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Produto interno criativo
O ex-ministro da Cultura do Reino Unido Chris Smith fala de como a arte
pode contribuir para a economia

"Barcelona é considerada um exemplo de regeneração que acontece 'de baixo para cima', ou seja, começa nas pequenas coisas", afirmou Smith, também presidente da Associação Cultural de Londres e ex-ministro da Cultura, Mídia e Esportes do Reino Unido (de 1997 a 2001). Especialista em um assunto que vem chamando cada vez mais a atenção, conhecido como indústria criativa - formada por artistas, designers, arquitetos e a comercialização de seus "produtos" -, o professor hoje roda o mundo levando as experiências presenciadas por ele em lugares que tiveram a arte e a criatividade como elementos transformadores - como aconteceu com as cidades espanholas.
Durante o encontro, Smith falou do desenvolvimento do setor, de sua surpreendente participação no Produto Interno Bruto (PIB) britânico e explicou por que São Paulo tem potencial para ser um pólo mundial de cultura. "Centros urbanos vibrantes entusiasmam os jovens", afirmou. A seguir, trechos.
Para explicar a importância da cultura e das indústrias criativas no Reino Unido e, mais especificamente, em Londres, parto do pressuposto de que a cultura está muito ligada não só ao bem-estar, mas também à economia. Em 2001, foi feito um mapeamento dos números da indústria criativa e os resultados surpreenderam a todos: o valor do setor para a economia britânica alcançara 125 bilhões [de libras esterlinas], o equivalente a quase R$ 500 bilhões por ano. Esse número, que hoje corresponde a mais ou menos 7% do PIB do Reino Unido, representa um setor que já crescia duas vezes mais que a economia londrina e empregava 1,2 milhão de pessoas. Notou-se também que o impacto do setor criativo era maior em Londres do que no Reino Unido em geral. Em nível municipal, a indústria criativa representa cerca de 14% do PIB, e é o segundo maior setor da economia, atrás somente do financeiro - estima-se, entretanto, que em cinco anos o setor criativo terá superado o setor financeiro, e se tornará o mais importante da cidade. Uma das justificativas para o sucesso municipal do processo criativo é o fato de que as áreas urbanas são lugares interessantes e que chamam a atenção dos criadores. A partir dessa pesquisa e de seus pujantes resultados, o governo britânico concluiu pela necessidade de criar políticas na área. Apesar da demora do Ministério das Finanças do Reino Unido em incluir o setor como um importante desafio inglês, nos últimos anos começou a ser discutida a criatividade na economia. O prefeito de Londres posicionou-se como um dos primeiros políticos ativamente mobilizados para o desenvolvimento de ações na área das indústrias criativas, entendendo seu crescimento e desenvolvimento.
Centros vibrantes
O setor se torna mais importante em cidades como São Paulo e Londres devido a três grandes fatores. Primeiro, a natureza das cidades agitadas: os centros urbanos vibrantes entusiasmam os jovens. Segundo, pela diversidade da população que interage nessas cidades - no caso específico de Londres, de 30% a 40% das pessoas que ali vivem não são de lá e isso produz inovações culturais. E, terceiro, pelas tradições e estruturas culturais muito fortes que as duas cidades apresentam, consolidadas em museus, teatros, arte visual, cinema e televisão - essas são as bases usadas pelos empreendedores. No entanto, há alguns entraves para um desenvolvimento mais pleno dessa alternativa [de indústrias criativas].
O primeiro deles é a educação. Deve ser direito das pessoas serem encorajadas a desenvolver sua criatividade, e que haja preocupação com as oportunidades de crescimento dos talentos em design, arquitetura, artes - especialmente em nível superior. O segundo é deixar as atividades de desenvolvimento da criatividade para segundo plano, para se preocupar demasiadamente com as áreas mais tradicionais da educação, como a literatura, a economia e a matemática - o Reino Unido enfrentava problemas nesse aspecto. Mas veja que não é suficiente ensinar a ser designer, deve-se ensinar a ser empresário. Muitos talentos são perdidos todos os anos em razão dessa deficiência, considerando que várias pessoas gostariam de montar o próprio negócio, mas, em geral, não sabem como fazê-lo.
É problema também o acesso a acomodações para esses negócios, espaços físicos mesmo. Esse é um dos aspectos que justifica a importância da formação dos clusters [conglomerados de pequenas empresas da mesma área], considerando que o processo criativo necessita de espaço e, em geral, os artistas desejam alocar-se em um ambiente urbano, perto de outros criadores - ainda que competindo tecnicamente, a aglomeração os agrada. Londres não conseguiu isso ainda, já que o custo de acomodações é muito alto.
Caos criativo
Há uma determinada região em Londres, muito deteriorada, mas que começou a se tornar interessante para os artistas - muito por causa dos baixos aluguéis. Os artistas e criadores começaram a deslocar-se para lá e, com o crescimento desse movimento, a região começou a melhorar também, atrair investimentos, cafés, restaurantes, praças, melhoria nas calçadas etc. A partir daí, a vizinhança também passou a desenvolver-se. Paralelamente a isso, o ambiente boêmio e modernizado atraiu pessoas com maior poder aquisitivo, que, em detrimento dos artistas, começaram a ocupar a região e a tornar os aluguéis cada vez mais caros. O que obrigou os artistas, que haviam fomentado o crescimento da área, a ir embora.
É justamente para evitar esse efeito que é importante a intervenção das autoridades municipais. É importante que elas criem, por exemplo, um grande armazém como um estabelecimento comercial para pequenos empresários iniciarem seus negócios, de tal forma que, quando ele [cada empreendedor] crescer, possa se mudar para uma loja ou um escritório próprio, permitindo o progresso de um novo pequeno empresário, que passaria a ocupar o espaço, e assim por diante. O setor criativo é caótico e, portanto, tenta estabelecer regras para seus membros que nem sempre funcionam. Mas o espírito de renovação, de criação, tem de estar no caos. Por isso deve-se encorajar o crescimento, mas nunca impor condições - eles têm as próprias asas, você só precisa incentivá-los a voar. •