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Retrospectiva Wajda
Um Cinema em extinção

Retrospectiva do CineSesc enfoca a obra de um dos mais importantes cineastas em atividade, o polonês Andrzej Wajda

Quando Andrzej Wajda subiu ao palco do teatro Shrine para receber o Oscar das mãos de Jane Fonda em 2000, o idioma que escolheu para agradecer a premiação, diferentemente da maioria dos contemplados estrangeiros, foi o natal: polonês. Era a primeira vez que a Academia concedia um prêmio para o cinema da Polônia. Até aquele momento, nem o mais popular dos cineastas do país, Roman Polanski, havia recebido sua estatueta - prêmio que, depois de ter sido indicado duas vezes como melhor diretor por Chinatown (1974) e Tess (1979), só viria a conquistar em 2003, com O Pianista.
Mais do que a insuficiência de Wajda na língua falada na terra de Tio Sam, a opção refletia um desejo de reafirmação do nacionalismo de um dos mais importantes cineastas poloneses de todos os tempos. Nada mais coerente com sua carreira, repleta de filmes marcados pelo engajamento político e ideológico, como pode ser conferido em Danton (1983), Cinzas e Diamantes (1958) ou Sansão (1961). "O prêmio indica que meus filmes falam uma língua universal", declarou na ocasião.
Luis Carlos Merten, crítico de cinema do jornal O Estado de S. Paulo, concorda com a afirmação. "O fato de Wajda ter sido sempre enraizado na realidade polonesa não impediu que ele se transformasse num cineasta universal", opina. "Os filmes dele, principalmente nas décadas de 1950 e 1960, alcançaram grande ressonância em todo o mundo porque expressavam um sentimento que não era apenas político, mas também existencial. Notadamente há uma força política, mas não se pode negar a reflexão sobre temas mais profundos do homem, como a solidão, a amargura e o desespero."

Retrospectiva
De 9 a 15 de maio, o CineSesc recebe a Retrospectiva Andrzej Wajda, em uma co-realização com a Urszula Groska Produções. A mostra apresentará sete filmes do cineasta, incluindo sua mais recente obra, Zemsta, exibida pela primeira vez fora da Polônia. O filme é uma adaptação da peça clássica do polonês Aleksander Fredro, escrita em meados do século 19. Wadja resgata a refinada ironia do autor através de uma cuidadosa produção, que conta com o celebrado ator Janusz Gajos, Katarzyna Figura e uma das raras aparições de Roman Polanski representando.
Além de Zemsta, serão exibidos também Kanal (1957), Cinzas e Diamantes (1958), Tudo à Venda (1969), Bodas (1973), Terra Prometida (1975) e O Maestro (1980). A retrospectiva contará com a participação de convidados especiais. Além de Janusz Gajos, considerado o mais importante ator polonês em atividade, participarão também de uma série de atividades o co-diretor e produtor de vários filmes de Wajda, Janusz Morgenstern, e o renomado jornalista Jacek Zakowski.
A curadora Urszula Groska conta que Wajda, fã declarado do Brasil, não poderá vir por questões de saúde, mas fez questão de participar pessoalmente da escolha dos filmes e da indicação de nomes que poderiam representá-lo. Para ela essa é mais uma oportunidade de estreitar as relações entre os dois países. "Wajda é um dos mais importantes cineastas em atividade em todo o mundo", afirma. "Ele tem um jeito muito próprio de criar, é um inovador da linguagem cinematográfica. Ele mostra a realidade de sua terra natal a partir de um ponto de vista muito particular. É formidável estabelecer um intercâmbio, através dele, com a Polônia - um país tão distante, mas ao mesmo tempo com tantas similaridades com o Brasil."
Na opinião de Merten é fundamental ver, ou rever Wajda, porque, além de ser um cineasta excepcional, ele representa um olhar particular de um país sobre um contexto mundial mais amplo. "Ele não era um caso isolado. Ele construiu o cinema dele em uma época em que havia uma politização dessa arte. O mundo inteiro assistia ao surgimento de contestadores como Pasolini, Glauber, Godard. Como eles, Wadja produziu um cinema de idéias."

Polônia na tela
Com um legado de 35 longas, em uma carreira que se iniciou em 1955 com Geração, o tema mais presente na filmografia de Wajda é a história da Polônia. Sua trilogia sobre a 2ª Guerra Mundial, composta de Kanal, Geração e Terra Prometida, é uma das visões mais fortes sobre o conflito que matou seu pai. O conceito de patriotismo foi cuidadosamente examinado em Lotna (1966) e a guerra voltou a ser enfocada em 1970, com Paisagem Após a Batalha. Outros episódios da história polonesa apareceram em Cinzas (1966) e O Homem de Mármore (1976). Também a literatura polonesa ganhou adaptações notáveis, como O Bosque de Bétulas (1971), As Senhoritas de Wilko (1979) e o mais recente Pan Tadeusz, de 1998, que levou mais de 6 milhões de espectadores aos cinemas poloneses.
A vida do diretor sempre misturou política e cinema. No início dos anos de 1980, quando o sindicato Solidariedade iniciou o degelo político do país, Wadja transformou-se em seu cineasta oficial ao filmar, em 1981, O Homem de Ferro - tendo como maior estrela o líder sindical Lech Walesa. Ameaçado pela burocracia stalinista, Wajda refugiou-se na França, onde filmaria, entre outros, O Maestro.
Após a queda do Muro de Berlim e do regime comunista polonês, Wajda voltou ao país e elegeu-se senador da República em 1989, cargo que ocupou por três anos, sem por isso deixar de filmar. No ano seguinte dirige As 200 Crianças do Dr. Korczak, sobre um médico pediatra que decide cuidar de crianças mandadas para um campo de concentração. O filme, o primeiro a abordar o Holocausto na Polônia, acabou fazendo com que Steven Spielberg, ajudado por Wajda, rodasse seu A Lista de Schindler naquele país.
"O retrospecto de Wajda é importantíssimo", afirma Merten. "Ele é um cineasta que conseguiu, dentro do regime comunista, fazer um cinema crítico e engajado - um cinema de esquerda, sem por isso ignorar os desvios do comunismo", diz. "Não tenho dúvidas que ele, com sua política agressiva, e Kieslowski, com uma visão mais interiorizada do homem, são as duas grandes figuras do cinema polonês de todos os tempos. E por isso a retrospectiva é essencial para quem gosta de cinema."