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O preço do equívoco

Estudo mostra problemas na pauta de exportação do país
LUÍS SUZIGAN
Como se sabe, um dos ingredientes centrais da etapa inicial do Plano Real foi a valorização da moeda nacional, que, combinada com uma aceleração do processo de abertura comercial, barateou os produtos estrangeiros e estimulou sua entrada no país, ampliando a concorrência e estreitando o espaço para o aumento dos preços no mercado interno.
A contrapartida dessa estabilização de preços amparada numa âncora cambial foi o aprofundamento do desequilíbrio externo. A balança comercial, que apresentava resultados largamente positivos até 1994, rapidamente tornou-se deficitária. Para financiar esse desequilíbrio, o Brasil passou a depender de juros muito elevados para atrair volume expressivo de recursos estrangeiros – o que passou a emperrar o crescimento econômico.
Vários programas de promoção de exportações foram criados para tentar reduzir o desequilíbrio externo sem que isso prejudicasse o controle da inflação. Desoneração tributária de produtos exportáveis, ampliação de linhas oficiais de financiamento, abertura de agências para promover exportações de micro e pequenas empresas e criação de um seguro para exportações foram algumas das iniciativas.
Diante da ineficácia dessas medidas, surgiram opiniões de que o Brasil precisaria desvalorizar a moeda, como única alternativa para reduzir a necessidade de manter juros altos e poder retomar um ritmo sustentado de crescimento econômico. Em janeiro de 1999, o governo abandonou a âncora e instituiu a livre flutuação cambial. O real se desvalorizou abruptamente em relação ao dólar, mas as exportações seguiram fracas, frustrando as expectativas de queda rápida das taxas de juros. Ficou uma dúvida: a desvalorização cambial isolada seria suficiente para que o Brasil passasse a apresentar exportações dinâmicas? Segundo o estudo "A pauta de exportação brasileira e os objetivos da política de exportação", publicado no final de março pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a origem do problema da baixa competitividade de nossas exportações está não somente no desajuste cambial, mas também na composição da pauta de produtos exportados, pouco direcionada para setores de elevado dinamismo na economia mundial.
De acordo com o estudo, uma política cambial ajustada é requisito decisivo para que as políticas de promoção de exportações tenham eficácia e para que se obtenha um crescimento vigoroso das vendas externas. A mudança do regime cambial em janeiro de 1999 eliminou um fator que deprimia a rentabilidade das exportações e desestimulava as vendas externas. O Iedi avalia que, com a cotação do dólar em R$ 1,75, a taxa de câmbio parece ajustada num nível em que não há proteção excessiva aos setores econômicos internos, nem tampouco desproteção.
Partindo dessa premissa, o estudo do Iedi compara a pauta de exportação brasileira com a de outros países, de modo a explicitar os pontos de estrangulamento para a melhora da competitividade. Os países selecionados, que em conjunto respondem por cerca de 80% da economia mundial, foram divididos em dois grupos. No primeiro, integrado pelos países de elevada industrialização, foram incluídos EUA, Japão, Alemanha, Itália e França. O segundo engloba, além do Brasil, mais sete países "emergentes", que representam diferentes políticas de inserção no mercado internacional: o modelo de integração européia (Espanha), a concentração em um mercado núcleo (México, com o Nafta, e Argentina, com o Mercosul), o sistema de plataforma de exportação (Malásia), a política industrial voltada para as vendas externas (Coréia do Sul), o protecionismo (Índia) e a ampla liberalização (Chile).
Foram utilizados três indicadores para classificar qualitativamente a pauta desses países. O primeiro fez um cruzamento da presença de setores da economia na pauta de cada país com a participação dos mesmos setores no total das exportações mundiais. A situação considerada ideal é aquela em que o país tanto ampliou sua venda externa de produtos cuja participação no mercado mundial está crescendo (o que configura uma "convergência ótima") como reduziu a de produtos cuja participação no comércio internacional esteja regredindo (o que significa reduzir a dependência em relação a "setores em retrocesso").
No triênio 1996/98, em comparação com o triênio 1982/84, 29% da pauta de exportação brasileira apresentou convergência considerada ótima, percentual inferior ao de todos os países emergentes analisados, exceto o Chile (27%). O percentual de "ótimo" alcança 69% no México e 63% na Coréia do Sul. No mesmo período, a participação dos setores em retrocesso na pauta brasileira foi de 19%, um resultado melhor apenas que o do Chile (49%). A média de participação de setores em retrocesso na pauta dos demais seis países emergentes analisados é de cerca de 6%.
O segundo indicador classificou o dinamismo da pauta de exportação de cada país. Foram considerados muito dinâmicos aqueles produtos cujas exportações mundiais registraram crescimento médio anual superior a 10% do triênio 1982/84 para o triênio 1996/98. Analogamente, foram considerados: dinâmicos os que registraram crescimento entre 7,5% e 10%; intermediários, entre 5% e 7,5%; em regressão, entre 2,5% e 5%; e em declínio, inferior a 2,5%.
A participação dos produtos dinâmicos e muito dinâmicos na pauta de exportação brasileira cresceu de 34% em 1982/84 para 41% em 1996/98. Apesar desse sinal positivo, o percentual explicita a fragilidade das exportações brasileiras: apenas Argentina (33%) e Chile (27%) apresentaram maior fragilidade. Vale ressaltar a extraordinária evolução qualitativa das exportações mexicanas.
Por fim, o terceiro indicador apontou a intensidade tecnológica das exportações de cada país. Grande parte dos setores de elevada intensidade tecnológica têm participação dinâmica nas exportações mundiais, ou têm potencial de se tornar dinâmicos nos próximos anos. A exportação de produtos de elevada intensidade tecnológica passou de 13%, na pauta de exportação brasileira em 1982/84, para 21% em 1996/98, desempenho superior apenas ao de Argentina (de 7% para 15%), Índia (de 5% para 12%) e Chile (de 2% para 6%). Nesse período, a média mundial passou de 27% para 40%.
A baixa participação de produtos de elevada intensidade tecnológica na pauta brasileira está associada à menor participação de produtos manufaturados no total das exportações. Considerando-se apenas a exportação de manufaturados no período 1996/98, a participação dos produtos de elevada intensidade tecnológica não foi pequena, no caso brasileiro: alcançou 41,4%, proporção maior que a observada em países como Coréia do Sul (40,9%), Argentina (37,1%), Itália (33,5%), Índia (20,3%) e Chile (13%).
A principal decorrência dessa baixa qualidade da pauta de exportação é que a concorrência dos produtos brasileiros no exterior se dá predominantemente via preços, e não por sua qualidade, o que os torna mais sensíveis a flutuações cambiais, variações de preços internacionais e crises econômicas.
Assim, segundo o Iedi, para reduzir sua vulnerabilidade internacional o Brasil precisa aumentar significativamente, em sua pauta de exportação, a participação de setores mais dinâmicos no comércio internacional e mais resistentes a conjunturas adversas. Para que isso seja possível, de acordo com o instituto, é indispensável que a relação cambial ajustada, a desoneração tributária e a ampliação dos financiamentos à exportação sejam acompanhadas de políticas setoriais de investimento e de desenvolvimento tecnológico.
São tarefas que exigem administração consistente de instrumentos de ação macroeconômica (políticas tributária, cambial e de juros), estratégia comercial sintonizada com as normas estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio e disposição de ampliar investimentos públicos e privados. Acima de tudo, é preciso restabelecer uma política industrial seletiva e eficiente (há vários anos ausente das prioridades do governo brasileiro), orientada pela identificação de oportunidades futuras de exportação e investimento.
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