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Entre as coxias e as telas
Com uma carreira de 35 anos no teatro, Leonardo Medeiros é diretor e ator com passagem também pelo cinema e pela televisão. Nos últimos anos, notabilizou-se pelo papel em filmes premiados, como Lavoura Arcaica (2001), do diretor Luiz Fernando Carvalho; O Veneno da Madrugada (2004), de Ruy Guerra; Não por Acaso (2007), de Philippe Barcinski; Budapeste (2009), de Walter Carvalho; e O Tempo e o Vento (2012), de Jayme Monjardim, entre outros. Em 2012, criou o grupo Teatro da Rotina, do qual é diretor até hoje. A seguir, os melhores trechos do depoimento de Leonardo, no qual ele fala sobre o trabalho do ator contemporâneo, produção e criação de cinema e teatro no Brasil.
Leonardo Medeiros esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E no dia 14 de janeiro de 2016.
Carreira de ator
Não me considero ator até hoje. Virei ator sem querer. Meu sonho, quando era garoto, era ser diretor de cinema. Em São Paulo só tinha uma panelinha, eu não podia dirigir cinema, e comecei a dirigir teatro. Sempre fui autodidata. Passei pelas Artes Cênicas da USP [Universidade de São Paulo], mas não me enquadro na academia.
Comecei a fazer umas pontas e virei ator. Tenho uma carreira muito bonita no teatro marginal paulista, no teatro alternativo, muitas histórias de carregar cenário, subir escadas para montar luz. Naquela época, o ator se formava na ação. Um dia veio um diretor do Rio de Janeiro que estava fazendo testes para um filme. Ele tinha testado 2 mil atores no Brasil inteiro à procura de determinado personagem, e peguei esse papel no Lavoura Arcaica, um filme que passou a ser cultuado por uma parcela de pessoas que gostam de cinema. A partir desse filme comecei a fazer cinema, e depois acabei parando na televisão, onde estou há quase 15 anos.
Lavoura Arcaica
O filme é muito controverso. Há pessoas que amam, e pessoas que têm várias restrições. De qualquer maneira, é interessante, porque é um filme que incomoda. O diretor estava tão obcecado com aquela história, e queria realizar aquilo de maneira tão contundente, que levou todos os atores para uma fazenda no interior do Rio de Janeiro, fronteira com Minas Gerais, sem comunicação, rádio, televisão, nada. A gente acordava às 6 da manhã para ordenhar, trabalhávamos na lavoura, e à tarde ensaiávamos improvisações de quatro, cinco, seis horas. Era uma loucura.
Depois de três meses de internação na fazenda, mais quatro meses de filmagem, voltei para São Paulo e não conseguia me enquadrar. Acho que até hoje ainda estou meio abalado com isso. E há uma grande lição de direção nesse filme, que é você ver um diretor transpirando o filme que ele está se propondo a fazer, e de forma intuitiva controlando todos os aspectos da obra para construir um discurso muito consistente e coeso. Mesmo as pessoas que não gostam do Lavoura Arcaica respeitam o filme, porque é um trabalho muito consistente.
Teatro da Rotina
Sempre me senti vocacionado para dirigir, então juntei algumas pessoas e fundamos uma companhia [o Teatro da Rotina, criado em 2012] que tem um trabalho de formação humana e artística. Começamos a trabalhar profundamente para despertar nos intérpretes o artista que existe dentro deles. Fizemos um grupo de estudos, ficamos em cerca de oito atores estudando na minha casa durante um ano. Saímos de lá, alugamos uma sala de ensaio, e depois transformamos a sala de ensaio em teatro, onde construímos esse sonho de ter o nosso próprio espaço.
Os atores construíram o teatro em cada fio, cada tomada, cada plugue. Eles conhecem o teatro como se fosse a casa deles, então a gente tem um feedback muito legal do público. A gente conseguiu, de certa forma, recuperar um contato muito humano com o nosso público do teatro. O ator que entende do equipamento com o qual trabalha é um ator empoderado, artista, e não um funcionário. O ator criativo é autoral, é dono do próprio trabalho. Todo o nosso trabalho no Teatro da Rotina é empoderar os atores e fazê-los grandes performers.
Público
Tenho descoberto que a gente está diante de um público novo, diferente. O público, hoje, está interessado em ser iludido a ponto de, na experiência do teatro, sentir que está diante de uma experiência humana genuína. É claro que teatro é linguagem, que a gente está trabalhando premeditadamente para conseguir efeitos, mas o público quer ser iludido.
Acho que estamos vivendo uma volta da catarse. A gente viveu um período muito longo, a partir dos anos 1940, quando veio todo o teatro do pós-guerra, de um teatro muito cerebral, voltado para a conscientização e o distanciamento, para não deixar o público se envolver. Sinto que esse teatro está esgotado, apesar de ter um grande valor. Agora o público quer testemunhar a experiência humana, quer acreditar que o que está na frente dele realmente está acontecendo.