
A GRANDE EXPLOSÃO
por
Juliana Braga de Mattos
A teoria do big bang explica a formação do universo como
uma explosão cósmica plena de partículas pulsantes
que, espalhadas aqui e acolá, deram origem às galáxias,
nas quais inúmeras formas de matéria e vida se reproduzem
e se extinguem, ao longo de bilhões de anos. Analisando de maneira
muito sintética tal complexo evento, hoje se afirma que dele deriva
o mundo que conhecemos - e me parece sintomático que aquele caos
produtivo já não nos surpreenda, mas, ao contrário,
seja a metáfora possível para caracterizar a época
contemporânea.
Numa licença poética, talvez não seja exagero afirmar
que, a cada dois anos, São Paulo inicia seu big bang das artes:
tendo a Bienal [Bienal Internacional de São Paulo, a mais importante
mostra de arte da cidade, que atualmente está apresentando sua
27ª. edição] como marco e catalisador, a cena artística
paulistana torna-se efervescente para o que, didaticamente, chamo aqui
de artes visuais. No chamado "efeito bienal", uma rede instaura-se
entre museus, centros culturais, galerias e espaços expositivos,
apresentando uma heterogênea seleção de artistas e
seus processos criativos, em tal grau exponencial que, ao público,
torna-se praticamente impossível percorrer todo esse mapa.
Surgem daí algumas queixas: afinal, de que vale a arte que não
chega aos olhos do espectador? Se o ano se divide em meses, a muitos parece
mais justo equilibrar essa oferta, de forma que as artes visuais sejam,
sim, presença constante nos 365 dias do calendário...
A despeito da inconstestável importância de se manterem sempre
aquecidas as proposições artísticas na cidade, o
atual momento me instiga a refletir sobre duas questões. O espaço
da arte é uma delas. Em grandes metrópoles como São
Paulo, o binômio espaço urbano-intervenções
artísticas vem sendo o mote de discussões e ações
para artistas que, ao inserir seus trabalhos na esfera pública,
aproximam suas obras tanto de um público cativo quanto de passantes
desavisados, incluindo uma parcela de população que categoriza
tais intervenções como "sujeira".
Se lembrarmos que a chamada arte de rua tem origem na busca por espaços
alternativos, em resposta a um mercado de arte excludente, vai aí
uma interessante contraposição ao que podemos detectar como
geradores de intensa poluição visual: um sem-fim de propagandas,
slogans e comerciais que bombardeiam a cidade de produtos, no geral já
bastante estabelecidos no mercado. Na contramão, intervenções
de artistas como Herbert Baglione, Alessandra Cestac ou da dupla Osgemeos,
entre tantos outros, emergem de cantos inesperados, transformando arquitetura
em suporte artístico para instigar o olhar dos que passam. Nesse
caso, entre a repetitiva elaboração mercantil da publicidade
e as releituras poético-artísticas inseridas no cotidiano
urbano, sinto que temos um certo hiato.
Mas, voltando à nossa "maratona visual": se as relações
do espaço público com a arte propõem sua singular
permanência no dia-a dia da cidade, como resolver o descompasso
de 1 espectador x 100 exposições sem recair numa espécie
de gincana? Não por outro caminho senão o do exercício
da escolha. Confrontado o público com inúmeras opções,
neste momento talvez possamos pensar que ele, para além de lamentar
uma oportunidade perdida, tenha a chance de lidar com suas preferências
e buscá-las em determinado roteiro, transformando-se em real sujeito
de suas ações (exponho aqui meu desejo quase utópico
na conscientização de que nos falou Paulo Freire). Creio
assim que, ao abrir os cadernos de cultura e nos deparar com uma proliferação
de exposições e mostras, estamos, sobretudo, diante de um
caos produtivo - como as partículas energéticas da grande
explosão original.
Parafraseando o poeta William Blake, citado por Marina Abramovic em conferência
recente no Sesc Pinheiros, "jamais saberás o que é
suficiente, se não souberes o que é mais que suficiente".
Tenho pensado, nestes meses mais que nunca, que arte é assim.
Juliana Braga de
Mattos. Historiadora, é técnica do SESC São Paulo.
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