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Cultura
Circuito pessoal
Grandes cidades como São Paulo, cheias de opções, revelam um perfil de público que busca alternativas de lazer e cultura sem abrir mão da qualidade
São Paulo é uma cidade que oferece cultura e lazer para todos os gostos. Não há barreiras para um roteiro cultural de qualidade. Um espaço para o novo e o diferente. Cada um pode escolher o que mais lhe desperta a curiosidade. É pelo famoso boca a boca que se descobre em São Paulo o inusitado, o inesperado, o desconhecido. A diversão sai dos limites da grande mídia e passa a descobertas muito prazerosas. Isso vai desde um filme numa sala de cinema voltada para um circuito mais alternativo até um show de jazz ao ar livre. A ordem é cavoucar e descobrir novos segredos.
A praça Benedito Calixto, em Pinheiros, é um bom exemplo. Todos os sábados à tarde, uma quantidade enorme de pessoas se reúne ali pelos mais diversos motivos: seja escutar um bom choro - tradicional na "feirinha", como é conhecida -, seja fazer compras diferenciadas ou encontrar os amigos. Ali também é possível descobrir onde as coisas "acontecem" na cidade, como pequenas exposições, peças de teatro, festas e bazares. Para a estudante Ana Paula Siqueira, a praça é um ótimo ponto de encontro: "Gosto de ir à Benedito para ver os amigos", conta. "Encontro muita gente, posso ir até sozinha porque sei que lá tem um pessoal conhecido." Na mesma região, na rua Teodoro Sampaio, a música dá o tom. A loja Matic Instrumentos Musicais, ponto de encontro dos amantes do blues, realiza, também aos sábados, as chamadas jam sessions (encontros de músicos) com grandes nomes do blues e do jazz, como Arismar do Espírito Santo, Guga Teixeira, Anthony King e Zérró e sua big band de 28 músicos. Eles tocam sem muita infra-estrutura, o que não impede que a platéia lote a calçada.
Conversando com os freqüentadores tanto da Benedito como da loja Matic, o que se descobre é que esse canal alternativo de informações, que passa ao largo da tevê, do rádio ou do jornal, pode levar a surpreendentes opções em música, teatro, shows musicais ou mesmo às famosas "baladas" (festas ou reuniões de bares que tendem a varar a madrugada, regadas a muitos amigos e diversão).
Tendo um caráter mais cultural ou simplesmente pelo puro lazer, o comum a todos esses lugares é a chance que oferecem para as pessoas se encontrarem e se conhecerem. Como se esse circuito fosse uma teia de aranha que prova que a famosa frase "ô mundo pequeno" é a ilustração perfeita para quem está em contato com esse universo cultural.
Cantar e dançar
Dançar é outra opção muito procurada pelos "antenados" da cidade. Entretanto, engana-se quem pensa que todo paulistano gosta de boates e das tradicionais casas noturnas. Há lugares que oferecem aos amantes do ritmo um outro tipo de dança, de festa, de curtição. São espaços que durante o dia podem ser escola de dança, de teatro ou de música, mas que à noite revelam inusitadas formas de diversão. Segundo seus freqüentadores, esses locais proporcionam um clima de informalidade e conforto que lembra o melhor estilo "festa do amigo". Quem vai a um lugar assim quer se sentir à vontade, quer algo personalizado e diferenciado.
A Nau de Ícaros, na Vila Madalena, é uma escola de circo que oferece uma programação diversificada. Durante o dia, pode-se encontrar cursos de circo, dança e teatro. Mas à noite o grande galpão "apaga as luzes" e oferece, como alternativa, a bimestral festa Ultréia. O agito começa com um espetáculo da trupe que deu nome ao espaço. Nesse meio tempo, as pessoas vão chegando, se encontrando e comprando discretamente uma bebida. Depois, a pista de dança é aberta e o público toma conta do lugar. Porém, mesmo durante a festa, o show não pára: acontecem intervenções circenses com palhaços, malabaristas e maracatu. Para o estudante de direito e filosofia Frederico Diehl, o importante das festas da Nau é que elas saem do comum: "A festa é mais do que beber e ficar paquerando. Dá para conhecer muita gente legal", empolga-se. "Adoro a Ultréia primeiro porque é diferente e depois porque as atividades que acontecem antes dão uma outra cara à festa. Sai do convencional."
Comprovando a teoria de que é a partir do boca a boca que a teia se forma, não é difícil encontrar entre os freqüentadores da Ultréia grande parte do pessoal que estará no Sarau do Charles, que também tem a Vila Madalena como palco. A idéia do sarau é que as pessoas mostrem seus trabalhos. São artistas desconhecidos, ou em início de carreira, que se tornam habitués do local. A programação desse evento mensal já faz parte da agenda de algumas pessoas, chegando a haver quem esteja lá procurando o seu mais novo artista preferido. Para Kléber Araújo, freqüentador assíduo do sarau, o clima é o mais gostoso: "O sarau tem uma atmosfera ingênua, não tem astral de noite. Até uma criança poderia estar lá". Esse tipo de acontecimento mais intimista, por assim dizer, pode não ter a cara de um ambiente organizado, mas na verdade conta com uma boa estrutura, atraindo sempre novos freqüentadores; os mesmos que elegeram o Sesc Pompéia como parada obrigatória em seu roteiro de cultura e lazer. A choperia da unidade é uma grande oportunidade para conferir bons nomes do cenário musical. Para quem duvida, o hoje famoso Funk Como Le Gusta conquistou seus primeiros fãs em shows realizados lá. O estudante Frederico Diehl retoma dizendo que, para ele, trata-se de um espaço que permite a aproximação do público com o artista: "Vou muito ao Sesc. É barato e dá para ficar perto do palco". A produtora de moda Renata Hashimoto também costuma freqüentar os ambientes do Sesc. Além do Pompéia, Renata já foi conferir atrações no Sesc Vila Mariana e no Belenzinho. "Parece um clube", brinca a produtora.
Cinema e vamos ao teatro
Domingo à noite em São Paulo. Depois de tantas festas, shows e demais "baladas", nada melhor do que encerrar o final de semana pegando um cinema. Novamente, os espaços que procuram se distanciar do convencional se mostram como opção para os ávidos por algo diferenciado.
Entre as salas mais freqüentadas pelos interessados em um estilo menos comercial, o CineSesc e o Espaço Unibanco de Cinema, ambos na rua Augusta, aparecem obrigatoriamente no roteiro. O caráter inovador dos filmes parece estar atraindo cada vez mais adeptos. As filas se formam, enormes, mesmo horas antes das sessões que, disputadíssimas, atraem platéias entusiastas. Em que outro lugar da paulicéia seria exibido O Leopardo, de Luchino Visconti, durante meses, sempre com todas as sessões lotadas? Esse número cresce ainda mais em épocas de festival, como a Mostra Internacional, mas o dia-a-dia dessas salas está longe de ser vazio. "Normalmente, não me preocupo muito sobre que sala eu vou", diz a cantora Daniela Ferraz, vocalista do grupo Heartbreakers, um dos beneficiados desse circuito informal de cultura. "Mas quando quero ver filmes antigos costumo ir ao CineSesc", recomenda.
Como não poderia deixar de ser, esses espaços também funcionam como ponto de encontro, seja de cinéfilos, seja de pessoas com um interesse comum pelo novo e pelo inédito. É engraçado perceber como basta ficar parado por lá que logo se pode observar amigos se encontrando casualmente ou pessoas se reconhecendo de "outras baladas". "Sinto-me bem nesse circuito de cinema porque gosto do clima e encontro os meus filmes preferidos", afirma a atriz Carolina Botelho. Para ela, não só o circuito alternativo de cinema é interessante como o de teatro reserva agradáveis surpresas. São nessas casas que estão em cartaz montagens de alta qualidade, mas que passam despercebidas pelo grande público." A pessoa que freqüenta o circuito alternativo de teatro vai com a intenção de conhecer o novo", afirma a atriz. "O Tusp (Teatro da USP, situado na rua Maria Antônia, Centro) e a Funarte (também no Centro) são excelentes casas para conferir bons atores com boa direção."
Nessa linha, outro preferido é o Teatro ao Centro da Terra, um local que, por si só, já é um bom exemplo de aproveitamento de espaço. Ele está sob um prédio na região do Sumaré, literalmente embaixo da terra. "Descobri esse teatro por meio de uma amiga e achei muito louco", conta a estudante Maria Luiza da Siqueira. "Vale a pena vir só para conhecer o espaço."
Assim como o Teatro ao Centro da Terra, há muitos outros locais bem aproveitados em São Paulo e que, igualmente, passam despercebidos diante dos olhos da maioria. O circuito de exposições de arte também revela exemplos assim. Vasculhando a agenda desses intrépidos "pesquisadores" culturais, descobre-se uma quantidade enorme de galerias e pequenos espaços reservados a excelentes artistas e estudantes de artes que ainda estão despontando no meio. Pessoas que vão ver e são vistas em locais como o Museu Lasar Segall, no bairro da Vila Mariana, e o museu da FAAP, faculdade situada no Pacaembu, próxima ao estádio. Uma delas é a estudante de arte Mariza de Azevedo, que diz "adorar" o circuito de arte: "Acabo descobrindo quem está surgindo, conhecendo novas idéias, enfim, sabendo o que acontece nesse cenário", explica a estudante, que ainda conclui: "Normalmente, é nesses lugares que descubro coisas interessantes para ver em São Paulo e locais interessantes para conhecer. São lugares onde conheço todo mundo e as pessoas têm a ver comigo".
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