
A
FORÇA DO TRAÇO
O pintor cearense Aldemir Martins encontrou nas formas e cores nacionais
a fonte de inspiração para mostrar o Brasil ao mundo
"Aldemir
Martins é um homem cultíssimo. Como dizem em certas regiões
do interior do Brasil: é um poço de sabedoria." Essas
são as primeiras palavras da obra Aldemir Martins - No Lápis
da Vida Não Tem Borracha (Editora Callis), dos escritores Nilson
Moulin e Rubens Matuck, publicada em 1999 - sete anos antes da morte do
pintor, nascido no Ceará em 1922, e que morava em São Paulo
desde 1946. Como resultado de mais de meio século de contribuição
às artes plásticas, o pintor, conhecido pela constante experimentação
- há trabalhos seus tanto em telas de linho quanto em papéis
de carta, cartões e até fôrmas de pizza -, deixa para
a posteridade uma obra bem acolhida pelo público e reconhecida
pela crítica. Entre os prêmios que recebeu, destacam-se o
de Melhor Desenhista, na Bienal de São Paulo de 1955, e o de Melhor
Desenho, na Bienal de Veneza em 1956. "Aldemir Martins tinha uma
visão única do país", afirma Jacob Klintowitz,
curador da exposição O Viajante Amigo, que ocupa o térreo
do Sesc Vila Mariana até 3 de dezembro (veja
boxe As Viagens do Pintor). "Ele tinha sobre o Brasil
um olhar amoroso, pois observava o território nacional e o que
nele existe como uma fonte de vida, uma fonte de beleza em abundância.
O artista criava a sua versão da identidade nacional." Klintowitz
afirma ainda que o pintor, e também desenhista, gravurista, ilustrador,
ceramista e escultor, garantiu seu lugar entre os grandes nomes das artes
plásticas brasileiras por apresentar um universo original, tratado
com "extrema sabedoria artística". Para ele, ao tomar
contato com o trabalho do artista, o espectador é "agraciado
com um mundo novo".
O cabo-pintor
A intimidade de Aldemir Martins com as artes manifestou-se cedo. Aos 8
anos já fazia seus desenhos com pedaços de tijolo e carvão.
No Colégio Militar de Fortaleza, onde iniciou sua formação,
é escolhido como orientador artístico de classe, devido
à habilidade no desenho. No Exército, desenhou um mapa aerofotogramétrico
de Fortaleza - grosso modo, um mapa da cidade vista de cima - e
conquistou seu primeiro prêmio ao vencer o concurso promovido pela
Oficina de Material Bélico da 10ª Região Militar pelas
pinturas feitas nas viaturas do Exército. Desde então, passou
a ser conhecido como o cabo-pintor. Entre 1942 e 1943, funda o Grupo Artys
da Sociedade Cearense de Artistas Plásticos (Scap), com outros
pintores, poetas e escritores, além de, paralelamente, desenvolver
trabalhos como ilustrador para jornais, revistas e livros - incluindo
uma das edições de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, originalmente
publicado em 1938.
Em 1946 transfere-se para São Paulo, onde retoma a atividade de
ilustrador nas redações de jornais, na coluna Bairros
na Berlinda, publicada no Correio Paulistano. Assina também,
com o jornalista Daniel Linguanotto, a coluna Daniel Comenta e Aldemir
Ilustra, parte integrante do jornal A Noite. Ainda nessa área,
realiza trabalhos para o Jornal de São Paulo, para O
Diário e para a revista Elite. O pintor chegou a desenhar
algumas sessões da Assembléia Legislativa de São
Paulo, época em que conheceu políticos que se tornariam
expoentes do cenário nacional, como Ulisses Guimarães. Foi
em São Paulo que Aldemir Martins fez sua primeira exposição
individual, no Instituto de Arquitetos do Brasil, ocasião que marcou
sua carreira e consolidou uma trajetória que ecoaria não
somente no país, mas em diversos eventos de arte mundo afora.
Hoje
é considerado um dos porta-vozes das cores e formas do Brasil.
"O mestre Aldemir abriu caminhos", afirma o escritor Nilson
Moulin. "Ampliou o diálogo de artistas brasileiros com o mundo,
contribuiu para uma etapa importante de reposicionamento de artistas nacionais
em relação aos de outros países." Para o autor,
é a linguagem "forte", com "qualidade tanto local
quanto internacional", o grande legado de Aldemir. Segundo Moulin,
houve também a satisfação de conviver com o pintor.
"Ele desenhava, pintava, contava caso, trabalhava e, desculpe-me
o lugar-comum, esbanjava alegria de viver. Escrever um livro sobre ele
foi uma delícia. Uma aprendizagem prazerosa..."
Universo
de formas
Entre os temas
recorrentes na obra de Aldemir Martins, o Nordeste brasileiro aparece
como grande foco de interesse. As pessoas, as paisagens e os animais da
região onde nasceu marcaram seu trabalho desde os primeiros esboços.
No entanto, o futebol e, mais recentemente, uma infinidade de gatos -
que ele dizia serem "superiormente senhoris, matreiros e, ao mesmo
tempo, concretos e abstratos", segundo descrição do
livro de Moulin e Matuck - também fizeram parte de seu amplo universo.
O mundo apaixonado da bola aparece, entre outros momentos, nas ilustrações
que fez para um texto do escritor baiano Jorge Amado (1912-2001), A
Bola e o Goleiro. Já os felinos - que apareciam coloridos em
telas de grandes formatos - permearam sua produção nos últimos
anos e tiveram êxito comercial. Em artigo publicado no site do instituto
Itaú Cultural, o jornalista Edwaldo Pacote, comenta a diversidade
temática do artista: "Todos os temas de Aldemir só
poderiam ser interpretados adequadamente por meio de traços severos,
embora ágeis e livres, sem o sombreado bonito e maneiroso dos que
aprenderam a desenhar na escola. E o seu desenho era duro, desmentindo
a aparente fragilidade da linha". Em outro texto publicado no mesmo
site, o escritor Jorge Amado define a obra do artista: "Lá
[em suas obras] se viam os cangaceiros, as flores, os frutos e
os gatos - e um gato azul de alucinação, tão belo
não era possível, ah! aquele gato, como esquecê-lo?"
(veja
boxe Os desenhos de Brasília)
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Os
desenhos de Brasília
Mostra apresenta trabalhos do artista Athos Bulcão
Estará
em cartaz no Sesc São Caetano, de oito de novembro a 30 de
dezembro, uma exposição com dez serigrafias (fotos)
do artista carioca Athos Bulcão, reconhecido por suas obras
instaladas em cerca de 100 monumentos públicos em Brasília.
A técnica de serigrafia é um processo pelo qual um
desenho é impresso quando a tinta é colocada sobre
uma tela com regiões permeáveis e outras não,
e as partes do desenho que passam através da tela formam
o resultado final - sobre o papel, metal, tecido ou outra superfície.
Os trabalhos apresentados no Sesc, originalmente criados para azulejaria
em edifícios da capital federal, são as mais novas
aquisições do Acervo Sesc de Arte Brasileira e representam
um significativo período da história das artes plásticas
do país. Athos Bulcão nasceu no Rio de Janeiro, em
1918, e decidiu se dedicar às artes plásticas em 1939,
quando optou por abandonar a medicina.
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As
viagens do pintor
Exposição no Sesc Vila Mariana traz 50 anos de
produção de Aldemir Martins
Como
parte da programação da Temporada Sesc de Artes, a
unidade Vila Mariana apresenta, até 3 de dezembro, a exposição
O Viajante Amigo, com 56 obras do pintor, desenhista, gravurista,
ilustrador, ceramista e escultor Aldemir Martins, morto em fevereiro
deste ano. Representada por obras de todas as áreas em que
Aldemir atuava, a mostra tem curadoria do crítico de arte
Jacob Klintowitz e apresenta um panorama do talento e da diversidade
desse que é considerado um dos mais significativos artistas
brasileiros do século 20. "Foi privilegiada a vida artística
do Aldemir", explica Klintowitz. "Não escolhemos
uma fase, algum momento em especial, pois consideramos que a sua
produção tem uma grande continuidade, é feita
de momentos excepcionais." Dessa forma, O Viajante Amigo traz
50 anos de produção do artista e, segundo afirma o
curador, apresenta uma linguagem expositiva mais direta, adequada
ao espaço que ocupa na unidade, o térreo do prédio,
num ambiente que antecede a área de convivência da
unidade. "A exposição é mais emocionante,
devido à recente morte do artista", afirma Klintowitz.
"O público tem à disposição cerâmicas,
gravuras em várias técnicas, pinturas, desenhos, e
criações
ligadas ao comércio e à indústria, tais como
rótulos, caixas, latas, embalagens, brinquedos, caixas de
fósforos, copos, jogo de mesa, toalhas etc." Há
ainda um núcleo biográfico com fotos do autor e dos
parentes e amigos que conviveram com ele, retratos da mulher, dos
filhos, do crítico Sérgio Milliet e do artista plástico
Antônio Bandeira.
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