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REVISTA E Novembro - 2006

 

 

SERÁ QUE VAI CHOVER?

 

 

por Ricardo de Camargo

 

 


O físico e professor de meteorologia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), da Universidade de São Paulo (USP), Ricardo de Camargo foi convidado pelo Conselho Editorial da Revista E para falar, entre outras coisas, sobre as bruscas mudanças no clima e na temperatura de São Paulo - alterações que deixam os paulistanos confusos e muitas vezes irritados. Curiosamente, uma forte chuva - daquelas que fazem o céu escurecer de repente, num dia ensolarado - quase faz o convidado da seção Encontros deste mês chegar atrasado. O atraso, como disse Camargo durante a conversa, não foi resultado de falhas da atuação da meteorologia. Segundo o físico, a ciência está cada vez mais avançada, "por conta do advento dos satélites meteorológicos e do avanço tecnológico dos instrumentos, dos sensores, dos equipamentos e dos métodos de medição". Com mestrado em oceanografia física e doutorado em meteorologia, ambos pela USP, Camargo é atualmente professor na universidade e atua nas áreas de ajuste orográfico do vento - a orografia se encarrega da descrição das montanhas, suas fronteiras, altura etc. -, elipses de correntes de maré e influência meteorológica. Ou seja, experiência não lhe falta. A seguir, trechos.


 

Podemos pensar na evolução e modificação permanentes do clima tanto na escala da América do Sul quanto na do estado de São Paulo - onde a responsável foi a mudança de uso e ocupação do solo -, ou ainda mais regionalmente, como na cidade de São Paulo, onde a causa foi a urbanização. Vale a pena salientar que muito do que observamos nos grandes centros urbanos tem essa componente local, a selva de pedra, a urbanização como um todo alterando as características da superfície. Isso pode ser um sinal mais intenso do que o sinal da escala global. Um exemplo disso ocorreu no mês de setembro, quando tivemos o dia mais quente dos últimos 40 anos. Isso foi observado na estação do Instituto Nacional de Meteorologia no Mirante de Santana. Se pegarmos os registros e fizermos uma análise de tendências de temperaturas, perceberemos que o aumento de temperatura é maior na região [onde fica o mirante] do que o observado em escala global. Então, temos de ter um pouco de cuidado quando tratamos do assunto, por causa da evolução do sítio onde os dados são coletados.


 


Por isso é importante analisar o contexto dessas mudanças. Fala-se muito que São Paulo era a terra da garoa e, de fato, percebemos que os dias de garoa ou de nevoeiro estão diminuindo. O que ocorre é que, devido à urbanização, à mudança do uso do solo e ao desmatamento - além da invasão de espaços no entorno -, a cidade apresenta hoje muitas áreas impermeáveis, o que aumenta as condições de alagamento. Por outro lado, a umidade volta para a atmosfera através da transferência da água do solo ou da própria vegetação, e essa modificação do solo em caráter permanente - porque os bairros se expandem, mas não existe um plano de reflorestamento, por exemplo - gera esse tipo de impacto.


 

Apagão em 2008
O avanço da meteorologia nos últimos anos, mais especificamente nas duas últimas décadas, deveu-se basicamente à melhoria da qualidade das previsões - principalmente no Hemisfério Sul, devido ao advento dos satélites meteorológicos. Além disso, há o avanço tecnológico dos instrumentos, dos sensores, dos equipamentos e métodos de medição. Os computadores também estão cada vez mais eficientes e mais rápidos. A meteorologia é uma das ciências que mais consomem tempo de computador no planeta, porque são milhões de cálculos para uma previsão do tempo.

 



Hoje, há confiabilidade maior no conhecimento teórico e em sua aplicação às previsões. As cooperativas agrícolas, por exemplo, têm previsões de 15 dias, de um mês e até previsões sazonais. E, quando se considera um país de geração de energia elétrica e de produção agrícola dominante, como é o caso do Brasil, é lógico que qualquer impacto seja decisivo para seu funcionamento como um todo. Um exemplo é o apagão de 2001 e 2002 devido à falta de chuva. Quando consideramos o avanço da área, a possibilidade de haver uma confiabilidade maior, tanto naquilo que analisamos e diagnosticamos quanto no que prevemos e prognosticamos, dá mais base para aplicações desses dados na agricultura e na economia de recursos hídricos - seja para a geração de energia, seja para o abastecimento nas cidades. Neste ano, não tivemos problema de racionamento de água em São Paulo porque o verão foi generoso em relação às chuvas, que abasteceram os mananciais do entorno da cidade. Mas existe a perspectiva de um período ruim para 2008, isso é concreto.



Lembra do buraco na camada de ozônio?
No que diz respeito à questão do ozônio, acho que vale a pena tratar de uma coisa que pode dar margem a muita confusão. Ouvimos falar muito do buraco na camada de ozônio, que fica na alta troposfera - a 15 ou 20 quilômetros de altura -, e atualmente se fala de um ozônio poluente que respiramos, formado por reações químicas aqui em baixo. Trata-se de duas coisas diferentes, apesar de envolverem o mesmo elemento. Esse ozônio poluente, que está próximo à superfície, não pode ser colocado em uma bomba controlada e solto lá em cima na troposfera. Os dois gases têm origens diferentes. Uma vez dei uma entrevista e o repórter me perguntou: "E se a gente pegasse todo esse ozônio que fica aqui poluindo São Paulo, não daria para transferi-lo lá para cima e tampar o buraco?" Seria bom se desse, talvez ainda inventem algo assim.



Já com relação ao ozônio lá da troposfera, ao observarmos o resultado das medidas tomadas há 15 ou 20 anos, que visaram à diminuição do uso daqueles gases em refrigeradores, em ares-condicionados e coisas desse tipo, os chamados CFCs [clorofluorcarbonetos], pôde-se comprovar que realmente o efeito desses gases era o mais degradante. Foi uma medida tomada em escala global e a prova está aí, com essa mudança do destino do buraco na camada de ozônio. Isso não significa que a atmosfera vá reagir tão rapidamente, a ponto de estar totalmente restituída. Mas as tendências de concentração do ozônio estratosférico nos últimos anos têm mostrado uma recuperação otimista. E o papel que esse ozônio tem, de filtrar os raios ultravioleta, nocivos para nossa pele e nossa saúde, já está retomando patamares aceitáveis. Mas ainda não podemos retirar as atenções mais especiais desse problema. Agora, seria bom se víssemos o Protocolo de Kyoto [pacto sobre o clima mundial que estabelece metas para 2012 de redução das emissões, pelas principais nações industrializadas, de gases que provoquem efeito estufa] sendo tão eficiente quanto essa medida tomada sobre o controle de emissão dos CFCs, mas não parece que as grandes potências o adotarão.


 

 


 

 

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