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Sociedade

REVISTA E Novembro - 2006

 

 

 

 

A poluição visual interfere na saúde de São Paulo e de seus habitantes por comprometer a qualidade de vida



"É sempre lindo andar na cidade de São Paulo..." Não é qualquer morador ou turista que concorda com esse primeiro verso da canção São Paulo, São Paulo, famosa nos anos 80 na interpretação do grupo paulistano Premê. No caso da capital paulista, um dos pontos mais freqüentes nas reclamações é o fato de a cidade ser pouco atraente. Lixo espalhado nas ruas, postes que sustentam fiação desordenada, calçadas maltratadas e publicidade dos mais diversos tipos estão entre os geradores do caos que esconde a identidade da cidade. O fenômeno recebe o nome de poluição visual. Uma sujeira no campo visual - ou "ruído", como dizem os urbanistas - que impede que a cidade seja vista como ela originalmente é. O resultado disso vai além de uma cidade feia. A situação faz mal à metrópole, e os sintomas podem ser notados pelos cidadãos. "O usuário da cidade sente essa desorganização visual", explica Carlos Zibel, designer gráfico e professor de comunicação visual da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da Universidade de São Paulo (USP). "É uma poluição que assim como as outras - a sonora ou a poluição do ar - atrapalha e perturba as pessoas."



A origem do problema, no entanto, é bem anterior ao momento em que um determinado cartaz tenha sido colocado na frente de uma fachada histórica. Ela está na própria conformação da cidade. "São Paulo, sucessivamente desde o século 19 - uma época de grande desenvolvimento para a cidade -, vem sendo tratada com um eterno caráter provisório", afirma o professor Issao Minami, designer gráfico, professor da FAU/USP e coordenador do núcleo de pesquisas do Laboratório da Imagem e Comunicação Visual (Labim) da USP. "Trata-se de uma cidade que, a meu ver, vem sendo tratada como um grande acampamento, em constante construção, autofágica". Para o professor Minami, essa particularidade de São Paulo acabou contribuindo para a perda de sua identidade, ou seja, uma cidade que ele chama de "invisível". E, no momento em que ninguém mais consegue enxergá-la, fica difícil cuidar dela, inclusive do ponto de vista administrativo, como coloca o professor Zibel: "São Paulo vem passando historicamente por uma série de desmandos por parte das administrações, que encararam a cidade como um local do serviço, cultura etc., mas que, com raras exceções, nunca se preocuparam em estabelecer limites", afirma. "O que se configurou foi um quadro no qual até mesmo a ação da sociedade - e aí se deve entender sociedade não somente como os indivíduos, mas também as empresas, o comércio etc. - perdeu os limites."


 

Meio ambiente urbano
No entanto, ao que parece, a situação vem mudando. A Lei nº 379/06, aprovada recentemente pela Câmara de Vereadores de São Paulo - conhecida como Lei Cidade Limpa - trouxe a discussão da recuperação da cidade à baila. Alvo de polêmica na imprensa - por proibir terminantemente qualquer propaganda, como outdoor, placas, luminosos e banners dentro do município a partir do início do ano que vem - a medida pode servir, na opinião de especialistas, como um elemento importante para pensar o ambiente urbano como algo que deve ser preservado, assim como são, em consenso, os ambientes naturais. Seria o surgimento de uma nova consciência por parte da sociedade? "Creio que sim", responde o professor Minami. "Acho que está ficando claro que, assim como o chamado meio ambiente natural precisa ser preservado, o patrimônio urbano - prédios históricos, praças, monumentos etc. - também merece atenção." O promotor de justiça especializado em meio ambiente Alexander Martins Matias, vice-presidente do Ministério Público Democrático - uma instituição que se encarrega de dar assessoria jurídica à população em geral -, acredita que se preocupar com a limpeza da cidade é um sinal de "amadurecimento" da sociedade, mas só isso não é suficiente. "É preciso pensar num crescimento ordenado da cidade daqui para a frente, a fim de que, inclusive, a gente possa resolver problemas como o trânsito e o aumento de bairros sem infra-estrutura." Para o professor Minami, tratar do tráfego caótico de veículos nas grandes cidades - que concentram três formas de poluição: a do ar, a sonora e também a visual - é importante nessa empreitada pela recuperação e preservação do meio ambiente urbano. "Não adianta ficar aumentando o número de ruas, abrir avenidas, mudar a mão da vias etc., se o número de veículos continua subindo gradativamente", afirma. "Existem necessidades imediatas cujas soluções devem ser tomadas com maior reflexão (Veja boxe Arte na metrópole). Fechar um córrego ou construir um elevado, por exemplo, exige que se pense duas vezes. É preciso uma mudança de paradigma."


 


Cidade "envelopada"
É fato que a poluição visual causa males tanto à cidade quanto a quem vive ou trabalha nela. Do ponto de vista arquitetônico, fachadas malcuidadas e publicidade em excesso ocupando tanto o solo quanto o chamado espaço aéreo da cidade - luminosos e placas que se erguem, em alguns casos, a até 20 metros do chão - são alguns dos responsáveis pela citada perda de identidade da cidade. "Esses elementos 'envelopam' a cidade", diz o professor Zibel. "No caso do centro antigo de São Paulo, há vitrais maravilhosos, pórticos de ferro batido, e uma riqueza cultural enorme que estava escondida." Para o professor, os efeitos de uma cidade mais limpa poderão ser sentidos tanto naqueles que têm o hábito de contemplar o espaço urbano quanto naqueles mais apressados. "Eu também me pergunto, às vezes, se as pessoas perceberiam uma cidade mais limpa e mais bonita", diz Zibel. "Mas acho que se trata de uma questão de cultura. A maioria das pessoas não é educada para olhar a arquitetura e o urbanismo como arte. É claro que, quando uma praça é bonita, todo mundo vai concordar que é bonita, mas a questão é mais sutil."



Participação da sociedade
Para que os espaços da cidade possam se ver livres do caos visual, ou ao menos tenham esse aspecto minimizado, os urbanistas acreditam que a participação de toda a população é fundamental. E, nesse quesito, as associações de bairro têm um papel importante, pois representam a sociedade organizada no intuito de criar realidades que gerem o bem-estar comum (Veja boxe Jogo limpo). Um dos exemplos foi um movimento promovido, em julho de 2000, pela Associação dos Moradores e Amigos do Pacaembu, Perdizes e Higienópolis (Amapph) que acionou o Ministério Público para que fosse retirado da região o excesso de propaganda que tomava ruas e avenidas, sobretudo na Avenida Angélica. O resultado foi a remoção de totens publicitários de um banco. Até o famoso "M", da rede de lanchonetes McDonald's, foi substituído por uma versão mais discreta, a mesma exigida pela legislação em Paris, capital da França. "Foram convocadas cinco grandes empresas que tinham anúncios na avenida", conta Issao Minami, que participou da ação. "Após um acordo com o Ministério Público e a comunidade local, todas as cinco empresas manifestaram interesse em fazer um trabalho de redução, ou adequação, daqueles elementos que acabavam comprometendo o espaço aéreo da cidade."

 

 





No Centro de São Paulo, boa parte do projeto de revitalização pelo qual a região vem passando nos últimos anos tem sido acompanhado de perto pela Associação Viva o Centro, formada por empresários. "Entidades como a nossa são fundamentais quando se trata de melhorar a qualidade de vida da população", afirma Marco Antonio Ramos de Almeida, superintendente-geral da associação. "Até porque ninguém melhor do que ela [a população] para dizer do que precisa." Ramos de Almeida acredita que o grande papel dessas associações é educar, conscientizar e difundir "continuamente" os danos causados por todo tipo de poluição, inclusive a visual. "Na Viva o Centro, temos apostado e insistido o tempo todo nessa tecla, seja com os nossos filiados, seja com os associados das ações locais, entidades organizadas por ruas e praças do Centro que lutam por melhorias pontuais nesses lugares."



Formado por moradores dos bairros da Zona Leste de São Paulo, o Fórum para o Desenvolvimento da Zona Leste existe desde 1999 e tem como principal objetivo garantir que questões como educação, saneamento e moradia tenham lugar garantido na pauta dos governantes. Segundo o diretor do grupo de trabalhos de educação da associação, Valter Costa, na região, a poluição visual é gerada pela falta de limpeza de ruas, ausência de áreas verdes, entulhos não recolhidos e abandono dos espaços públicos. Já no que diz respeito à publicidade, a questão ganha outros contornos. "Entendo como verdadeiramente caótica a falta de iluminação nas ruas da periferia", afirma Costa. "Em nossas ruas, até mesmo, seriam bem-vindos alguns anúncios luminosos."

 

 

 

 

 


Saiba mais
www.mpd.org.br
www.camara.sp.gov.br

www.vitruvius.com.br
www.fdzl.org.br
www.vivaocentro.org.br

 

 

 

 

 

 

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Arte na metrópole



Exposições em cartaz na unidade provisória Avenida Paulista mostram trabalhos de artistas que se inspiram na poluição visual



Em meio à correria do dia-a-dia, ao bombardeamento de anúncios publicitários, e demais elementos geradores de conflitos visuais nas grandes cidades, os artistas de rua acabam por desempenhar o papel de desenvolver um trabalho que tenta transformar o caos em arte. Por meio de intervenções urbanas, como stickers - adesivos com diversos motivos que geralmente encontramos em postes e muros -, grafites e lambe-lambes (cartazes), esses artistas buscam atrair o olhar dos passantes para questionamentos acerca dos problemas da vida urbana ou, simplesmente, querem distraí-los da loucura do cotidiano.



Usando uma linguagem dinâmica e criativa, essas intervenções se apropriam do espaço público, subvertendo e democratizando a arte. Para expressar esse tipo de trabalho, a unidade provisória do Sesc Avenida Paulista apresenta os trabalhos do grupo Espaço Coringa (foto acima)e do artista francês Georges Rousse (foto ao lado).



Com a instalação chamada de Vitral, o Espaço Coringa - grupo formado em 1998 por artistas plásticos vindos da arquitetura, publicidade e artes plásticas - "adesivou" as vidraças localizadas no térreo da unidade. Iniciada em 20 de setembro, a intervenção, que segue em cartaz até dezembro, aborda questões da cultura de massa, do dinheiro e dos bens de consumo. Já Georges Rousse, participante de várias bienais mundo afora, incluindo a de Paris, vai expor suas obras na unidade a partir do dia 11 de novembro. Rousse pinta formas geométricas em espaços públicos que estão em ruínas, e depois fotografa o resultado. São algumas dessas fotos que serão expostas no 4° andar da unidade provisória até 28 de janeiro.

 

 

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Jogo limpo


Cidades como Buenos Aires, capital da Argentina, e Rio de Janeiro conseguiram aliar a vibração de um grande centro a um espaço público menos poluído visualmente

 

O fato de os argentinos terem fama de se sentir "os europeus da América Latina" contribui para certa rivalidade entre os brasileiros e o povo da terra de Maradona. No entanto, verdade seja dita, ao menos no que diz respeito à poluição visual, Buenos Aires, capital da Argentina, tem bem menos do que reclamar. "Embora não se compare a São Paulo em tamanho - ela é muito menor -, em Buenos Aires, se é que existe o problema de poluição visual, garanto que ele não é, nem de longe, comparável à questão paulistana", afirma o designer gráfico e professor de comunicação visual da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP) Carlos Zibel. "É claro que em Buenos Aires há outdoors e luminosos, mas é tudo bastante comportado. Certa vez, quando estava lá vi um anúncio em um prédio que me chamou muito a atenção justamente por não ter nenhum outro ao lado dele. Não era como essa loucura que se vê em São Paulo, onde você vê um outdoor, depois outro e outro, a ponto de a pessoa mal conseguir ler o que está escrito em um e já ver outro logo na seqüência."



Outra cidade que deu o exemplo foi o Rio de Janeiro. A capital carioca passou por um projeto de revitalização que se encarregou de minimizar sensivelmente intervenções que prejudicavam a contemplação de suas belezas naturais e urbanas. "A cidade do Rio de Janeiro, geralmente citada como exemplar nesse quesito, passou por uma cirurgia em diversos pontos", conta o professor Issao Minami, também designer gráfico, professor da FAU e coordenador do núcleo de pesquisas do Laboratório da Imagem e Comunicação Visual (Labim) da USP. "A revitalização criou, até, alguns conceitos novos de disposição do mobiliário urbano [bancos, lixeiras, canteiros etc.] e também disciplinou a colocação de elementos de intervenção, como as propagandas. O resultado foi uma nova feição para a cidade."

 

 

 

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