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Procura-se uma nova ordem internacional
Em setembro passado, os ataques terroristas que destruíram edifícios e tiraram a vida de milhares de pessoas nos Estados Unidos, além de jogar o mundo num clima de medo e incerteza, revelaram com nítida crueza que a coexistência entre nações ricas e pobres está muito longe de ser pacífica. A surda intolerância, escondida até agora sob frágeis mantos das conveniências e acordos superficiais, irrompeu com violência e, muito além dos escombros em Manhattan, trouxe para a luz do sol uma realidade que os países pobres e miseráveis já conheciam: é cada vez maior a distância entre as potências econômicas e as nações subdesenvolvidas e crescem as pressões que umas exercem sobre as outras, com práticas comerciais protecionistas e total controle político e financeiro.
Por coincidência ou não, nunca se falou tanto, no Brasil e no mundo, em negociações comerciais, seja no foro da Organização Mundial do Comércio, seja em debates relativos aos blocos econômicos existentes ou em formação, como Mercosul, União Européia, Nafta e Alca. Nunca se discutiu tão a fundo a questão dos subsídios, das barreiras mal disfarçadas e do protecionismo escancarado.
Atual e oportuna, esta edição de Problemas Brasileiros trata do assunto em abrangente matéria sobre a OMC. Instalada em Genebra, na Suíça, talvez para assegurar uma imagem de neutralidade que, de fato, não possui, a entidade vive atulhada de processos e litígios, a maioria deles com um único objetivo: aumentar as vendas de determinado país no mercado internacional e, de quebra, impedir que os concorrentes o façam.
Teoricamente, a organização foi criada para colocar ordem no mercado, resolvendo pendências com eqüidade. Na prática, a neutralidade se perde diante das prerrogativas das potências comerciais cujos argumentos têm peso específico próprio. A começar pela origem dos funcionários da própria OMC, a maioria recrutada em países desenvolvidos, fator que sempre pesa na hora de favorecer um julgamento ou empurrar uma queixa justa para debaixo do tapete. Outro fator de desequilíbrio é o profundo tecnicismo com que as questões são decididas, sempre com base em normas frias e leis rígidas. Aspectos sociais e humanos, como o desastre que uma decisão pode representar para toda uma região de plantadores de banana, por exemplo, estão fora das preocupações dos operadores desta espécie de pretensa justiça comercial.
Na arena da OMC, a maioria das grandes disputas gira em torno de uma palavra: protecionismo. E é nessa arena que o Brasil, como economia emergente, para não dizer subdesenvolvida, mais tem se debatido. Na briga com a canadense Bombardier, até que tivemos alguma vantagem, na recente decisão que condenou o país concorrente pelos subsídios oferecidos a sua indústria aeronáutica.
Nos outros campos, porém, os resultados colhidos até aqui são parcos. Sabe-se, por exemplo, que a França protege claramente seus agricultores, assim como os norte-americanos o fazem. Somente no ano passado o governo de Washington destinou a eles um total de US$ 31 bilhões, segundo informação do ministro brasileiro da Agricultura, Marcus Vinícius Pratini de Moraes. Somente na soja, nossos agricultores deixaram de ganhar US$ 1,2 bilhão, já que o produto norte-americano, protegido, chegou ao mercado internacional com preço mais baixo.
Na área do aço, a questão se repete. Reconhecidamente mais competitivas que as siderúrgicas norte-americanas, as brasileiras enfrentam barreiras pesadas para entrar no apetitoso mercado ianque, que elevam artificialmente o custo de nosso aço para o consumidor daquele país.
Nos últimos dias, logo após os atentados de setembro, a proteção que os norte-americanos distribuem fartamente às empresas do país se mostrou mais aberta. Prejudicadas pela brutal queda na demanda, as companhias aéreas dos Estados Unidos solicitaram e ganharam uma ajuda financeira gigantesca, que certamente lhes permitirá atravessar as fortes turbulências que enfrentam. Vantagens que não acontecem por aqui.
É assim, portanto, que agem as grandes potências, em defesa dos próprios interesses. E se protegem com tanta desfaçatez, manipulando decisões internacionais e prejudicando populações inteiras, que deixa de ser difícil compreender por que existe tanto ódio acumulado pelo mundo afora. Ódio que às vezes explode, e continuará explodindo, até que se discuta e se instaure uma nova ordem internacional realmente justa.