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Entrevista: Edgar Morin e sua complexidade

Como combater a degradação generalizada do conhecimento e do pensamento?
Para o pensador Edgar Morin, a resposta está numa vida dedicada ao estudo e ao pensamento complexo. Aos 97 anos, o antropólogo, filósofo e sociólogo francês vai na contramão da crescente fragmentação do conhecimento e é considerado um dos principais intelectuais dos séculos XX e XXI. Na véspera de sua conferência Estética e Arte, no Sesc Pinheiros, ele falou com exclusividade à EOnline sobre as relações entre pensamento, cultura, educação e política.

 

EOnline: Na realidade brasileira atual, a cultura tem sido desacreditada, atacada e condenada. É possível substituir a cultura por outra coisa que qualifique a ação humana? E o que seria da vida cotidiana se a cultura não estivesse mais ligada à ideia de humanidade? Perderemos a nossa "alma"?

Edgar Morin: A cultura já está em crise porque há dissociação entre a cultura científica e a cultura das humanidades. Uma e outra nos são necessárias; a primeira por nos situar no universo e na vida em nosso planeta, a segunda por nos dar as emoções potinas, que nos faz aceder à qualidade de vida poética, que floresce no fervor, nas comunhões e, claro, nas emoções estéticas, e por nos dar possibilidades cognitivas e reflexivas através da literatura, história, filosofia.
Estas duas culturas nos ajudam a enfrentar os problemas da vida, que não são apenas profissionais, mas são também de compreensão humana, acerca da capacidade de detectar fontes de erro e ilusão para conhecer melhor as realidades humanas e enfrentar as incertezas.

EOnline: O Brasil é um país muito desigual e a educação reflete essa desigualdade nas salas de aula. Quais qualidades um professor deve possuir para não reproduzir essa desigualdade em seu ato educacional?

Edgar Morin: O problema das desigualdades é um problema social, ao mesmo tempo que é um problema educacional. O problema, portanto, diz respeito a uma ação política que tenda a reduzir as desigualdades, elevando o padrão de vida dos desfavorecidos e reduzindo o poder desenfreado do lucro. Diz respeito, complementarmente, a uma educação que deve incluir crianças de famílias desfavorecidas e cuidá-las. O professor deve ter, como Platão disse, o Eros, o amor por todos os seus alunos e por sua missão, para ajudar cada criança a resplandecer o melhor de si mesmo.

EOnline: Qual é a importância da filosofia e do pensamento hoje, dada a rapidez e facilidade de encontrar informações na Internet, nem sempre fundadas? Hoje vivemos em uma realidade surrealista, considerada como "pós-verdade", na qual prevalece a inversão de valores e em que o conhecimento é constantemente atacado e desprezado. Como sair dessa armadilha que se parece com a máxima "Eu sei de tudo, mas eu não entendo nada" (René Daumal)?

Edgar Morin: O problema crucial hoje é o da crise de pensamento. Os partidos políticos esvaziaram-se de todo pensamento sobre o mundo contemporâneo e sua evolução; a política está reduzida à economia e a um certo tipo de economia que impede qualquer política de saúde coletiva. A educação fornece um pensamento compartimentalizado que nos impede de captar os principais problemas globais e fundamentais: a mídia afoga os espíritos sob uma chuva de informações que se sucedem e que fazem reduzir a parte reflexiva dos editoriais. É por isso que me dediquei ao conhecimento e ao pensamento complexo, para combater a degradação generalizada do conhecimento e do pensamento.

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Transmissão online da Conferência Estética e Arte, com Edgar Morin: dia 18/jun, às 20h, direto do Sesc Pinheiros no Facebook e no YouTube do Sesc São Paulo.