Em conversa com o conselho editorial da Revista E a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro falou sobre o que achou quando abriu os arquivos secretos do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Entre os papéis, circulares secretas contra a imigração dos judeus e documentos provando que a polícia brasileira acobertou nazistas no final da guerra. A seguir, trechos:
"A partir de 1996, eu tive acesso a cerca de quatro mil documentos sobre anti-semitismo e sobre a atitude do Brasil, diante dos refugiados de guerra judeus. Foi a primeira vez que se divulgou que o Brasil tinha circulares secretas contra judeus. Meu interesse era saber como o Brasil tinha se comportado a respeito de receber judeus saídos de campos de concentração, levando em consideração que ele havia negado a entrada deles de 1937 até 1945. É quando eu descubro uma nova circular secreta, do período Dutra, justamente proibindo a entrada desses judeus. Inclusive, a Revista do Itamaraty publicou uma série de artigos escritos por psiquiatras desaconselhando o governo brasileiro a receber essas pessoas porque elas estavam "traumatizadas". Sem contar que esses artigos se referiam aos judeus como raça - o que tem tudo a ver com idéia do mito ariano. Além disso, no meio dessa documentação, encontrei também fichas, elaboradas no final da guerra pelo serviço secreto inglês e americano, que se referiam muito a uma missão militar brasileira em Berlim. Acabei descobrindo que, quando começa a guerra na Europa, os alemães que estavam no Brasil e seus filhos - principalmente nas regiões Sudeste e Sul, muito em Santa Catarina e Paraná - eram transferidos - famílias inteiras - para a Alemanha. Os homens iam para lutar ao lado do exército alemão, as mulheres para ingressarem em segmentos do partido nazista e em associações do nacional-socialismo; e os filhos para estudar em escolas alemãs. Assim sendo, com o fim da guerra, principalmente em Berlim, instala-se essa tal missão militar brasileira cujo objetivo era repatriar esses alemães e seus descendentes vindos do Brasil. Uma vez que, terminada a guerra, essas pessoas começam a ser olhadas, principalmente pela comunidade européia, como criminosos de guerra. O governo brasileiro, também por meio dessas missões, disponibiliza, então, vários navios, durante os anos 1946, 1947 e 1949, que forneciam alimentos, roupa e a passagem gratuitamente. As pessoas deveriam comparecer à missão militar, com postos espalhados pela Alemanha, e preencher uma ficha para obter um visto - que daria direito a esse repatriamento. Além disso, a exigência do governo brasileiro era que essas pessoas passassem por um processo descrito nos documentos como desnazificação, que era consumada no momento em que o indivíduo provava que não tinha mais nenhum compromisso com o nacional-socialismo. Em seguida, checando a lista dos navios que vinham para cá, e que traziam cerca de 600 pessoas cada um, vejo que esses alemães e descendentes que o Brasil se encarregou de trazer de volta tinham um currículo impressionante como nazistas. Principalmente as mulheres, por serviços prestados ao Terceiro Reich."
Política de fachada "Eu estou ainda desenvolvendo essa pesquisa sobre a imigração nazista para o Brasil, um trabalho que se chamará O Caminho dos Ratos. Por isso, não sei exatamente o número de nazistas que veio para cá. Mas imagino que sejam muitos, tendo em vista que, como disse antes, cada um desses navios trazia em média 600 pessoas. O que fica claro, contudo, é que o rompimento do Brasil, durante a Segunda Guerra Mundial, com o eixo formado pela Alemanha, Itália e Japão, foi uma política de fachada. Tanto é que o Partido Nazista no Brasil monta sua primeira sede no Rio de Janeiro em 1931, data em que Hitler sequer tinha ascendido como chanceler do Reich. Ou seja, em 1931 já existem representantes do nacional-socialismo no Rio, em 1932 é fundado o Partido Nazista em São Paulo, em 1933 ocorre a ascensão de Hitler na Alemanha e em 1934 a sede do Partido Nazista muda-se do Rio para São Paulo. É quando começam a surgir os filiados do Partido, que conseguem aqui a livre circulação do Aurora Alemã, jornal do Partido Nacional Socialista. Quem for procurar nos arquivos do DOPS jornais confiscados do Partido Nazista não encontrará nada datado de antes de 1941 ou 1942. Por isso, eu costumo dizer que a perseguição aos nazistas no Brasil é datada. Ela só acontece pela polícia no momento em que o Brasil entra na guerra. Enquanto isso, o Brasil mantém, secretamente, uma política anti-semita. Além disso, na verdade, o Brasil entra na guerra por pressão dos EUA. Ou seja, em 1942 ele é obrigado a romper relações diplomáticas com o eixo e é igualmente obrigado a perseguir os nazistas. Dentro desse contexto quem são os "súditos do eixo"? Quando a guerra acaba, em 1945, o Brasil mantém as tais circulares secretas anti-semitas e abre as portas para a entrada de nazistas."
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