
JANELAS
PARA A CULTURA
Atividades
de incentivo à leitura têm se encarregado de promover, ou
recuperar, a relação entre o leitor e o livro
As pesquisas que abordam
os hábitos de leitura de diferentes países - o que e quanto
seu povo lê - podem gerar pouco entusiasmo quando o assunto é
o desempenho do Brasil comparado ao de outras nações. Segundo
levantamento realizado pela Associação Brasileira de Editores
de Livros (Abrelivros), em 2001, um terço da população
aprecia a leitura, mas cada pessoa lê, em média, menos de
dois livros por ano. O que é muito pouco, se levarmos em conta
o panorama da França, em que esse número pula para sete,
e dos Estados Unidos, onde a média anual são cinco livros.
A constatação numérica não pode ser negada,
mas também é fato que esses países se encontram em
condições de desenvolvimento bem diferentes. Diante desse
quadro, é possível destacar várias razões
para o baixo índice de leitura do brasileiro. Um delas é
o fato de o livro ser um bem de consumo caro no país. Além
disso, quando se fala em gosto pela leitura (ou a falta dele), há
ainda muito daquela imagem da biblioteca como um lugar hostil, inacessível
e sempre guardado por uma pessoa com o dedo em riste junto à boca
pedindo silêncio: o famoso "shhhhhh". Como se pode ver,
a questão é complexa. "Em primeiro lugar existe uma
repartição sociocultural clara no nosso país, a estratificação
brasileira é dramática", explica o professor Edmir
Perrotti, do curso de Informação e Educação,
da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade
de São Paulo (USP). "Outra razão é que nós,
como sociedade, temos um passado colonial que baniu sistematicamente a
escrita. Soma-se a isso um sistema de ensino que até recentemente
era muito fechado." Perrotti segue explicando que, mesmo com a abertura
da escola para um número maior de pessoas, o problema da falta
de acessibilidade à leitura - fator importante para o surgimento
do interesse por ela - não foi solucionado. "Quando a escola
se tornou massificada, ficou difícil manter as condições
necessárias para cultivar a leitura", afirma. "Muitos
alunos da 8ª série não sabem ler ou escrever."
Além disso, outros obstáculos fora da sala de aula ajudam
a embaralhar as letras. "Existem poucas bibliotecas e livrarias que
distribuam o conhecimento. Seria fundamental que houvesse instituições
para dar acesso e manter o interesse pela leitura. Cultura demanda um
trabalho de apropriação simbólica. Não adianta
só colocar livreiro à disposição." (veja
boxe Hábito saudável)
Baús
de livros e leitura nos parques
Os passos para reverter essa situação ainda não são
tão largos como se deseja. O pessimista enxerga algumas iniciativas
pontuais de incentivo à leitura - promovidas por bibliotecas e
outras instituições culturais - como um copo meio vazio.
Mas para quem está disposto a ver o copo meio cheio, há
notícias animadoras. São alguns exemplos: a programação
da Biblioteca Alceu Amoroso Lima, em Pinheiros; o projeto Bosque da Leitura,
coordenado pelo Sistema Municipal de Bibliotecas; e as atividades especiais
de algumas unidades do Sesc.
Inaugurada em dezembro de 1979, a Biblioteca Alceu Amoroso Lima conta
com um acervo de 27 mil títulos. Após receber uma doação
de aproximadamente 600 livros de poesia, em setembro deste ano, ela criou
uma programação especial para divulgar as novas aquisições.
A série Encontros de Proesia reúne mensalmente um poeta
e um prosador - daí o trocadilho do título - para um debate
com quaisquer interessados. Já participaram dos bate-papos os escritores
Nelson de Oliveira e Marcelino Freire e os poetas Ademir Assunção
e Virna Teixeira. Outra iniciativa da biblioteca é o Festival de
Cine Poesia, no qual são mostrados filmes baseados na temática
da poesia.
O projeto Bosque da Leitura foi implantado inicialmente no Parque do Ibirapuera,
em 1993, com o objetivo de proporcionar aos freqüentadores o acesso
a jornais, revistas, gibis e livros de gêneros variados. Atualmente
outros três parques municipais recebem o projeto e funcionam como
bibliotecas a céu aberto: o Parque do Piqueri e o Parque do Carmo,
ambos na Zona Leste de São Paulo, e o Parque da Luz, na região
central. Há ainda outras atividades. São encontros com escritores,
apresentações e saraus, e a resposta do público tem
sido positiva. No ano passado, houve 28 mil empréstimos de livros
no Parque do Ibirapuera e 14 mil no Parque do Piqueri.
Nas unidades do Sesc, alguns programas especiais se encarregam de levar
o livro aonde o potencial leitor está. Isso sem contar os espaços
de leitura, que colocam à disposição do público
jornais, revistas e outras obras, e promovem oficinas de criação
literária e atividades temáticas (veja
boxe Para ler mais). No Sesc Carmo, o Baú de Letras
amplia o atendimento da biblioteca da unidade, que conta com um acervo
de 8 mil títulos, estendendo-o ao departamento de recursos humanos
de empresas do comércio. Durante dois meses, uma estante de madeira
com cerca de 100 livros fica à disposição dos funcionários,
e o controle e cuidado com as publicações são de
responsabilidade das empresas. O objetivo é incentivar o hábito
de ler e amenizar os motivos que afastam o público das bibliotecas.
Entre as razões destacadas por leitores para não freqüentar
esses espaços estão a distância e a falta de tempo.
Esta última parece ser a maior dificuldade para mergulhar no universo
dos livros. De acordo com a pesquisa realizada pela Abrelivros, citada
no início do texto, a falta de tempo foi eleita a principal barreira
à leitura - justificativa para 39% dos entrevistados. O Sesc Carmo
envia também funcionários de sua biblioteca para treinamento
das pessoas que solicitam o baú. Fica a cargo das empresas divulgar
com antecedência a relação de livros que serão
emprestados, matricular os usuários e atualizar constantemente
as fichas de controle dos empréstimos.

Outra iniciativa do Sesc é a Banca Ambulante, realizada na unidade
Vila Mariana. Nesse programa, cerca de 60 títulos infanto-juvenis
ficam disponíveis numa banca móvel que percorre todo o térreo
da unidade. Tapetes coloridos e almofadas ambientam o local escolhido,
criando um espaço que estimula a integração - entre
os jovens e também entre pais e filhos - nos momentos de leitura.
volta
ao início
Hábito
saudável
Educadores explicam por que a leitura é importante e
pode ser tão prazerosa
A educadora
Glória Maria Cordovani, professora do ensino médio
e do Programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA),
cita o escritor e cartunista Millôr Fernandes para ressaltar
o valor da leitura: "Deve-se ler até o avesso da passagem
de avião e de ônibus para conhecermos nossos direitos".
De fato, esse é um caminho decisivo para o indivíduo
expressar e reconhecer sua cultura, e também entender diferentes
hábitos e costumes. No entanto, o ato de ler é um
exercício, e como tal, para que os efeitos sejam duradouros,
deve ter continuidade. É a apuração do conhecimento
adquirido que leva à quebra de fronteiras e à capacidade
de entender bem mais do que o texto escrito atrás da passagem
de avião. "A leitura é indispensável
em qualquer momento da vida, tempo e lugar", afirma Glória
Maria. "O tempo da leitura precisa ser introduzido na vida
das pessoas. Elas precisam aprender que se trata de um ganho,
seja por via do best-seller, seja por onde for. Quando estive
no Chile, vi bibliotecas dentro dos parques. Aqui no Parque do
Ibirapuera também há, mas esse movimento precisa
crescer." Segundo a educadora, é só lendo cada
vez mais que uma pessoa, seja adulto, seja criança, passa
a contar com instrumentos para selecionar bons títulos
em meio ao universo de livros disponíveis hoje. "Acho
que uma coisa não elimina a outra, e o best-seller, de
algum modo, tem o efeito educativo de manter o indivíduo
preso àquela leitura por um determinado número de
horas", afirma a educadora. "Se um garoto leu um livro
do Harry Potter [série da escritora inglesa J.K. Rowling
cujos volumes chegam a ter 700 páginas], que tem um marketing
assustador, ele não será preguiçoso para
abrir outros livros que lhe forem indicados, embora possam não
ter o mesmo espírito de aventura." O professor Edmir
Perrotti, do curso de Informação e Educação,
da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade
de São Paulo (USP), conclui dizendo que a importância
da leitura está também na capacitação
do indivíduo para estabelecer vínculos num mundo
cada vez mais letrado. "Em sociedades que não usam
a escrita, isso [ter o hábito da leitura] não seria
tão bom ou importante", afirma. "No entanto,
para participar de um mundo como o nosso, onde a escrita é
tão valorizada, ler se torna fundamental."
volta
|
Para
ler mais
Conheça lugares e iniciativas que estimulam o contato
com os livros

volta
ao início
|
|