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Qualidade não é incompatível com audiência

Maria Adelaide Amaral, autora das minisséries Os Maias e a Casa das Sete Mulheres, e do espetáculo Tarsila, em cartaz no Sesc Consolação, fala sobre seu trabalho, da formação dos novelistas brasileiros e da televisão

Meados da década de 1970. Mais uma das cíclicas crises do mercado editorial brasileiro invade as redações da Editora Abril. A ameaça de uma demissão coletiva espanta a todos. Diante do perigo, as reações eram das mais diversas. A de Maria Adelaide Amaral, que na ocasião redigia livros e fascículos, foi chegar em casa uma noite e descrever o clima tenso do trabalho em forma de texto teatral. O produto final, resultado de uma madrugada em claro, viria a se chamar A Resistência. Um dos primeiros a ler a obra, o crítico Sábato Magaldi proclamou: "É teatro, e do bom." De lá para cá, Maria Adelaide não deixou de conquistar novos espaços. Já em sua estréia literária, com Luísa - Quase uma História de Amor, de 1986, recebe o prêmio Jabuti. Quatro anos depois debuta na televisão como co-autora da novela Meu Bem, Meu Mal. Torna-se uma das mais cobiçadas escritoras brasileiras, produzindo minisséries aclamadas pela crítica e público: A Muralha, Os Maias e a recente A Casa das Sete Mulheres (ao lado de Walter Negrão). Escreve diversas peças: Bodas de Papel, De Braços Abertos, a adaptação de Evangelho Segundo Jesus Cristo. Sua mais recente, Tarsila, pode ser vista até o final do mês no Teatro Sesc Anchieta. Quando questionada sobre por que escreve, e tanto, responde: "É um impulso imperioso. Sou absolutamente incompetente na prática da arte do ócio." Nesse depoimento, Maria Adelaide elogia a televisão brasileira, comenta a repercussão de sua obra e descreve sua relação com a escrita.

Qualidade da televisão
"A televisão brasileira (Rede Globo e a TV Cultura) está entre as melhores do mundo. Acho os produtos teledramatúrgicos nacionais melhores que os produzidos em todo o continente americano e europeu, só perdendo para a Inglaterra, onde as séries da BBC têm altíssima qualidade artística. No entanto, elas não têm o alcance popular das minisséries e telenovelas brasileiras, nem são tão difundidas e exibidas quanto as nossas.
Sempre defendi que a qualidade de um produto não é incompatível com o sucesso de audiência. Tenho no meu currículo dois exemplos: A Muralha e A Casa das Sete Mulheres, que são duas obras de grande qualidade que alcançaram índices de audiência excelentes, sobretudo se considerarmos o horário em que foram exibidas.
No caso de Os Maias vários fatores contribuíram para que não se repetisse o sucesso: o ritmo lento; a luz (escura); a história portuguesa - com a qual o público não se identificou com tanta facilidade; os problemas de edição. Ainda assim, mesmo com todos os problemas, o resultado foi um produto de altíssima qualidade e sofisticação. Se não conseguiu altos índices de popularidade, gozou de grande prestígio junto à mídia e aos chamados formadores de opinião.
Outra coisa importante: as três minisséries que escrevi transformaram os livros nos quais foram baseadas em best-sellers, inclusive Os Maias. Quem diria que Eça de Queiroz ficaria quatro meses na lista dos mais vendidos?"

A importância da telenovela
"A psicanalista Ana Verônica Mautner diz que a telenovela é um produto de integração nacional. Do Oiapoque ao Chuí as populações são mobilizadas pela mesma história, pertencem ao contingente que se sensibiliza pelas mesmas emoções, vivem através dos mesmos personagens, pertencem à cultura que deu origem à altíssima popularidade do gênero.
Deve-se acrescentar que para a maior parte da população brasileira a televisão é a única opção de lazer e educação. Não que educar seja o pressuposto da televisão, mas é possível fazê-lo, oferecendo produtos de boa qualidade e introduzindo nas telenovelas campanhas importantes como a que Glória Perez fez em O Clone, onde o tema das drogas foi tratado de modo responsável e pedagógico.
Em relação à audiência, por mais indigesta que possa parecer a reação do público no sentido até de mudar os rumos de uma história, não se pode perder de vista que a televisão é comercial, vive dos anunciantes, que por sua vez pagam mais caro quando seus produtos são veiculados num programa de grande audiência."

Dramaturgia diferenciada
"Ao contrário do que acontece em outros países, quem fez a telenovela brasileira foram, em sua maioria, autores vindos do teatro (Lauro César Muniz, Dias Gomes, Braulio Pedroso), do cinema (Antônio Calmon) e da literatura (Manuel Carlos). As regras da ditadura militar calaram e/ou impediram sua livre manifestação. No final dos anos de 1960 e ao longo de todos os anos de 1970, a televisão se tornou o único canal através do qual esses escritores puderam se manifestar. É claro que uma novela de um dramaturgo tem uma qualidade infinitamente melhor do que a de um autor formado exclusivamente pela televisão."

Teatro, TV ou literatura
"Escrevo porque sou permanentemente compelida a fazê-lo. É um impulso imperioso. Além disso, sou absolutamente incompetente na prática da arte do ócio. Ficar à toa me deprime horrivelmente. Cada gênero tem suas dificuldades e seus encantos. Literatura é um gênero que amo, mas pratico pouco por absoluta falta de tempo. A televisão me dá um alcance muito maior que os demais. É muito sedutor poder atingir um número grande de pessoas. A contrapartida são as limitações: não posso perder de vista que se espera que minha obra atinja grande audiência. E algumas concessões devem ser feitas.
Teatro é a minha expressão primeira. Foi no teatro que comecei, é minha paixão. Por causa da televisão fiquei alguns anos sem produzir um texto, só adaptando ou traduzindo, até que chegou a maravilhosa oportunidade de escrever Tarsila, que felizmente se tornou um grande sucesso. Mas curiosamente eu refaço no teatro de certa maneira a trajetória da televisão; ou seja: transformar em matéria dramática a cultura brasileira."