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Bioética
A dignidade do ser humano e a pesquisa científica
É traço característico do ser humano fazer, permanentemente, perguntas sobre os fenômenos da natureza; a cada resposta obtida, formulam-se novas perguntas que exigem novas respostas. Dito de outra forma, o ser humano, pela sua própria essência, sempre busca novos conhecimentos.
Não devemos temer o conhecimento e sim a ignorância e o obscurantismo. É essencial, porém, que o conhecimento seja obtido de forma eticamente correta e que sua aplicação também seja eticamente adequada. O limite da ciência é a ética.
O crescimento exponencial do número de pesquisadores (dobra a cada 10-15 anos), aliado ao ritmo vertiginoso dos avanços científicos e tecnológicos, leva a sociedade a defrontar, a cada dia, uma extensa gama de problemas de natureza ética.
A história registra várias pesquisas realizadas em seres humanos, pesquisas absolutamente inaceitáveis do ponto de vista ético. Nos campos de concentração, durante a Segunda Guerra Mundial, foram cometidas várias atrocidades em pesquisa médica, o que levou à formulação de um código de ética em pesquisa - o Código de Nuremberg (1947).
Infelizmente, os abusos continuaram a ocorrer. Em 1964, a Associação Médica Mundial elaborou um documento (Declaração de Helsinque), visando aprimorar o controle ético na pesquisa médica.
No início da década de 1980, a Organização Mundial da Saúde, em conjunto com os comitês científicos das sociedades médicas, apresentou um novo documento, as Diretrizes Internacionais para a Pesquisa Biomédica e do Comportamento. O Brasil é signatário dos documentos internacionais. Vários países, também signatários das peças internacionais, elaboraram normas próprias. No Brasil está em vigor, desde 1996, a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que estabelece diretrizes éticas para a pesquisa que envolve seres humanos.
É importante ressaltar que a Resolução 196/96 foi elaborada após ampla consulta a diversos setores da sociedade, por uma comissão multidisciplinar (ou seja, formada não apenas por médicos). A resolução se aplica a toda pesquisa que envolva o ser humano, "individual ou coletivamente, no seu todo ou em suas partes, em qualquer área do saber" (e não apenas na pesquisa médica); neste ponto, o Brasil é pioneiro.
Na realidade, pesquisas em seres humanos envolvendo aspectos éticos ocorreram em várias outras áreas, com possibilidade de "danos à dimensão física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano" (como prevê a resolução 196/96).
A Resolução 196/96 é uma peça de natureza bioética (isto é, ética pluralista), que tem por escopo proteger a dignidade do ser humano.
O ser humano precisa dar seu consentimento para ser considerado sujeito (e não objeto) da pesquisa; esse consentimento deve ser "livre" e obtido após o adequado esclarecimento (o que está sendo proposto, quais riscos e benefícios estão previstos). O indivíduo tem todo o direito de se recusar a entrar no projeto de pesquisa, sem que tal atitude implique qualquer tipo de prejuízo.
O sujeito da pesquisa, ao assinar o termo de consentimento, retém consigo uma cópia do documento para eventual defesa de seus direitos. Além do mais, de acordo com a Resolução 196/96, todo projeto de pesquisa, para ser iniciado, precisa ter sido aprovado por um comitê de ética em pesquisa (comitê interdisciplinar em que no máximo metade de seus membros é da mesma área profissional). É importante assinalar que o comitê deve ter, necessariamente, no mínimo um representante dos usuários como membro.
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, comissão autônoma ligada ao Conselho Nacional de Saúde, atua hoje em conjunto com cerca de quatrocentos comitês espalhados pelo país. A Comissão Nacional tem, entre suas atribuições, manter um banco de dados sobre pesquisa em seres humanos e atuar como instância de recursos.
Todo sujeito incluído em um projeto de pesquisa tem o direito de conhecer as normas e, em caso de dúvida, dirigir-se ao comitê da instituição ou à própria Conep (Brasília - Ministério da Saúde).
A dignidade do ser humano está acima de qualquer interesse e deve ser o valor maior a ser levado em conta na análise ética de qualquer projeto de pesquisa.
O professor William Saad Hossne
participou do Seminário Internacional Ética e Cultura, realizado em outubro no Sesc Vila Mariana