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Caos regulamentado
Em vez de ordenar as cidades, lei provoca mais confusão
O polêmico Estatuto da Cidade foi o tema de debate do Conselho de Estudos Jurídicos (CEJ) da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), presidido por Ives Gandra da Silva Martins, na reunião de 15 de agosto de 2001.
IVES GANDRA MARTINS Votada em julho último, a lei federal 10.257, conhecida como Estatuto da Cidade, regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição, que estabelecem as diretrizes gerais da política urbana, um tema tão complexo e importante que a prefeita de São Paulo instituiu uma comissão de juristas para assessorá-la. Para analisar o Estatuto da Cidade, convidamos o professor Américo Lacombe, que refletirá sobre alguns pontos da nova legislação e examinará sua constitucionalidade.
AMÉRICO LACOMBE Sempre se disse que no Brasil há
leis que pegam e leis que não pegam. Agora temos um outro tipo de lei: as que são feitas
propositadamente para não ser adotadas. Esta é uma delas. Vejamos por quê. Desde a
Constituição de 1988, os municípios estão expressamente mencionados como integrantes
da federação. É certo que essa integração é tecnicamente incorreta, porque a
federação significa união de estados; a articulação do município é feita com o
estado e não diretamente com a União. Antigamente, a lei orgânica dos municípios era
votada pelos estados. Hoje, cada Câmara Municipal vota sua lei orgânica, o que ampliou
muito a autonomia do município.
De acordo com o artigo 1º, a autonomia do município não pode ser diminuída por nenhuma
emenda, por duas razões: a cláusula pétrea da federação, que não pode ser tocada, e
o princípio do não-retrocesso social, que proíbe qualquer involução reacionária. No
momento atual, a descentralização é uma evolução, ao passo que o centralismo seria
uma involução.
Segundo o artigo 30, tudo o que for de interesse local é de competência do município
a União não pode se intrometer. O item 8º afirma que o planejamento e controle
de uso, do parcelamento e da ocupação do solo são de ordem municipal. Fica explícito
no artigo quando há qualquer referência à lei federal: "É facultado ao poder
público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor,
exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado,
subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento".
É fácil concluir que a lei federal só poderá traçar diretrizes genéricas, que
regulem as condições do aproveitamento do solo urbano. Por quê? Por ser uma ressalva à
autonomia municipal. Além disso, o instrumento básico da política de desenvolvimento e
expansão urbana é o plano diretor, aprovado pelas câmaras municipais. Assim sendo, o
município deverá fixar em lei as diretrizes gerais com o fim de ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade, bem como elaborar o plano diretor da
política de desenvolvimento e expansão urbana.
Parece-me que há uma única razão para que o parágrafo 4º do artigo 182 se refira à
lei federal: impedir que a lei municipal crie limitações ao direito de propriedade,
extrapolando o razoável exercício do poder de polícia. Como apenas a União pode
legislar sobre direito civil, só ela pode limitar o direito de propriedade, dentro dos
parâmetros constitucionais. Não pode haver perda da propriedade sem o devido processo
legal. O município só legisla em matéria de direito administrativo só pode
fixar o gabarito das ruas, traçar o plano da cidade, decidir a mão de direção de
trânsito, os locais de praça pública.
Vamos analisar agora o texto legislativo. O primeiro equívoco aparece logo na epígrafe,
na ementa da lei: "regulamenta". Ora, lei não regulamenta nada, o que
regulamenta é regulamento. A Constituição não se regulamenta, regula-se. A lei regula
a Constituição, porque lei não é regulamento.
O verdadeiro estatuto da cidade, na realidade, é a lei orgânica do município, ao qual a
Constituição dá a competência para votá-la.
A ordenação e o controle do uso do solo, de forma a evitar utilização inadequada dos
imóveis urbanos, fazem parte do planejamento municipal, que define o parcelamento do
solo, a edificação, o uso excessivo ou inadequado em relação à infra-estrutura
urbana, a instalação de empreendimentos e as atividades que possam funcionar como pólos
geradores de tráfego. A relação especulativa do imóvel no que se refere à sua
subutilização, ou não utilização, assim como a deterioração das áreas urbanizadas,
é interesse do município. Sobre a poluição e a degradação ambiental é que a União
pode traçar regras gerais de controle.
No artigo 2º, inciso XI, a lei afirma que a política urbana tem por objeto a
recuperação dos investimentos do poder público de que tenha resultado a valorização
de imóveis urbanos. O tributo de contribuição de melhoria está previsto na
Constituição, não é necessária nenhuma lei para isso. Até hoje, porém, nunca foi
utilizado no Brasil.
Vejamos agora o capítulo II, que dispõe sobre parcelamento, edificação ou utilização
compulsórias. O artigo 5º merece algumas reflexões. Diz ele: "Lei municipal
específica para a área incluída no plano diretor [que é municipal] poderá determinar
o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórias do solo urbano não
edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para a
implementação da referida obrigação". Nesse ponto, os municípios vão se ver
numa situação um tanto quanto difícil. No meu entender, estamos diante de restrições
ao direito de propriedade que extrapolam o poder de polícia municipal. Note-se que a
aplicação desse artigo pode redundar em confisco de propriedades, o que levaria à
seguinte conseqüência: paralisaria a ação administrativa, obrigando o poder público
à desapropriação. Se o município criar restrições ao direito de propriedade, como a
obrigação de edificar, e o proprietário não tiver condições para isso, essa seria
uma ação de confisco, o que é vedado pela Constituição. Como o poder público
municipal sairia dessa enrascada? Em face da Lei de Responsabilidade Fiscal, pode ser que
o município não tenha condições financeiras para fazer a desapropriação, o que o
coloca numa situação difícil: a impossibilidade de cumprir a lei.
Lembro aqui outro princípio constitucional, que é o da proibição do excesso, que a lei
10.257 violou totalmente. Mas o parágrafo 5º do artigo 5º também invade a competência
municipal. É certo que não usa o verbo "deverá", mas "poderá". No
entanto, sabemos que em muitos artigos constitucionais o "deverá" deve ser
entendido como "poderá", e o "poderá" como "deverá". O
parágrafo 5º diz: "Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a
lei municipal específica poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o
projeto aprovado compreenda o empreendimento como um todo". É evidente que a
finalidade é impedir a proteção aos apaniguados da política municipal. A intenção
pode até ser muito louvável, mas a lei federal não pode interferir nesse âmbito.
E o parágrafo 4º do artigo 8º afirma que o município procederá ao aproveitamento
adequado do imóvel no prazo máximo de cinco anos. Aqui há uma ordem específica ao
município, quase uma obrigação. Com isso, podemos chegar à completa inviabilidade da
administração de certas cidades. Um município pequeno, com uma arrecadação baixa,
pode vir a ser obrigado a desapropriar um terreno e ter de pagar por isso um valor do qual
não dispõe. Mas, como estamos na era oficial do calote...
Se o prefeito aplicar o Estatuto da Cidade, violará a Lei de Responsabilidade Fiscal; e
se respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal, desrespeitará a 10.257. Sinceramente, essa
é uma das piores leis que esse governo fez aprovar. Gostaria, agora, de ouvir a opinião
dos senhores.
IVES GANDRA Eu penso do mesmo modo. Passamos a ter um verdadeiro estatuto, como se os municípios já não tivessem a sua lei orgânica, que é a própria Constituição do município.
AMÉRICO LACOMBE A lei é igual para todos os municípios.
IVES GANDRA São Paulo, com uma população maior
que a da Áustria, maior que a de grande parte dos países da América Central, estaria
condicionada a ser assemelhada ao último município do país.
Quanto ao IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) progressivo no tempo, a legislação
diz que "o valor da alíquota a ser aplicada a cada ano será fixado na lei
específica a que se refere o caput do artigo 5º, e não excederá duas vezes o
valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de 15%". Nesse
dispositivo temos o seguinte critério: pode-se partir de 1% e subir para 2%, ou começar
com 5% e aumentar para 10%, ou, então, já iniciar com os próprios 15%. Ou seja, essa
lei obriga a cumprir a função social do imóvel num prazo máximo de cinco anos e
essa imposição afeta a autonomia municipal. Em cinco anos, não haveria necessidade
sequer de desapropriação, porque nesse prazo o município já teria recebido 75% do
valor do imóvel, o que efetivamente fere o princípio do efeito confisco, que é proibido
pela Constituição.
AMÉRICO LACOMBE Mas tem mais. O parágrafo 3º diz: "É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo". Até isso estão proibindo o município de fazer, o que é uma competência municipal absoluta em matéria tributária.
IVES GANDRA Além disso, vamos verificar a que eles são obrigados. O terreno que estiver vazio não está cumprindo a sua função social. Numa cidade grande como São Paulo, muitos terrenos têm uma função social fantástica a de estacionamentos, evitando que o trânsito fique ainda mais caótico. Como não há distinção, o terreno desocupado, ou subocupado, passa a ser objeto de aplicação da lei e do imposto progressivo no tempo, o que é terrível, pois, apesar de estar cumprindo uma função social, o imposto do terreno será aumentado para 15%; se em cinco anos o proprietário não tiver edificado, perderá o imóvel. Por essa legislação, o dono de um imóvel que não tiver condições de construir será punido por uma situação econômica da qual ele é vítima, e não haverá mais espaços livres nas cidades.
AMÉRICO LACOMBE Quando esse projeto estava em discussão, um programa de televisão deu um exemplo sobre o que poderia acontecer se fosse aprovado. Focalizou aquele palacete tombado, rodeado por um parque, na esquina da Alameda Ministro Rocha Azevedo com a Avenida Paulista. Na realidade são dois imóveis: o palacete e um terreno sem construção, coberto de árvores frutíferas, onde o proprietário fez um estacionamento. Se a prefeitura obrigá-lo a construir, ele não poderá fazê-lo, porque é proibido derrubar aquele pomar. Só há uma solução: entrar com uma ação contra a prefeitura para obrigá-la a desapropriar a área e transformá-la num parque.
IVES GANDRA Parece que a prefeitura vai reavaliar a
planta genérica de valores e utilizar a progressividade no tempo, de acordo com a emenda
constitucional nº 29, e a punição do Estatuto da Cidade, como instrumentos para
aumentar a receita. Os estados, os municípios e a União não podem gastar mais do que
têm em termos de receita, mas, como não sabem cortar despesas, quem vai pagar não é o
poder público.
Alertei a prefeitura para que examine com muito cuidado qualquer aumento do IPTU, pois
poderá desincentivar a construção civil no município, que é geradora de emprego e de
imposto sobre serviço.
VALDIR DE OLIVEIRA Temo que o conselheiro Lacombe
esteja enganado quando afirma que essa lei não vai pegar. Com o alento de uma alíquota
de 15%, é muito provável que ela seja adotada. Parece-me que é no IPTU progressivo no
tempo que residem alguns equívocos. Essa lei ordinária não poderia contemplar a taxa do
IPTU, assim como o plano diretor não poderia estipular uma alíquota de 15%, uma vez que
a Constituição diz que é um tributo progressivo no tempo.
Em diversas ocasiões em que teve a oportunidade de decidir sobre o IPTU progressivo,
antes da emenda constitucional que veio a autorizá-lo, o Supremo Tribunal Federal
sinalizou que esse imposto dependeria de uma lei federal, complementar, para disciplinar a
questão não de uma lei ordinária.
O usucapião poderia ser regulado pelo plano diretor. Existem milhares de residências da
população mais pobre que não estão regularizadas. Outro dia, uma corretora de imóveis
afirmou em uma entrevista: "Não vendo propriedade, sou intermediária na venda de
posse". Por quê? Porque nunca se vai conseguir obter a propriedade daqueles
imóveis, localizados em ruas não-oficiais, que não comportam o ingresso de um veículo
e com as compartimentações em desacordo com a lei de zoneamento. Esse é um problema
típico da população que vive em cortiços e favelas.
A Constituição diz que compete à União instituir diretrizes para o desenvolvimento
urbano, incluindo habitação, saneamento básico e transporte urbano. Em alguns assuntos,
parece que a competência do município vai além do que está previsto no texto
constitucional. A Carta diz que o que é mais urbano é municipal, mas fala da
competência dos estados, da União e do Distrito Federal, além de estar previsto
legislar sobre conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais,
proteção do meio ambiente e controle da população.
EDVALDO BRITO Concordo plenamente com o professor
Lacombe, mas fico de acordo com o professor Valdir quando diz que a lei vai pegar.
Como professores, precisamos praticar a nova Constituição em sala de aula, para educar o
legislador a aplicá-la corretamente. Uma vez que o legislador não conhece a
Constituição, cria esse Estatuto da Cidade, que não é lei; é um decretozinho de
quinta categoria que não passa de um regulamento.
Quanto à questão da progressividade, no meu modo de ver a Constituição apresenta três
possibilidades:
1) Sempre que possível os impostos serão graduados (artigo145). É o caso do IPTU, do
Imposto de Renda, do ICMS e do IPI.
2) A progressividade pode ser alcançada pela alíquota e pela área da base de cálculo.
3) Além disso, existe a progressividade-sanção.
Mas, por ser um imposto vinculado à propriedade, o IPTU não pode receber essa
progressividade louca. Por outro lado, ao vedar as concessões de isenção ou anistia, o
Estatuto da Cidade ofende o artigo 151 da Constituição. No entanto, devido aos
"imposteiros" e à possibilidade de contornar a Lei de Responsabilidade Fiscal
pela regra de aumentar os impostos no país, temo que ela venha para ficar.
FERNANDO PASSOS Não estou convencido do grau de
inconstitucionalidade da lei, conforme demonstrou o professor Lacombe, mas estou
absolutamente convicto da sua total inconveniência. A lei de parcelamento do solo e do
uso urbano é federal, limita as ações municipais, especialmente na área dos
loteamentos, e desde 1979 vem sendo aplicada sem contestação. Por isso, não estou
convencido de que seja inconstitucional.
Minha posição sempre foi absolutamente contrária às leis restritivas ao uso do solo
urbano. Quando fui vereador de Araraquara uma cidade com enormes áreas verdes
, era chamado semanalmente por cidadãos que queriam fazer uma construção
absolutamente lícita, que a prefeitura não aprovava: os planos eram restritivos, as
exigências, absurdas. A lei restringia aquilo que o povo mais sabe fazer, que é ampliar
a sua casa. Dos 44 mil imóveis de Araraquara, 41 mil foram edificados pelas pessoas mais
simples do povo, que iniciavam a obra com uma edícula no fundo do quintal o que
já não é permitido, porque encosta no prédio do vizinho , depois construíam um
quarto, e iam ampliando, até a casa ficar pronta. Foi assim que a cidade cresceu; foi
assim que se expandiram as cidades na Europa, é assim que elas são até hoje e encantam
a todos com a sua beleza. Por que precisamos ter essas restrições? Araraquara tinha um
plano diretor ruim, muito detalhista, que impedia que a criatividade do povo se
transformasse em realidade, de acordo com as suas posses.
Mas o pior artigo dessa lei é o 28, que representa praticamente a corrupção no poder
público. Vejam só: "O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de
construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado,
mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. Lei municipal dirá a fórmula
do cálculo para cobrança". Ora, se a lei permite que o cidadão pague para
construir mais do que está definido no plano, o que está definido perde a razão de ser.
Em Araraquara, por exemplo, só se pode edificar em 60% do terreno. Mas como a nova lei
admite que esse coeficiente seja ampliado, uma pessoa que quiser construir em 70% da área
irá à prefeitura perguntar quanto deve pagar por esses 10%.
Por que havia o limite de 60%? Por uma questão urbanística, pelo bom uso do solo, da
água e do meio ambiente. Para o bem das cidades, não se deveria ultrapassar, nunca, essa
determinação.
MARCO AURÉLIO GRECO A idéia do solo criado vem da
França é o chamado "plafond unique". O conceito da época era
que a ocupação normal do solo urbano é a de uso em unidade unifamiliar. Acima disso já
é atividade econômica, e como tal deve carrear recursos para o custeio da
infra-estrutura que vai ser demandada pela multiplicação daquele conjunto de unidades.
Além de discutir os conceitos de direito civil, temos de debater a questão do mérito
das propostas, ou seja, até que ponto o simples fato de aproveitar o solo urbano para
produzir imóveis até se fala em indústria da construção civil já não
está tributado por todas as formas possíveis e imagináveis, além de contribuir para o
custeio dessa demanda de serviços públicos que se exige.
IVES GANDRA No II Congresso Interamericano de
Direito Tributário, em 1975, convidamos o professor Jean-Jacques Philippe para falar do
imposto sobre a densidade imobiliária, que acabava de ser criado na França, para ser
pago por quem quisesse construir além do limite legal, mas dentro dos parâmetros do que
era necessário, útil, concebível, adaptável e aceitável pela cidade. Isso é muito
diferente de se poder construir o que quiser e sem qualquer limitação. Essa outorga é
que representaria a possibilidade de um abuso e um grande incentivo à corrupção.
Cada cidade tem a possibilidade de comportar imóveis até um certo limite. Por que foi
criado esse imposto na França? Porque a legislação em vigor, feita muitos séculos
antes, impedia que Paris se expandisse. O núcleo central da cidade foi totalmente
preservado, e ela começou a crescer para fora, mas de forma limitada.
MANUEL HENRIQUE FARIAS RAMOS De um lado, preocupa-me a questão da centralização, porque acredito que uma sociedade democrática tem de ser municipalizada. De outro, incomoda-me mais ainda ser essa uma saída para a arrecadação. E me parece que esse texto visa à especulação do uso do solo e ao crescimento anárquico das cidades. É preciso haver regras o núcleo urbano não pode crescer desordenadamente. A primeira cidade a fazer um plano diretor foi Estocolmo, em 1640. Desde então, a capital sueca teve um crescimento racional, planejado, e é bem-sucedida do ponto de vista urbano. Temos de abordar também o aspecto sociológico da questão. Hoje, os centros e as praças estão vazios, a interação é diferente, portanto, a construção de áreas de lazer e a ocupação do solo têm de ser rediscutidos. Uma lei sobre a cidade tem de ser debatida com a sociedade que a habita.
ALESSANDRO ALTAMIRANO Muitos dos problemas
discutidos aqui, lamentavelmente, vêm sendo debatidos na Argentina há muitos anos.
Naquele país há apenas 1.930 municípios com autonomia. O sistema constitucional
argentino difere do brasileiro, uma vez que só os municípios podem aplicar taxas
municipais. Há cerca de dois anos, o conflito nessa matéria chegou a um ponto tal que
todos os municípios passaram a cobrar, da forma que podiam, os tributos que conseguiam
camuflar debaixo do conceito muito etéreo de tributo municipal. Nos municípios
argentinos, os contribuintes não têm direitos, só obrigações. Há pouco se
constituíram quatro novos municípios, cujo primeiro ato de governo foi fixar o salário
do prefeito e dos vereadores. O salário médio dos prefeitos é de US$ 7 mil.
Além dos inúmeros problemas que há em todas as cidades argentinas, a Corte Suprema de
Justiça considerou que não é confiscatório o aumento em 20 vezes do tributo municipal
para aqueles que mantêm um terreno vazio.
AMÉRICO LACOMBE Agradeço a contribuição de
todos. Discordo apenas em um ponto da apresentação do professor Edvaldo Brito as
taxas nunca podem ser progressivas, por uma razão muito simples: a sua base de cálculo
não diz respeito a um atributo do sujeito passivo, e sim a uma atividade do sujeito
ativo. Logicamente, na estrutura da norma, a base de cálculo da taxa mede a atividade do
sujeito ativo. Por isso a Constituição diz que as taxas não podem ter base própria de
cálculo de impostos.
Concordo plenamente com a necessidade de planejamento para São Paulo. Toda cidade deve
ter um plano diretor, de competência estritamente municipal, sem nenhuma interferência
federal.
IVES GANDRA Uma única lei não pode servir tanto para municípios de 740 habitantes onde a maior parte dos terrenos nunca será construída , como para uma megalópole de 10 milhões de habitantes onde a maior parte dos terrenos está construída. Como será possível aplicar uma lei, para depois criar um plano diretor, e em cinco anos obrigar os 740 habitantes a construir? Por outro lado, em São Paulo os terrenos são fundamentais, porque sem eles teríamos um trânsito muito pior do que aquele que já existe. Acredito que o Estatuto da Cidade é inviável por ser uma lei de um modelo único.