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Respirar é preciso!

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Desde que a pandemia começou, estou em casa, em isolamento. Com duas comorbidades associadas ao aumento do risco para o agravamento da Covid-19, evito ao máximo colocar o pé na rua.

Nas primeiras semanas, sem fazer ideia do que viria pela frente, o medo da contaminação era minha principal preocupação, e ficar em casa me parecia confortável.

Porém, com o passar do tempo e as privações – de ir e vir, sair, encontrar pessoas, reunir a família, viajar, entre outras coisas –, um cansaço estranho tomou conta de mim. E não era só a questão de me adequar ao home office e dar conta das entregas necessárias, mas tinha um acúmulo de obrigações com a casa, a família, os estudos, o cumprimento de protocolos, além de todas as notícias ruins pipocando com o agravamento da pandemia.

Tive insônia, crises de ansiedade, ganhei peso. Apareceram dores pelo corpo, e minha saúde e meu rendimento no trabalho remoto acabaram impactados.

Entrei para a estatística. Estudos recentes publicados pela Universidade de São Paulo1 em conjunto com Universidades de mais dez países, apontam para o comprometimento da saúde mental de adultos no período de confinamento, sobretudo no aumento dos quadros de ansiedade e depressão.

Logo eu, que estudei o lazer a minha vida toda, trabalho nesta instituição que tem o compromisso de garantir seu acesso a tanta gente, e que sei da sua importância para a manutenção da qualidade de vida, estava adoecendo por não olhar com cuidado para o excesso de obrigações durante o isolamento social.

Sem perceber, me esqueci da necessidade de delimitar os tempos de trabalho e descanso, e de buscar, mesmo em minha própria casa, outras vivências, como contemplar as abelhas e borboletas no pé de maracujá do quintal, tomar sol, cuidar do jardim, ler poesia, cozinhar novas receitas para o café da tarde e tantas outras práticas, todas elas consideradas conteúdos culturais do lazer, propostos por Joffre Dumazedier lá nos idos dos anos 1970.

Impensável para mim. Mas aconteceu. Necessário reconhecer e mudar. E me colocar limites. Expô-los e respeitá-los. Negociar os tempos e desfrutar momentos de lazer.

Comecei por regular os horários de dormir e acordar. Depois veio a atividade física no quintal. Na sequência, o entendimento de que o trabalho profissional também precisava de um horário para começar e acabar. Então, para “desligar” (ou talvez “religar”), comecei a meditar no término do expediente.

Estar em casa me permitiu recuperar o prazer por outras práticas deixadas de lado pela correria do dia a dia ou pelo costume de considerar lazer somente aquilo que, de alguma forma, fazemos “do lado de fora”, ou compramos e consumimos. Porque lazer não é consumo. É experiência! Para além do que é comercializado, é também descanso, divertimento, e possibilidade de desenvolvimento pessoal pela experiência EM SI.

Desde então, tenho me envolvido com inúmeros pequenos fazeres, e isso tem ajudado a me cuidar.

Claro que sinto falta dos encontros com os amigues, dos shows e espetáculos, da roda de samba aos domingos, das férias na praia.

Mas por ora tenho conseguido a recuperação de meu estado de bem-estar. Noites mais bem dormidas, regulação do metabolismo, perda de peso. Ganho de qualidade de vida em meio ao caos. E mais uma vez o reconhecimento da importância do lazer na minha vida.

Tenho certeza que uma hora isso vai passar. Aquilo que fazíamos “fora” vai voltar. O mais importante é a gente ficar vivo até lá. E para isso acontecer, talvez seja o momento de olhar para “dentro”. E de respirar!

 

REGIANE GALANTE é gerente adjunta do Sesc São Carlos. É pós-graduada em Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre em Educação pela UFSCar e doutora em Educação Física pela Unicamp.

1  Mental health among adults during the COVID-19 Pandemic lockdown: a cross-sectional multi-country comparison. In: International Journey of Environmental Research and Public Health. 2021. Disponível em: https://www.mdpi.com/1660-4601/18/5/2686/htm.

 

 

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