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Negação à negritude

“Dessa vez eu fui tratar da questão racial que se esconde, ela se afirma pela negação.
“Dessa vez eu fui tratar da questão racial que se esconde, ela se afirma pela negação."

"Era mais interessante que se assumisse que há racismo e que as pessoas que são racistas se assumam racistas, para que nós pudéssemos combater. Para que elas vissem que as condições de trabalho, as condições de acesso à universidade, à posse de trabalho público, promove a exclusão para todos. Porque a corrida já começa desigual.” É sobre este racismo, que tenta se esconder e se disfarçar cordialmente, que Chico César fala em seu álbum “Estado de Poesia”.

Os sete anos sem gravar um disco de músicas inéditas não fez com que o cantor deixasse de lado o tema que lhe é caro e recorrente. Muito pelo contrário, lançou um novo olhar sobre sua percepção daquilo que literalmente sente na pele. A fama não fez com que o preconceito racial deixasse de bater em sua porta, assim como na de muitos artistas, por exemplo, o caso mais recente de intolerância racial que a atriz Taís Araújo sofreu em seu perfil no Facebook. Mas o que realmente preocupa o compositor paraibano é o preconceito a quem não tem visibilidade midiática e, muitas vezes, desconhece sua importância para a sociedade. “Eu me preocupo, e acho que todos nós devemos nos preocupar, com o racismo e a humilhação à pessoa anônima, que são muitas pessoas. E as vezes é como se elas fossem invisíveis, é como se aquilo não existisse”.

O disco, concebido em seu estado natal, une a riqueza dos ritmos brasileiros à sonoridade universal: num mesmo registro fonográfico estão samba, forró, frevo, toada e reggae. O canto de amor e o grito de protesto estão presentes neste álbum, um grito que já era esperado por seus seguidores. A questão racial sempre esteve presente em seus trabalhos, mas agora ele coloca o dedo na ferida por uma nova perspectiva: a negação ao preconceito.  “Dessa vez eu fui tratar da questão racial que se esconde, que não ousa dizer seu nome, ela se afirma pela negação. Ela diz: ‘Não, aqui não há racismo. Aqui as condições são iguais para todos, não há discriminação racial’, e nós negros, sabemos que não é assim. Há uma dívida enorme da sociedade brasileira para com a contribuição destes afrodescendentes para as riquezas do Brasil e essa dívida aparece, inclusive, quando há essa negação do racismo”.

O reggae “Negão”, gravado ao lado do cantor baiano Lazzo Matumbi, carrega a mensagem:

“Negam que aqui tem preto, negão./ Negam que aqui tem preconceito de cor./
Negam a negritude, essa negação./ Nega a atitude de um negro amor.”



Um táxi para a igualdade racial

Chico reflete que a realidade afirma o preconceito quando a pessoa negra é tratada como suspeita em sua rotina. “Quando entra em um banco, os olhares de todos os guardas ficam voltados para ela. Quando vai ao supermercado fazer uma compra, os olhares apontam para ela”, comenta o cantor. A fala do rapper Emicida é lembrada por ele: “Você sabe que o táxi não para pra você e a viatura [policial] para”, e relata que esse exemplo é simbólico, “o que a gente não consegue é pegar um táxi pra igualdade racial”.

Toda vez que um motorista de táxi diz: ‘não estou livre’, e você vê que não tem ninguém dentro do carro dele, e ele está fazendo isso porque você é negro, na verdade ele é porta voz do sistema e está dizendo para todos os negros: ‘Não importa pra onde vocês querem ir. Eu não estou livre para vocês. Eu estou ocupado cuidando dos descendentes das capitanias hereditárias, dos mais clarinhos’”, explica.

O dia do bolo

Para algumas pessoas o Dia da Consciência Negra são todos os dias, porque você não pode ficar inconsciente, você não pode ficar alienado nos outros dias, mas tem um dia para celebrar. É como se fosse o dia de comer o bolo, mas nos outros dias você tem que comer pão também, senão vai morrer de fome. Tem que ter pão todos os dias e naquele dia tem o bolo”, explica.