SERÁ
QUE VAI CHOVER?
por
Ricardo de Camargo
O
físico e professor de meteorologia do Instituto de Astronomia,
Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), da Universidade
de São Paulo (USP), Ricardo de Camargo foi convidado pelo Conselho
Editorial da Revista E para falar, entre outras coisas, sobre as bruscas
mudanças no clima e na temperatura de São Paulo - alterações
que deixam os paulistanos confusos e muitas vezes irritados. Curiosamente,
uma forte chuva - daquelas que fazem o céu escurecer de repente,
num dia ensolarado - quase faz o convidado da seção Encontros
deste mês chegar atrasado. O atraso, como disse Camargo durante
a conversa, não foi resultado de falhas da atuação
da meteorologia. Segundo o físico, a ciência está
cada vez mais avançada, "por conta do advento dos satélites
meteorológicos e do avanço tecnológico dos instrumentos,
dos sensores, dos equipamentos e dos métodos de medição".
Com mestrado em oceanografia física e doutorado em meteorologia,
ambos pela USP, Camargo é atualmente professor na universidade
e atua nas áreas de ajuste orográfico do vento - a orografia
se encarrega da descrição das montanhas, suas fronteiras,
altura etc. -, elipses de correntes de maré e influência
meteorológica. Ou seja, experiência não lhe falta.
A seguir, trechos.
Podemos pensar na
evolução e modificação permanentes do clima
tanto na escala da América do Sul quanto na do estado de São
Paulo - onde a responsável foi a mudança de uso e ocupação
do solo -, ou ainda mais regionalmente, como na cidade de São Paulo,
onde a causa foi a urbanização. Vale a pena salientar que
muito do que observamos nos grandes centros urbanos tem essa componente
local, a selva de pedra, a urbanização como um todo alterando
as características da superfície. Isso pode ser um sinal
mais intenso do que o sinal da escala global. Um exemplo disso ocorreu
no mês de setembro, quando tivemos o dia mais quente dos últimos
40 anos. Isso foi observado na estação do Instituto Nacional
de Meteorologia no Mirante de Santana. Se pegarmos os registros e fizermos
uma análise de tendências de temperaturas, perceberemos que
o aumento de temperatura é maior na região [onde fica o
mirante] do que o observado em escala global. Então, temos de ter
um pouco de cuidado quando tratamos do assunto, por causa da evolução
do sítio onde os dados são coletados.
Por isso é importante analisar o contexto dessas mudanças.
Fala-se muito que São Paulo era a terra da garoa e, de fato, percebemos
que os dias de garoa ou de nevoeiro estão diminuindo. O que ocorre
é que, devido à urbanização, à mudança
do uso do solo e ao desmatamento - além da invasão de espaços
no entorno -, a cidade apresenta hoje muitas áreas impermeáveis,
o que aumenta as condições de alagamento. Por outro lado,
a umidade volta para a atmosfera através da transferência
da água do solo ou da própria vegetação, e
essa modificação do solo em caráter permanente -
porque os bairros se expandem, mas não existe um plano de reflorestamento,
por exemplo - gera esse tipo de impacto.
Apagão em
2008
O avanço da meteorologia nos últimos anos, mais especificamente
nas duas últimas décadas, deveu-se basicamente à
melhoria da qualidade das previsões - principalmente no Hemisfério
Sul, devido ao advento dos satélites meteorológicos. Além
disso, há o avanço tecnológico dos instrumentos,
dos sensores, dos equipamentos e métodos de medição.
Os computadores também estão cada vez mais eficientes e
mais rápidos. A meteorologia é uma das ciências que
mais consomem tempo de computador no planeta, porque são milhões
de cálculos para uma previsão do tempo.
Hoje, há confiabilidade maior no conhecimento teórico e
em sua aplicação às previsões. As cooperativas
agrícolas, por exemplo, têm previsões de 15 dias,
de um mês e até previsões sazonais. E, quando se considera
um país de geração de energia elétrica e de
produção agrícola dominante, como é o caso
do Brasil, é lógico que qualquer impacto seja decisivo para
seu funcionamento como um todo. Um exemplo é o apagão de
2001 e 2002 devido à falta de chuva. Quando consideramos o avanço
da área, a possibilidade de haver uma confiabilidade maior, tanto
naquilo que analisamos e diagnosticamos quanto no que prevemos e prognosticamos,
dá mais base para aplicações desses dados na agricultura
e na economia de recursos hídricos - seja para a geração
de energia, seja para o abastecimento nas cidades. Neste ano, não
tivemos problema de racionamento de água em São Paulo porque
o verão foi generoso em relação às chuvas,
que abasteceram os mananciais do entorno da cidade. Mas existe a perspectiva
de um período ruim para 2008, isso é concreto.
Lembra
do buraco na camada de ozônio?
No que diz respeito à questão do ozônio, acho que
vale a pena tratar de uma coisa que pode dar margem a muita confusão.
Ouvimos falar muito do buraco na camada de ozônio, que fica na alta
troposfera - a 15 ou 20 quilômetros de altura -, e atualmente se
fala de um ozônio poluente que respiramos, formado por reações
químicas aqui em baixo. Trata-se de duas coisas diferentes, apesar
de envolverem o mesmo elemento. Esse ozônio poluente, que está
próximo à superfície, não pode ser colocado
em uma bomba controlada e solto lá em cima na troposfera. Os dois
gases têm origens diferentes. Uma vez dei uma entrevista e o repórter
me perguntou: "E se a gente pegasse todo esse ozônio que fica
aqui poluindo São Paulo, não daria para transferi-lo lá
para cima e tampar o buraco?" Seria bom se desse, talvez ainda inventem
algo assim.
Já com relação ao ozônio lá da troposfera,
ao observarmos o resultado das medidas tomadas há 15 ou 20 anos,
que visaram à diminuição do uso daqueles gases em
refrigeradores, em ares-condicionados e coisas desse tipo, os chamados
CFCs [clorofluorcarbonetos], pôde-se comprovar que realmente
o efeito desses gases era o mais degradante. Foi uma medida tomada em
escala global e a prova está aí, com essa mudança
do destino do buraco na camada de ozônio. Isso não significa
que a atmosfera vá reagir tão rapidamente, a ponto de estar
totalmente restituída. Mas as tendências de concentração
do ozônio estratosférico nos últimos anos têm
mostrado uma recuperação otimista. E o papel que esse ozônio
tem, de filtrar os raios ultravioleta, nocivos para nossa pele e nossa
saúde, já está retomando patamares aceitáveis.
Mas ainda não podemos retirar as atenções mais especiais
desse problema. Agora, seria bom se víssemos o Protocolo de Kyoto
[pacto sobre o clima mundial que estabelece metas para 2012 de redução
das emissões, pelas principais nações industrializadas,
de gases que provoquem efeito estufa] sendo tão eficiente quanto
essa medida tomada sobre o controle de emissão dos CFCs, mas não
parece que as grandes potências o adotarão.
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