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Índios x Aracruz: uma disputa sem fim
No Espírito Santo, conflito de terras envolve fábrica de celulose e antigas aldeias
ANDRÉ CAMPOS
Extração de eucalipto / Foto: André Campos
Duas semanas antes do recesso natalino, em 12 de dezembro de 2006, ocorreu uma quebra na rotina do Portocel – maior porto de embarque de celulose do mundo, localizado no município de Aracruz (ES). Logo no início da manhã, mais de 200 pessoas surpreendem os funcionários ao atravessar a portaria do estabelecimento. Em pouco tempo, paralisam as atividades do terminal – por onde embarcam, diariamente, cerca de US$ 7 milhões em produtos vendidos além-mar.
Caciques tupiniquins e guaranis lideram a ocupação. Representam as sete aldeias indígenas existentes no município, que mantêm com a Aracruz Celulose – uma das empresas proprietárias do porto – conflituosa disputa por terras. Os índios reivindicam 11 mil hectares hoje em mãos da companhia, líder mundial na produção de celulose – das suas fábricas, segundo a empresa, sai quase um terço da celulose de eucalipto vendida no planeta. Uma portaria da Fundação Nacional do Índio (Funai), favorável aos indígenas, tramita no Ministério da Justiça, a quem cabe decidir pela homologação ou não da área. Segundo as lideranças, os manifestantes não sairão do porto até que o órgão tome uma decisão sobre o tema.
Os índios alojam-se num galpão, onde estão estocadas grandes quantidades de celulose. A presença naquele local, revela o cacique tupiniquim Vilson de Oliveira – também conhecido como Jaguaretê –, é estratégica para inibir qualquer reação violenta contra o grupo. Caso sejam fisicamente ameaçados, diz ele, os índios poderão atentar contra a integridade daquele material. "A empresa teme prejuízos, e nós, por nossas vidas", afirma. Do lado de fora do porto, o irmão de Jaguaretê, Vilmar de Oliveira, não se ilude com a aparente calmaria. "Amanhã o dia vai ser quente", prevê.
Vilmar estava certo. Na manhã do dia seguinte, funcionários da Aracruz Celulose e de empresas que prestam serviços à companhia aproximam-se da portaria principal do Portocel. Somam ao menos mil pessoas, segundo as lideranças sindicais. Cartazes do tipo "queremos continuar trabalhando" dão o tom da manifestação, que tem um objetivo claro: retirar os indígenas do terminal.
O portão principal é arrombado, sob o olhar apreensivo dos índios. Nas mãos de alguns, o arco está armado, com a flecha apontada para o chão. Do outro lado, trabalhadores empunham paus. Princípios de confronto são contidos pela polícia. Por fim, os índios recuam de volta ao galpão. Uma cerca separa o local do restante do porto, agora dominado pelos trabalhadores.
Seguem-se horas de troca de insultos através da cerca. Pedras e flechas voam nos momentos mais tensos, e os índios jogam tinta na celulose estocada. Durante a tarde chegam mais membros das aldeias à portaria principal – novamente controlada pela administração do Portocel. Ninguém mais entra, essa é a ordem. Os índios mais jovens, inflamados pelos gritos que vêm de dentro do porto, chegam a ensaiar um novo arrombamento. Começa uma chuva fina e há quem peça por uma tempestade para acalmar os ânimos.
No fim da tarde, os trabalhadores decidem encerrar o protesto. Por sorte, o dia termina sem feridos graves. Os caciques se reúnem e resolvem aceitar a proposta da Funai, que ofereceu dez passagens para Brasília às lideranças indígenas. Mércio Pereira Gomes, presidente da instituição, assumiu o compromisso de tentar articular uma reunião dos índios com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Selado o acordo, o grupo caminha para fora do porto.
A ocupação do Portocel foi apenas mais um capítulo daquela que é, provavelmente, a mais antiga disputa entre grupos indígenas e uma empresa no Brasil. Uma história tão polêmica que nem mesmo há unanimidade quanto à data de início. Para os índios, tudo começou em 1967, ano em que a Aracruz Florestal – empresa que daria origem à Aracruz Celulose – iniciou a aquisição, na região, de áreas tradicionalmente ocupadas por famílias da etnia tupiniquim. De acordo com a empresa, no entanto, 1975 é o verdadeiro marco dessa pendência. Foi quando a Funai começou a identificar índios no Espírito Santo, num processo que, segundo os argumentos da Aracruz Celulose, inclui a atuação espúria da entidade com o propósito de induzir supostos descendentes de indígenas – já completamente integrados à sociedade – a assumir-se como legítimos representantes dos tupiniquins.
Divergências à parte, o fato é que décadas de conflitos – intensificados nos últimos anos por ocupações de áreas da empresa e relatos de agressões mútuas entre indígenas e trabalhadores – deixaram sensivelmente dividida a sociedade de Aracruz. Não apenas entre os funcionários da empresa e os 2 mil guaranis e tupiniquins aldeados no município, mas também entre quem é e quem não é considerado "amigo de índio" – numa situação que, segundo o próprio prefeito da cidade, Ademar Devens, aproxima-se hoje de um cenário de conflitos sociais. "Imploramos ao governo federal para que tome uma decisão urgente sobre os 11 mil hectares, antes que aconteçam situações mais desagradáveis", pede.
Passado doloroso
Decisão urgente também é o que deseja Jaguaretê, cacique de Caieiras Velhas, a maior aldeia do município. Lar de cerca de mil tupiniquins, ela fica dentro de uma das quatro terras indígenas atualmente homologadas em Aracruz. Em torno dessas áreas, enormes plantações de eucalipto dão a tônica da paisagem.
Jaguaretê cresceu, como ele próprio define, "imprensado pela Aracruz Celulose", numa época em que a área demarcada no entorno de Caieiras Velhas era praticamente metade da atual. "A uns trezentos metros da aldeia já começava a plantação de eucalipto, e se um funcionário te visse lá dentro, você tinha que dar um jeito de correr", lembra. Incursões nas terras da empresa para pegar mel ou mesmo cortar lenha eram, segundo ele, verdadeiras aventuras infantis – que incluem histórias de perseguição e tiros para cima disparados pelos seguranças da companhia. "Cortávamos a lenha para fazer comida", revela. "Não havia mais matéria-prima nas nossas terras."
Irene de Oliveira, mãe de Jaguaretê, foi moradora de Guaxindiba – aldeia próxima ao local onde fica hoje uma das fábricas da Aracruz Celulose. Certa vez, conta ela, apareceram por lá homens desconhecidos. Começaram a medir o terreno e, depois de alguns dias, anunciaram: eram os donos da terra, e as famílias tinham um prazo de quatro meses para ir embora. Caso não obedecessem, diziam eles, suas casas seriam demolidas. "Deixamos roça de feijão, mandioca, tudo para trás", lamenta Irene.
Além de Guaxindiba, existem relatos sobre dezenas de outras comunidades desaparecidas em circunstâncias semelhantes. "Havia núcleos familiares espalhados por toda a extensão agora em poder da Aracruz Celulose", atesta Edelvira Tureta, chefe do posto indígena local da Funai. Sobraram apenas quatro aldeias que receberam, ao longo dos anos, grande parte dos desalojados. "É por isso que Caieiras Velhas é hoje esse amontoado de gente."
A questão indígena em Aracruz só passou a ter tratamento oficial em meados dos anos 1970, quando estudos da Funai deram origem a uma portaria que destinou 6,5 mil hectares aos índios do município. Após intensas discussões, no entanto, firmou-se um acordo alternativo com a Aracruz Celulose. Finalizada em 1983, a demarcação do território indígena no município ficou 2 mil hectares menor que o originalmente pleiteado. Basicamente, incluía a área das aldeias remanescentes, sem espaço físico para a vida dos índios como ela era antes.
Na ocasião, os tupiniquins já não eram os únicos indígenas a lutar por terras na região. Após mais de 20 anos de caminhada, em 1967 haviam chegado ao município algumas dezenas de guaranis originários do Paraguai, que decidiram se instalar próximo a Caieiras Velhas – resolução tomada em função dos sonhos de Tatantin-Rua Retée, liderança religiosa do grupo. Através de suas visões, ela havia tido uma revelação: ficava ali o local procurado pelos guaranis durante tantos anos de migração em busca da Terra sem Males – espaço mitológico onde há fartura e condições para viver segundo o modo de ser da etnia. Posteriormente, os guaranis estabeleceram aliança com os tupiniquins na luta pelas terras, e há hoje três aldeias deles em Aracruz.
Ao contrário dos guaranis, os tupiniquins não falam mais a língua original de seu povo. Notadamente, a etnia foi uma das que mais contato teve com os primeiros portugueses – ocupavam uma extensa faixa litorânea entre a Bahia e o Espírito Santo. Combates com europeus e epidemias trazidas pelos estrangeiros marcam os primeiros capítulos dessa história, que inclui registros de aldeamentos tupiniquins criados por jesuítas – inclusive em áreas próximas às hoje pleiteadas por eles.
Nesse contexto de aniquilamento físico e cultural, restaram em Aracruz, no início do século 20, os últimos representantes da etnia dos quais ainda se tem notícia. A região era até então dominada por mata virgem, segundo estudos do antropólogo Carlos Augusto da Rocha Freire – que coordenou trabalhos de campo da Funai. De acordo com ele, as diversas ocupações tupiniquins eram, muitas vezes, lugares com poucas casas esparsas ou mesmo uma só família instalada. A comunicação se dava por trilhas na floresta e havia um sistema econômico em que um caçava, outro pescava, um terceiro fazia farinha, etc., e depois trocavam os produtos entre si. Em algumas datas comemorativas, os índios se reuniam para realizar a dança do tambor. Um mastro era erguido dentro dos maiores aldeamentos, enquanto uma liderança comandava um grupo de percussão, convocando as pessoas para dançar.
Até hoje esse ritual é realizado em Caieiras Velhas – em ocasiões como, por exemplo, o Dia do Índio. O toque do tambor tupiniquim continua sendo ensinado aos mais novos, numa realidade que convive lado a lado com a água encanada e a televisão, presentes nas casas da aldeia. Caieiras Velhas é hoje cortada ao meio por uma importante rodovia regional, num dos maiores símbolos dessa invasão de modernidade. Através dela, grande parte dos moradores vão trabalhar diariamente em núcleos urbanos, quase sempre como mão-de-obra não qualificada – e, ironicamente, até em empresas ligadas à Aracruz Celulose.
Em 1993, insatisfeitos com a primeira demarcação, guaranis e tupiniquins começaram a lutar pela revisão dos limites de suas terras. Solicitaram novos estudos à Funai, que renegou laudos antropológicos anteriores e determinou uma triplicação no conjunto das áreas indígenas de Aracruz. Tal decisão unificaria o território de algumas das aldeias remanescentes e permitiria, segundo a entidade, uma retomada de vários dos aldeamentos extintos, além de aspectos da cultura tradicional.
A Aracruz Celulose, no entanto, contestou tais estudos, o que gerou uma pendência jurídica que durou até 1998. Contrariados com a demora, os índios decidiram ocupar parte da área em litígio e realizar uma "autodemarcação". A ação foi reprimida pela polícia federal e apressou as negociações para, mais uma vez, estabelecer-se um acordo alternativo. Ficou acertado que a empresa doaria 2,5 mil hectares aos indígenas, além de repassar por 20 anos recursos financeiros voltados ao desenvolvimento das comunidades. Esse acerto é hoje criticado por lideranças como algo empurrado goela abaixo dos índios.
As áreas doadas em 1998 incluíam plantações de eucalipto já consolidadas, das quais a Aracruz Celulose passou a comprar matéria-prima dos indígenas. O dinheiro repassado, por sua vez, foi injetado em projetos agrícolas, mas esse "choque de capitalismo" – cujos lucros eram divididos comunalmente – fracassou no longo prazo. O eucalipto começou a minguar, e as culturas desenvolvidas com o dinheiro da empresa nunca vingaram realmente. "Estávamos enterrando dinheiro nesses projetos", diz José Luís Ramos, que foi cacique dos tupiniquins durante os anos 1990.
Soma-se a isso um mal-estar com os rumos daquele tipo de "desenvolvimento" adotado após o acordo. "Trocamos terra por dinheiro, e isso trouxe desunião nas comunidades", conta Vilmar de Oliveira, ex-presidente da Associação Indígena Tupiniquim Guarani (AITG) – entidade criada justamente para gerir o dinheiro repassado pela Aracruz Celulose. Em 2004, as sete aldeias realizaram uma assembléia e decidiram retomar a luta pelas terras.
Numa das várias ações promovidas desde então, foi iniciado um novo processo de "autodemarcação" em áreas de eucalipto da empresa. Os índios recriaram uma aldeia onde, segundo eles, ficava Olho d’Água – um dos núcleos indígenas desaparecidos. Em janeiro de 2006, a polícia federal foi acionada para fazer a reintegração de posse, numa ação que culminou com dezenas de feridos. Grande parte das lideranças indígenas tem hoje cicatrizes por conta das balas de borracha disparadas naquele dia.
A repercussão do episódio levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Espírito Santo, ainda no final de janeiro. No mês seguinte, foi a vez de Thomaz Bastos ir a Aracruz conversar com os indígenas. Na ocasião, a Funai já preparava uma nova portaria, atualizando estudos da década de 1990 e solicitando a demarcação de 11 mil hectares em favor dos índios. O ministro da Justiça assumiu então o compromisso de finalizar a homologação e a demarcação dessas terras ainda em 2006.
Município da celulose
O local onde fica hoje a cidade de Aracruz era apenas uma pequena vila na primeira metade do século 20 – quando ocupavam a região, além das comunidades tupiniquins, lavradores descendentes de imigrantes italianos. A consolidação da Aracruz Celulose como uma das maiores empresas do país, contudo, mudou radicalmente esse quadro. Terceiro maior PIB per capita do Espírito Santo, o município tem atualmente cerca de 72 mil habitantes – dos quais 8 mil trabalham diretamente ligados à empresa. Os impostos pagos pela companhia representam entre 60% e 70% da arrecadação municipal, número que sobe para 85% se contabilizada toda a cadeia produtiva a reboque do eucalipto.
Nesse contexto, não espanta que os habitantes locais tenham ficado apreensivos quando a Aracruz Celulose resolveu instalar uma nova fábrica em Guaíba (RS). Segundo o diretor de Sustentabilidade e Relações Corporativas da empresa, Carlos Alberto Roxo, a insegurança fundiária foi um dos principais fatores para a escolha daquele local, em detrimento de Aracruz. "Não temos nenhuma segurança jurídica de que, resolvido o impasse atual, a decisão não vá ser revista no futuro, num ciclo interminável", diz ele.
Como reflexo desse clima de apreensão, foi criado no segundo semestre de 2006 o Movimento de Apoio à Aracruz Celulose, que congrega 14 entidades de classe e mais de 300 empresas. Em novembro do ano passado, a entidade reuniu, em Vitória, milhares de pessoas para manifestar repúdio à violência contra trabalhadores que estaria sendo cometida pelos indígenas em suas ações. Também foi entregue ao Ministério da Justiça um abaixo-assinado com quase 80 mil assinaturas, exigindo que fossem respeitados os direitos constitucionais da Aracruz Celulose.
Davi Gomes, presidente do Sintiema – sindicato ligado aos trabalhadores extrativistas de madeira de Aracruz –, é um dos principais articuladores do movimento. Chamado de "agitador" pelos indígenas, ele representa uma classe de 1,5 mil profissionais – quase todos ligados ao eucalipto – altamente temerosos em relação ao próprio emprego caso a Aracruz Celulose perca os 11 mil hectares. "É uma categoria de pessoas sem instrução, que sofreria um grande baque", acredita ele. "Vimos que a empresa estava isolada nessa discussão, e por isso decidimos nos organizar."
Numa de suas ações mais polêmicas, o movimento realizou em setembro uma passeata durante a qual foram espalhados diversos outdoors pela cidade de Aracruz. "A Aracruz trouxe o progresso. A Funai, os índios", é apenas um exemplo das expressões veiculadas por eles – que originaram inclusive ação do Ministério Público Federal por danos morais aos índios. Sem nenhum tipo de pudor, Gomes questiona abertamente a identidade indígena dos moradores de Caieiras Velhas. "Ali moram pessoas comuns, o local nunca foi uma aldeia", diz. "O Jaguaretê, por exemplo, eu conheço como Vilson, da época em que ele era vidraceiro no bairro onde eu morava. Lá ninguém sabia que ele era índio."
Está hoje em mãos do Ministério da Justiça uma ampla contestação da Aracruz Celulose em relação à última portaria da Funai – cujos relatórios, segundo a empresa, são, no mínimo, tendenciosos. Nela incluem-se, de acordo com a companhia, escrituras que comprovam que as terras foram adquiridas legalmente, de proprietários detentores delas há várias gerações. Além disso, a empresa argumenta que os tupiniquins há muito já se integraram à sociedade, não possuindo mais traços da cultura tradicional. A existência de ruas asfaltadas, igrejas e casas de alvenaria em Caieiras Velhas – algumas até com antena parabólica – seria um indicador claro dessa realidade.
"A Constituição garante aos índios as terras tradicionalmente habitadas por eles, mas os tupiniquins nunca ocuparam a área em litígio, e muito menos de acordo com a tradição da etnia", afirma Roxo. O diretor declara ainda desconfiar de quem diz que os 11 mil hectares permitiriam uma retomada de antigos aldeamentos e costumes. "Inclusive porque, no passado, eles mantiveram o eucalipto em áreas obtidas da empresa."
Numa de suas mais graves acusações, a Aracruz Celulose alega que houve atuação perniciosa de grupos visando forjar uma identidade étnica diferenciada entre a população local. Tal declaração baseia-se num relatório interno da própria Funai, de 1981. O documento descreve suposta atuação de Moacir Cordeiro de Melo – então chefe do posto indígena – com o propósito de induzir uma mulher a assumir-se como tupiniquim.
"A senhora deve dizer que é índia, senão vai se arrepender depois. O governo vai ajudá-la, dar de tudo... é só assinar", teria dito a ela Melo, hoje ninguém menos que o chefe de gabinete da Funai. Diante da recusa, ele teria ameaçado fechar o estabelecimento comercial que a mulher possuía. A reportagem de Problemas Brasileiros procurou a Funai para obter esclarecimentos sobre essa e outras colocações da empresa. Mas a entidade informou que não se pronunciará enquanto a homologação permanecer pendente no Ministério da Justiça.
A contestação da Aracruz Celulose não poupa nem mesmo Jaguaretê, cujo nome, segundo a companhia, é um exemplo da falta de cultura das pessoas de Caieiras Velhas. "Esse apelido foi tomado emprestado de uma lenda guarani do sul do Brasil, relacionada ao surgimento e à utilização da erva-mate", explica uma publicação da empresa. "Trata-se de mais uma peça no ‘mosaico étnico’ do referido ‘cacique’, longe de caracterizar uma cultura tupiniquim."
Freqüentemente, em matas próximas a Caieiras Velhas, ocorrem hoje rituais de integração entre tupiniquins e guaranis. E foi em uma dessas ocasiões, conta Jaguaretê, que ele recebeu seu nome – durante um ritual de batismo realizado no momento em que assumiu a posição de cacique. "Significa, na verdade, onça-pintada", revela – o que pode ser confirmado no dicionário Houaiss, que consigna também a origem tupi da palavra. "Quem é a empresa para dizer o que é ou não é cultura indígena?", questiona.
Quanto à utilização dos 11 mil hectares, ele revela, como outros tupiniquins, desejo de reflorestar a área, refundar antigas aldeias e desenvolver formas de agricultura que respeitem a mata. "Nossa vida não é essa, de viver aglomerado desse jeito", afirma. "Tenho esperança de que nossos filhos vão andar pelo mato, essa é a liberdade que queremos."
Conforme foi acertado com a Funai, lideranças tupiniquins e guaranis realmente foram até Brasília na semana seguinte à ocupação do Portocel. Permaneceram lá por três dias, mas não foram recebidas pelo ministro Thomaz Bastos. Até o fechamento desta reportagem, em fevereiro, permanecia o impasse sobre os 11 mil hectares. O caso continua tramitando no Ministério da Justiça.
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