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REVISTA E Novembro - 2006

 

 

 


A GRANDE EXPLOSÃO

 

 

por Juliana Braga de Mattos

 

 


A teoria do big bang explica a formação do universo como uma explosão cósmica plena de partículas pulsantes que, espalhadas aqui e acolá, deram origem às galáxias, nas quais inúmeras formas de matéria e vida se reproduzem e se extinguem, ao longo de bilhões de anos. Analisando de maneira muito sintética tal complexo evento, hoje se afirma que dele deriva o mundo que conhecemos - e me parece sintomático que aquele caos produtivo já não nos surpreenda, mas, ao contrário, seja a metáfora possível para caracterizar a época contemporânea.



Numa licença poética, talvez não seja exagero afirmar que, a cada dois anos, São Paulo inicia seu big bang das artes: tendo a Bienal [Bienal Internacional de São Paulo, a mais importante mostra de arte da cidade, que atualmente está apresentando sua 27ª. edição] como marco e catalisador, a cena artística paulistana torna-se efervescente para o que, didaticamente, chamo aqui de artes visuais. No chamado "efeito bienal", uma rede instaura-se entre museus, centros culturais, galerias e espaços expositivos, apresentando uma heterogênea seleção de artistas e seus processos criativos, em tal grau exponencial que, ao público, torna-se praticamente impossível percorrer todo esse mapa.
Surgem daí algumas queixas: afinal, de que vale a arte que não chega aos olhos do espectador? Se o ano se divide em meses, a muitos parece mais justo equilibrar essa oferta, de forma que as artes visuais sejam, sim, presença constante nos 365 dias do calendário...




A despeito da inconstestável importância de se manterem sempre aquecidas as proposições artísticas na cidade, o atual momento me instiga a refletir sobre duas questões. O espaço da arte é uma delas. Em grandes metrópoles como São Paulo, o binômio espaço urbano-intervenções artísticas vem sendo o mote de discussões e ações para artistas que, ao inserir seus trabalhos na esfera pública, aproximam suas obras tanto de um público cativo quanto de passantes desavisados, incluindo uma parcela de população que categoriza tais intervenções como "sujeira".




Se lembrarmos que a chamada arte de rua tem origem na busca por espaços alternativos, em resposta a um mercado de arte excludente, vai aí uma interessante contraposição ao que podemos detectar como geradores de intensa poluição visual: um sem-fim de propagandas, slogans e comerciais que bombardeiam a cidade de produtos, no geral já bastante estabelecidos no mercado. Na contramão, intervenções de artistas como Herbert Baglione, Alessandra Cestac ou da dupla Osgemeos, entre tantos outros, emergem de cantos inesperados, transformando arquitetura em suporte artístico para instigar o olhar dos que passam. Nesse caso, entre a repetitiva elaboração mercantil da publicidade e as releituras poético-artísticas inseridas no cotidiano urbano, sinto que temos um certo hiato.



Mas, voltando à nossa "maratona visual": se as relações do espaço público com a arte propõem sua singular permanência no dia-a dia da cidade, como resolver o descompasso de 1 espectador x 100 exposições sem recair numa espécie de gincana? Não por outro caminho senão o do exercício da escolha. Confrontado o público com inúmeras opções, neste momento talvez possamos pensar que ele, para além de lamentar uma oportunidade perdida, tenha a chance de lidar com suas preferências e buscá-las em determinado roteiro, transformando-se em real sujeito de suas ações (exponho aqui meu desejo quase utópico na conscientização de que nos falou Paulo Freire). Creio assim que, ao abrir os cadernos de cultura e nos deparar com uma proliferação de exposições e mostras, estamos, sobretudo, diante de um caos produtivo - como as partículas energéticas da grande explosão original.



Parafraseando o poeta William Blake, citado por Marina Abramovic em conferência recente no Sesc Pinheiros, "jamais saberás o que é suficiente, se não souberes o que é mais que suficiente". Tenho pensado, nestes meses mais que nunca, que arte é assim.


Juliana Braga de Mattos. Historiadora, é técnica do SESC São Paulo.

 

 

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