curso superior continuam enfrentando obstáculos. “Quando entramos sofremos lá dentro porque racistas não entendem a dívida que o país tem para conosco e com os povos indígenas que aqui habitam. Além disso, não querem dividir a sala com ‘os filhos da empregada’".

Não me representa

Costumamos buscar referências a partir dos exemplos que vemos na sociedade, principalmente quando vemos em uma pessoa de sucesso a possibilidade de chegarmos ao mesmo patamar, ou até mesmo ir além. Mas para Tássia os negros e as negras não encontram essa representação. “O padrão de beleza massacra muita gente. Muitas mulheres se machucam em busca de algo que não condiz com suas verdades”.

Para ela, essas referências são importantes para contribuir com o emponderamento e com a desconstrução de padrões. “A representatividade foi como me empoderei e isso fez com que eu buscasse a estética. Quando vi cantoras negras, clipes e mais clipes e me senti inserida na Cultura Hip Hop foi libertador, não só como resistência, mas pela liberdade de ser quem realmente sou”.
Lucélia, da Cia. Os Crespos, comenta que desde muito cedo as crianças negras veem, na maioria das vezes, uma imagem que não condiz com sua realidade. “Desde cedo nós aprendemos a escolher bonecas que não se parecem conosco, nós aprendemos a gostar e ter preferência por um cabelo que não é o nosso, então começamos a não gostar da imagem que temos desde muito cedo. Crianças com 2, 3 anos já desejam um cabelo diferente, desejam uma boneca branca, acham a boneca preta feia. Então o racismo atinge muito precocemente as pessoas, essas marcas que ficam em crianças de 0 a 4 anos, que é quando estão formando os conceitos que são carregados pra vida inteira”, relata a diretora.

Pensando na necessidade de autoafirmação, a companhia, que é de atores negros, viu a necessidade de criar Os Coloridos, um espetáculo para crianças. “Achamos importante que elas recebam informações e incentivos positivos em relação à sua cor, então pensamos em como falar de cor tentando desenvolver uma sociabilidade positiva de todas as cores”, explica a diretora. Para ela, que está prestes a ter seu segundo filho, criar a montagem tem sido prazeroso e divertido. Juntos investigam qual a melhor maneira de falar com as crianças, como tentar adequar cada questão de racismo para a montagem e como oferecer uma vivência múltipla para os pequenos espectadores. “Contamos a história da capoeira, de alguns orixás, do mito da arara - que é indígena, a história de segurar o céu - que é africana. Para que as crianças também tenham acesso a outras histórias que não são aquelas tradicionais, de princesas, mais contadas e difundidas pela televisão e pelo cinema”.

O bairro é o centro

O dia 20 de novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, que faz referência à morte – em 1695 – do líder do Quilombo dos Palmares, foi a oportunidade escolhida para receber diferentes artistas que vão transmitir, por meio de seus trabalhos, mensagens de conscientização sobre a necessidade de igualdade, com a programação do Entre Nós no Sesc Campo Limpo.
Tássia comenta que esta data é muito importante para a conscientização, mas pensa que os demais dias pedem por uma reflexão mais profunda. “Ao mesmo tempo em que fico feliz que tenhamos um dia no calendário para celebrar nossa luta, também fico muito triste que os outros dias do ano sejam de caça ao nosso povo. Fico triste em saber que muito nos falta para comemorar de fato, mas fico esperançosa em saber que estamos vivos, lutando e sem o véu disfarçado de democracia racial, que nos cobria a realidade”.

Essa luta diária pela consciência acerca do preconceito também é vista como importante para Chico, mas também é importante ter um dia para celebrar. “É como se fosse o dia de comer o bolo, mas nos outros dias você tem que comer pão também, senão vai morrer de fome. Tem que ter pão todos os dias e naquele dia tem o bolo”, explica.

Trazer o tema para o Campo Limpo, que é uma região onde a diversidade é muito significativa, contribui com o acesso a manifestações que promovem uma reflexão acerca da importância de reconhecer o valor das diferenças. “Eu tenho certeza que a grande parte da população do Campo Limpo é negra, se não for a maioria, então acredito que a valorização da cultura e a discussão do tema referente à negritude, nesses espaços onde a população possa se reconhecer, é extremamente importante e necessário”, afirma Lucélia.

O estímulo a esta reflexão encontra caminhos mais leves e esclarecedores quando a mensagem circula por canções, interpretações, contos e vivências promovidas por quem transmite pela arte sua experiência diária com o preconceito racial. Por isso a rapper acredita ser importante levar seus shows para comunidades com estrutura e preços acessíveis. “Poucos têm a disponibilidade ou a grana de se deslocar até o centro para conhecer e participar. Nossos trabalhos dialogam com a realidade das pessoas que moram na perifeira, é lá que precisamos e queremos entrar, para levar arte, questionamento, entretenimento e, quem sabe, esperança”.

 

o que: Entre Nós
quando:

até 29/11. Diversas datas e horários.

onde:

Sesc Campo Limpo | Rua Nossa Senhora do Bom Conselho, 120

ingressos:

Grátis.