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Beleza vertical
por Paulo César Garcez Marins
Sem a presença de praias ou de natureza exuberante, um dos diferenciais turísticos de São Paulo está na sua arquitetura múltipla, que remonta à própria história da cidade. Mas nem todos os paulistanos sabem disso.
Chegar à cidade de São Paulo é certamente uma experiência capaz de surpreender o visitante forasteiro. Vindo de avião ou chegando pelas estradas, seus olhos serão atraídos pela vastidão de edifícios, que se esparramam pelos bairros vistos em sobrevôo ou se agrupam naquela massa compacta, naquele skyline que se descortina das últimas colinas que circundam a capital paulista. Terceira maior metrópole do mundo, a cidade choca as ilusões de quem jamais esperava encontrar na mítica América do Sul, ou no não menos sugestivo e florestal Brazil, a complexidade de uma paisagem altamente urbanizada e dinâmica. Como administrar esse estranhamento, esse espanto que ao mesmo tempo estimula e decepciona, permanece como um dos mais agudos dilemas de quem se debruça sobre os contornos do turismo na cidade de São Paulo.
Tornar São Paulo um pólo de atração turística para o lazer e o entretenimento implica uma reelaboração da própria consciência relativa à sua personalidade e às suas múltiplas identidades. À exceção das matas da Cantareira e de Parelheiros ou de um Instituto Butantã, nada aqui lembra os mais caros estereótipos do Brasil selvagem e exótico desenhado durante os anos de Vargas.
Nem sinal da musicalidade atrelada às imagens do Rio ou de Salvador, ou da sensualidade seminua de banhistas, indígenas ou passistas esmagados pela vasta noção de ausência de pecado nas plagas meridionais do Equador. O que, afinal, São Paulo tem a oferecer aos turistas, sobretudo aos estrangeiros, ainda mais iludidos pelas imagens da jungle paradisíaca?
As dúvidas dos forasteiros ecoam nos nativos, pois poucos são os paulistanos que crêem na capacidade de atração de sua capital. A aparência de uma metrópole convencional, cujos arranha-céus seriam banais por todo o globo, cheia de avenidas e shopping centers igualmente comuns, não é certamente algo que estimule as levas de turistas que se deslocam pelos aeroportos e terminais. Restaria à cidade - tão pouco "brasileira" - o universo rentável e limitado do chamado "turismo de negócios", que há anos vem desenhando (e limitando) as atividades turísticas da cidade, definindo o perfil de investimentos hoteleiros e a própria formação de profissionais.
Será essa realidade - um mísero "singular" - o horizonte final a ser imaginado por profissionais ligados ao turismo e pelos próprios paulistanos? O desconhecimento da própria cidade, como, aliás do próprio país, não será um dos motivos condicionantes de permanecer a terceira mais vasta cidade do mundo excluída dos grandes fluxos de turistas?
Perceber diferenciais é certamente uma fronteira móvel e difícil à sondagem de atrativos turísticos nas grandes metrópoles como São Paulo. Essas cidades constituem-se num colar extenso de cidades aparentemente homogêneas, que chegam ao século 21 com a herança de grandes espaços e práticas sociais assemelhados, mas certamente não iguais. São Paulo partilhou as torres de vidro, os hábitos de consumo e os fast-food com cidades como Johannesburgo, Tóquio, Kuala Lumpur, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Paris, Frankfurt, Atlanta ou Toronto, o que não fez de cada uma delas cópias servis de Chicago ou da meca nova-iorquina.
São justamente as práticas singulares forjadas nas metrópoles aquelas capazes de constituí-las como atrativas na aparente estandartização. São diferenças sutis, mas presentes na insuspeita "cópia" internacionalizada, cujas trajetórias históricas garantem autonomia mesmo no bombardeio dos meios de comunicação de massa ou na importação de mercadorias industrializadas. Nem mesmo um ícone standard como a rede Mac Donald's - refúgio de qualquer turista ocidental no mundo - deixa de se adaptar às sutilezas locais para prosperar, e quem não o faz corre o mesmo risco de trajetórias semelhantes às sofridas pela KFC, Arby's ou Pizza Hut na capital paulista.
Pizza de banana
A cidade de São Paulo mostra-se sobretudo específica quando se observa a multiplicidade étnica advinda das correntes migratórias que a moldaram ou as multisseculares e tensas práticas miscigenadoras ou excludentes que a configuraram. Nenhuma das metrópoles do mundo tem dentro de si heranças ameríndias, européias, africanas, médio-orientais ou extremo-asiáticas como São Paulo. A rica gastronomia é disso uma evidência, presente não apenas nos celebrados restaurantes, pizzarias e cantinas mas também nos beijus de longínqua origem indígena vendidos por ambulantes nos semáforos. Pizza portuguesa?!, de banana?! Croissant de pizza?! Esfihas de ricota?! Sushimen nordestinos?! As práticas alimentares já constituem um indício das múltiplas reelaborações e apropriações realizadas na metrópole aparentemente indistinta de suas coetâneas.
Vislumbrar as infinitas possibilidades do turismo cultural na cidade de São Paulo significa, sobretudo, ater-se ao legado essencialmente urbano e plural da metrópole. Não há praias, selvas extensas ou festas de ruas gigantescas como em outras partes do país mais afinadas com os chavões turísticos do mercado - já há muito desgastados internacionalmente.
Retome-se pois a imagem da chegada a São Paulo para uma sondagem do desconhecimento da fisionomia da própria cidade pelos paulistanos, ligados ou não ao mercado de turismo. A arquitetura é a principal marca de sua paisagem, e não a geografia exuberante que molda o Rio de Janeiro ou Salvador. A própria localização dos arranha-céus já configura a enorme especificidade de São Paulo, já que se esparramam pelas cinco regiões da cidade, quase sempre isolados no lote - em tudo diferentes de cidades como Nova Iorque ou mesmo o Rio. Não existe o zoneamento centralizador das downtowns norte-americanas, que reduz os bairros e subúrbios à horizontalidade. Tudo em São Paulo parece poder ser abruptamente verticalizado.
Ao deixar-se a fisionomia da paisagem e focar-se aquela dos próprios edifícios, novas surpresas diante da prevenção de que a cidade não passaria de uma "cópia" servil e malfeita de suas referências internacionais. As linguagens arquitetônicas se justapõem, mesclando-se muitas vezes e recriando os padrões estrangeiros.
As reelaborações manifestavam-se na improvisação dos tempos coloniais como na própria arquitetura dos imigrantes, filiada ao ecletismo da Belle Époque. Erguidas por homens hábeis, porém, no mais das vezes, privados de erudição, as casas simples dos bairros e os edifícios construídos pelos imigrantes misturaram vertentes dos chamados neos. O neo-românico, neogótico, neo-renascimento, neomaneirismo ou o persistente classicismo francês dos reis Bourbon associavam-se a novidades como a art nouveau - francesa, italiana ou austríaca. Surgiram construções completamente despoliciadas diante da rigidez de composição arquitetônica e estilística praticada pelos arquitetos europeus, que jamais permitiam mesclagens semelhantes nas cidades européias.
"Cópia" malfeita ou recriação? O caráter diferenciado de tais práticas arquitetônicas realizadas na cidade de São Paulo permanece carente de olhos que saibam transformá-las em atrativos turísticos, visto serem tão inovadoras frente às matrizes estrangeiras - um lapso de compreensão de que, aliás, carece todo o país. A catedral católica da praça da Sé é um desses "erros", desses "equívocos", face à erudição que necessitam de olhares menos conservadores. Características neogóticas presentes em toda a construção evocam as grandes catedrais francesas dos séculos 13 e 14, ao mesmo tempo que uma vasta cúpula de distante inspiração neo-renascentista (florentina!) foi suspensa sobre a nave da igreja. Sem falar nos tatus, samambaias e maracujás esculpidos em colunas e paredes.
Arranhando o céu
Muitos marcos começavam a desenhar a verticalização da cidade, como o edifício Martinelli e a estação Júlio Prestes, que igualmente reelaboraram os padrões europeus. O comendador Martinelli ergueu um arranha-céu cor-de-rosa, associando linguagens que evocavam a Renascença italiana às amplas mansardas, telhados habitáveis de inspiração francesa - tudo coroado pelo próprio palacete que lhe servia de residência, erguido no teto do edifício.
A expansão dos arranha-céus modernos a partir da década de 1930 também ergueu-se mediante apropriações e recriações diversas, invisíveis mais aos paulistanos e aos turistas brasileiros do que aos estrangeiros mais sensíveis e informados em relação aos atrativos caracteristicamente urbanos. As ruas do centro revelam ao olhar atento uma multidão de edifícios art déco, modernistas de diversas correntes e mesmo blocos pesados inspirados na arquitetura fascista de Mussolini, mais presente na cidade do que se imagina. Não foi, aliás, a crítica precipitada em relação a essa vertente arquitetônica, de triste mas necessária memória, o argumento definidor para a demolição da mansão Matarazzo?
Recentemente, veiculou-se a informação de que São Paulo perdera a competição por um museu Guggenheim por não ser uma "cidade turística". Se o amplo patrimônio arquitetônico da cidade, sua culinária, as artes cênicas em franca expansão e acervos como os do Masp, do MAC, do quase desconhecido Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) - "redescoberto" durante a Mostra do Redescobrimento - e dos exemplares MAM e da Pinacoteca do Estado não conseguirem reverter tal caracterização, não será por inexistência de atrativos, mas por incapacidade dos paulistanos de perceberem sua própria cidade e suas próprias identidades, tão múltiplas quanto sutis.
Paulo César Garcez Marins é doutor em História Social pela USP e professor do programa de mestrado no centro de turismo da unibero
Nas ruas de Sampa - Passeios descobrem a cidade O Edifício Itália, marco da paisagem e mesmo do turismo da cidade de São Paulo, é mais atrativo por sustentar seus restaurantes panorâmicos do que pela solução radicalmente criativa de cobrir todas as suas fachadas por brise-soleil, os pára-sóis metálicos aprendidos das lições do arquiteto franco-suíço Le Corbusier, mas por ele utilizados sempre em construções horizontais. Quantas outras singularidades não repousam anônimas nos prédios das avenidas Paulista, Faria Lima ou mesmo na recente Berrini? Quantos prédios de apartamentos não serão tão inusitados como o Bretagne, localizado na avenida Higienópolis, cujo festival de cores berrantes, formas amebóides e gessos chamou recentemente a atenção de revistas que são bíblias do cult, em Londres? Mas nem tudo está perdido. Quando o assunto é conhecer a cidade de São Paulo, seja em seus pontos turísticos mais famosos, seja por lugares e cantos incomuns, o Sesc Paraíso oferece um leque de possibilidades, dentro do programa DiverSãopaulo. Entre elas, o roteiro "Altos de São Paulo" destaca-se por proporcionar aos turistas a chance de conhecer o topo dos edifícios mais tradicionais da cidade. O trajeto inclui visitas aos Teatro Municipal e seu museu; ao Edifício Patriarca, do Banco do Estado de São Paulo (o Banespa da praça do Patriarca); ao Edifício Altino Arantes, a sede do Banespa na rua Boa Vista; Edifício Martinelli e Café Girondino. Outro destaque é o roteiro "São Paulo de Ramos de Azevedo", que acompanha ainda uma oficina cultural, "Ramos de Azevedo - O Arquiteto de São Paulo", na qual os interessados terão um brief da biografia do arquiteto que desenhou o Teatro Municipal e a praça onde ele se encontra; a influência do Escritório Técnico Ramos de Azevedo na configuração de São Paulo e ainda informações sobre os edifícios projetados pelo arquiteto e que ainda existem na cidade. O trajeto compreende visitas ao Mercado Municipal, Palácio das Indústrias (atual sede da Prefeitura Municipal de São Paulo), antigas sedes da Tesouraria da Fazenda e Secretaria da Agricultura (atualmente vinculados à Secretaria da Justiça) e o próprio Teatro Municipal de São Paulo e praça Ramos de Azevedo. Os demais roteiros temáticos do Sesc Paraíso cobrem outros aspectos da cidade, como o "Arigatô, São Paulo" - visita aos bairros de influência japonesa; o "Centro Velho" - caminhada monitorada pelo centro da capital, passando por seus pontos históricos; o "Faces do Morumbi" - trajeto que inclui visita à Associação Comunitária Monte Azul e Parque Alfredo Volpi (bosque do Morumbi); "Luz Cultural", visitas a edifícios que hoje são sedes das mais diversas manifestações culturais da cidade, da arquitetura à música; "São Paulo dos Imigrantes" - interessante passeio até o Museu da Imigração; e "Zona Sul dos Mananciais" - de caráter histórico ecológico, com visitas à represa de Guarapiranga, aldeia guarani do Morro da Saudade e também à unidade campestre do Sesc Interlagos. |