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O arco-íris no fim do túnel
“Chuta que nem homem!”
“Tem que ser homem para jogar aqui!”
Quem já pisou em uma quadra/campo de futebol provavelmente já ouviu uma dessas frases.
Tanto no estádio, quanto nas redes sociais, muitas abordagens são assim: na tentativa de inferiorizar o adversário e sua torcida, e na falta de argumentos para tal, torcedores associam os símbolos rivais à figuras femininas, historicamente subjugadas, ou à apelidos que ponham em xeque padrões de masculinidade, gerando alcunhas como bambi, galinhada, gazelas, marias entre outros.
Como se não bastassem as diversas manifestações preconceituosas vindas das arquibancadas locais, algumas torcidas ainda “importaram” do México o grito de “Ôôôôô Bicha!” cada vez que o goleiro adversário parte para repor a bola em jogo na cobrança do tiro de meta.
Os clubes já se manifestaram publicamente contra a prática, o que é questionável, pois pode ser mais uma estratégia de marketing do que preocupação com as questões envolvidas. Ações educativas junto a seus torcedores poderiam ser mais efetivas neste caso.
Já a imprensa esportiva, que pouco contribui para a desconstrução do discurso homofóbico, por muitas vezes fomenta programas e publicações de narrativa duvidosa.
Embora o ambiente futebolístico ainda seja bastante hostil para o público LGBTQI+, há diversas iniciativas que nos fazem ter esperanças em relação à luta por maior respeito à diversidade nos estádios.
Em 1977, em plena ditadura militar, o cantor e empresário Volmar Santos uniu seu amor pelo clube do coração à sua militância e fundou a Coligay, torcida organizada do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, que reunia torcedores homossexuais que iam ao estádio cantar e apoiar o clube, num período em que a hegemonia do futebol brasileiro pertencia ao maior rival.
E deu muito certo. Coincidência ou não, alguns meses após a fundação da Coligay o Grêmio voltou a conquistar o campeonato estadual após um jejum de 8 anos, e esse título foi considerado o pontapé inicial para o crescimento que culminou, na década seguinte, na conquista do campeonato mundial de clubes.
A preocupação do presidente da torcida com seus membros ia além das questões esportivas: ele bancou aulas de Karatê para que os integrantes da organizada pudessem se defender dos ataques sofridos por uma pequena parte da torcida que não concordava em dividir a arquibancada com uma trupe tão animada e afrontosa.
Combater a homofobia nos estádios é um assunto recorrente entre as torcidas. E surgiram outras organizadas tão atuantes e barulhentas quanto a Coligay.
Como a GaloQueer, torcida organizada do Atlético Mineiro, Palmeiras Livre e a Queerlorado, torcida do Internacional de Porto Alegre,
Se fora das quatro linhas a questão da homofobia é debatida e podemos ver uma luz no fim do túnel, dentro delas o assunto ainda é tabu.
“Enquanto a sociedade vai de um jeito ou de outro mudando, o mundo do futebol continua “fechadão”, como quem diz: aqui não é lugar para homossexual”, afirma Alexandre Antoniazzi, homem cisgênero e gay, que há três anos joga pelo Natus F.C, time de futebol LGBTQI+ da cidade de São Paulo, fundado em 2015.
Para ele, a ausência de um atleta assumidamente homossexual atuando em uma grande liga contribui para que as portas do esporte se fechem para pessoas LGBTQI+.
Quais as possibilidades reais de um desses atletas tomar tal decisão? Acontecimentos recentes mostram que bem poucas.
Vale a pena lembrar que até bem pouco tempo atrás, um dos maiores jogadores da geração atual era hostilizado pelo simples fato de ser vaidoso.
Outro episódio que ainda está presente na memória de quem acompanha o futebol foi o “selinho” que um atleta que já foi ídolo das duas maiores torcidas do Brasil deu em um amigo e que lhe rendeu uma série de xingamentos.
O que podemos fazer para mudar isso?
Que tal começarmos trazendo esta discussão para o cotidiano, evitar os cantos homofóbicos e sexistas entoados pelas torcidas organizadas do nosso time do coração, chamar a atenção do colega ao lado e se aproximar das torcidas que combatem o preconceito e promovem a diversidade?
As torcidas a favor da diversidade estão brotando em todos os cantos do país. Ainda estão bem tímidas, mas já possuem um bom número de adeptos. Principalmente entre os torcedores mais jovens.
O pontapé inicial já foi dado. Agora depende das ações de cada um de nós, para que o futebol se torne um espaço mais colorido, mais democrático e menos preconceituoso.
*Jean Paz é torcedor irrecuperável do Grêmio e Editor Web do Centro de pesquisa e formação do Sesc