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Uma longa batalha em defesa da ecologia
Palestra e debate com o professor Paulo Nogueira Neto
Paulo Nogueira Neto formou-se em ciências jurídicas e sociais, antes de tornar-se livre-docente e doutor em história natural pela Universidade de São Paulo, onde se aposentou como professor titular de ecologia geral. Durante muitos anos dedicou-se ao estudo e ensino do comportamento dos animais sociais e das mudanças climáticas e ecossistemas terrestres.
Foi um dos fundadores do Departamento de Ecologia Geral, no Instituto de Biociências da USP. Foi titular da Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema) do Ministério do Interior, de 1974 a 1986, e da Secretaria do Meio Ambiente do Distrito Federal.
Foi eleito duas vezes vice-presidente do programa O Homem e a Biosfera, da Unesco. Presidiu o Conselho Federal de Biologia, tendo recebido distinções internacionais por seu trabalho em defesa do meio ambiente.
Atualmente é presidente da Associação de Defesa do Meio Ambiente, membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente e vice-presidente da S.O.S. Mata Atlântica, entre outras importantes atribuições ligadas a assuntos conservacionistas.
A palestra de Paulo Nogueira Neto foi proferida na Federação do Comércio do Estado de São Paulo no dia 18 de junho de 1999.
PAULO NOGUEIRA NETO - A criação de uma política brasileira para o meio ambiente sempre foi um desafio para nós, e tenho imenso prazer em dar um depoimento pessoal a esse respeito. As questões ambientais que abordamos desde o começo foram se tornando cada vez mais abrangentes, voltadas para um mundo globalizado e coincidindo de certa forma com a emergência de uma nova ideologia: a preservação da qualidade de vida no planeta.
Para chegar a esse ponto, porém, creio que o melhor mesmo é contar a história desde o início, já que sou considerado uma espécie de "fóssil vivo" nesse contexto. Posso dizer que vi o movimento em favor do meio ambiente nascer e crescer, e até hoje tomo parte ativa nele, desempenhando cargos que me permitem exercer alguma influência nesse setor. Por volta de 1956, não havia praticamente nenhum movimento organizado em prol do meio ambiente. Existiam no máximo duas ou três pequenas entidades voltadas para isso. Uma delas se dedicava a combater o eucalipto. Isso hoje pode parecer muito estranho, mas naquele tempo, de acordo com o que defendia essa entidade, a solução dos problemas ambientais dependia do combate ao eucalipto, considerado nocivo por causar a evaporação de grande quantidade de água da terra. Evidentemente, tratava-se de uma visão equivocada, que acabou não prevalecendo. O fato é que havia uma mentalidade desse tipo na época.
Ainda em 1956, existia um grande movimento em favor da ocupação das últimas terras no oeste do estado de São Paulo. O Pontal do Paranapanema, hoje ocupado pelos sem-terra, era constituído por uma mata compacta bastante extensa, de mais ou menos 200 mil hectares. Jânio Quadros, então governador do estado, resolveu criar ali uma reserva florestal (como se chamava naquele tempo). Mas, para isso, ele precisava da autorização da Assembléia Legislativa. "O Estado de S. Paulo" e a "Folha da Manhã", que depois se tornou "Folha de S. Paulo", enfim, os principais jornais, eram favoráveis à criação dessa grande reserva florestal. O assunto, porém, não sensibilizou a opinião pública, e a situação seguia dessa forma malparada. Um pequeno grupo, do qual eu fazia parte, começou a escrever cartas para as autoridades, defendendo a idéia de se criar a reserva florestal no Pontal. Também mandamos imprimir três blocos, cada qual com o nome de uma associação que só existia, literalmente, no papel. Até que um dia um deputado fez um discurso contra uma dessas entidades fictícias.
A partir disso, decidimos fazer a coisa seriamente e nos reunimos para formar uma entidade que denominamos Associação de Defesa da Flora e da Fauna e que continua existindo como Associação de Defesa do Meio Ambiente, da qual sou presidente e representante no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Naquela época, cabíamos todos dentro de uma perua Kombi. No Rio de Janeiro também surgiu um movimento que acabou se transformando na Fundação Brasileira de Conservação da Natureza (FBCN), que existe até hoje e da qual continuo como conselheiro.
Havia, portanto, dois pequenos grupos, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro; éramos vistos pela opinião pública como gente bem-intencionada, mas, ao mesmo tempo, como alguém vê um caçador de borboletas. A não ser do ponto de vista delas, ninguém é contra um caçador de borboletas, ou seja, ninguém dava muita atenção para o que fazíamos.
A indústria tinha se desenvolvido, e Roberto Simonsen, que se tornou um grande líder, como todos sabemos, estabeleceu com seu grupo certos princípios de reserva de mercado que durariam mais ou menos até o governo Collor. É importante mencionar esse fato, pois ele também marcou o surgimento de uma mentalidade que teve uma certa repercussão, mais tarde, em relação ao meio ambiente. De acordo com a reserva de mercado, como sabemos, não se importava nada que pudesse concorrer com similar nacional. Era muito compreensível que assim se procedesse, porque todos os países que se desenvolveram tiveram suas reservas de mercado e cresceram graças a elas. Então o Brasil não estava fazendo nada mais do que seguir a receita dos outros países para se desenvolver, o que representava algo necessário naquele momento. Mas essa decisão econômica teve uma série de conseqüências a médio e a longo prazo. Uma delas é que acabou propiciando o aparecimento de uma certa concepção de Brasil como um país sitiado. Dessa forma, a nação se considerava sitiada pelos outros países do mundo, inclusive ao sul, porque nossas relações com a Argentina não eram muito boas.
De fato, víamo-nos como um país que precisava se defender economicamente dos outros, e essa mentalidade não se restringia a um pequeno grupo de diplomatas ou de militares, era geral, e teve profundas conseqüências em vários setores. Um deles foi o meio ambiente.
Já em 1972, ano em que se realizou a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo, foi possível reunir um grande número de países para tratar de assuntos ecológicos e, nessa época, só havia entidades ambientais centrais em 16 países. As organizações não-governamentais também começavam a surgir, mas sua atuação ainda era muito discreta. O Brasil foi para a Conferência de Estocolmo com essa mentalidade de país sitiado. Por isso, era comum imaginar que a conferência seria um perigo que poderiam acontecer coisas muito ruins em decorrência dela. Também fazia parte dessa mentalidade achar que as demais nações queriam que o Brasil e outros países em desenvolvimento gastassem os poucos recursos econômicos que tinham com medidas que iriam encarecer a produção industrial, dificultando assim exportações e o desenvolvimento; além do mais, como o país é muito grande, havia a idéia de que podia conviver com alguma parcela de poluição. Pouco tempo depois da Conferência de Estocolmo, o governo de Goiás publicou nos jornais um anúncio que mostrava uma chaminé soltando fumaça, onde se lia: "Traga para Goiás a sua poluição". Havia essa concepção de que ainda podíamos poluir, e que, portanto, era um exagero gastar dinheiro com medidas de prevenção, quando o certo era investir em coisas mais produtivas, etc.
Muitas vezes as pessoas se esquecem de que a poluição decorre em grande parte das deficiências no processo de produção, de modo que os cuidados com o meio ambiente no mundo todo foram muito importantes para a atualização das atividades de produção, modernizando conseqüentemente a própria indústria. Mas isso não era percebido dessa forma naquela ocasião. Só se via o aspecto relacionado à concorrência internacional, acrescido da idéia de que poderia prejudicar seriamente o Brasil a curto prazo.
Henrique Brandão Cavalcanti, que se tornaria mais tarde ministro do Meio Ambiente, era o secretário da delegação brasileira na Conferência de Estocolmo. Ele sempre se preocupou com os assuntos ambientais e conseguiu mudar a mentalidade dentro da delegação brasileira, e o Brasil acabou assinando a declaração da Conferência de Estocolmo, sem nenhuma reserva, concordando plenamente com suas conclusões: estava na hora de cuidar do meio ambiente, devido aos danos que já começavam a ocorrer em grande escala.
O governo federal decidiu então organizar uma entidade brasileira de proteção ambiental e criou a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema). O Ministério do Interior, diga-se de passagem, constituía um governo dentro do governo, pois era um órgão de desenvolvimento. Todos os órgãos de desenvolvimento, além de outras atividades, pertenciam a esse ministério. Mas Cavalcanti, quando estava no Ministério do Interior, criou a Sema dentro desse órgão porque era a favor do meio ambiente e se interessava pelas questões ecológicas.
Finalmente Cavalcanti me convocou para ir a Brasília e lá me mostrou o decreto. Quando o li, desanquei o documento, concluindo: "Esse decreto dá à Secretaria do Meio Ambiente mais funções consultivas". O que se pretendia de nós era levantar na opinião pública a questão ambiental, fazer com que as pessoas se preocupassem mais com o meio ambiente, evitassem atitudes predatórias, coisas desse tipo. Mas não havia o menor poder de polícia, tudo devia funcionar apenas na base missionária em relação ao meio ambiente. Então afirmei que o decreto era ruim por tudo isso. Quando acabei de falar, ele me surpreendeu perguntando: "Mas você concordaria em ser o secretário do Meio Ambiente?" Quase caí de costas, não estava esperando por aquilo. Limitei-me a dizer: "Se minha mulher concordar, estou de acordo", porque uma decisão daquelas mudaria radicalmente minha vida, como mudou mesmo.
Só para encurtar a história, passei 15 anos em Brasília. Naquele tempo, já era professor assistente da USP, pedi licença, renovando-a anualmente para poder permanecer em Brasília.
O cargo que assumi tinha um nome muito importante: secretário especial do meio ambiente. Colocaram-me à disposição duas salas e cinco funcionários. E comecei a me ocupar pensando em como mudar as coisas, enfim, planejar uma ação mais positiva em relação ao meio ambiente. Pensei muito e concluí: "O jeito é entrar em contato com a imprensa".
Tratava-se de uma época politicamente delicada, difícil e complicada. Os funcionários públicos evitavam dar entrevistas. Ninguém queria se expor, pois, se dissesse algo que não soasse bem, seria demitido com certa facilidade. No meu caso, o pior que poderia acontecer seria voltar para São Paulo, onde sempre estive muito bem. Portanto, podia assumir certos riscos, e assim desandei a dar entrevistas, mostrando os problemas existentes. No Rio Grande do Sul as instalações da Borregaard exalavam um mau cheiro horrível na cidade de Porto Alegre. A população estava desesperada com a situação da empresa, que realmente não possuía equipamentos adequados para combater a poluição decorrente de suas atividades industriais. Mais tarde, a Riocel, que substituiu a Borregaard, adquiriu esses equipamentos básicos, e hoje suas atividades não constituem um problema para a cidade. Mas naquela época era uma situação terrível. Havia outros casos semelhantes, como fábricas de cimento que despejavam pó em cidades, como ocorria em Contagem, Minas Gerais.
Enfim, esses eram alguns dos problemas principais. E havia outros que constituíam verdadeiros absurdos. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, havia uma lei municipal que dizia apenas o seguinte: "Cada edifício ou prédio de apartamentos é obrigado a incinerar o lixo". A lei era cumprida à custa de uma fumaceira que se espalhava pela cidade, prejudicando muito a qualidade do ar. Mas o pior nessa história toda, e que não se sabia na época, é que a queima desse tipo de material orgânico produz dioxina, um dos piores venenos existentes na face da Terra. Muita gente deve ter morrido em decorrência disso. Só que a causa da morte não era diretamente relacionada à dioxina, mas a outros motivos. O objetivo da lei era fazer economia com o transporte do lixo, pois, transformado em cinzas, o volume a ser coletado ficava bem menor.
Havia absurdos desse tipo que precisavam acabar, e graças a uma certa propaganda veiculada pelos jornais e pela televisão fomos recebendo mais recursos, tanto materiais quanto humanos. A Sema foi crescendo. Quero lembrar que eu deveria ficar apenas dois meses na Sema, porque havia começado nos dois meses finais do governo Garrastazu Médici: assumi em janeiro de 74. Mas como Henrique Cavalcanti continuou no ministério, durante o governo Ernesto Geisel, também fiquei, e acabei sobrevivendo a quatro governos. Acho que é um recorde.
Voltando ao assunto de Contagem, o presidente Geisel se interessou pessoalmente pelo caso e decidiu acompanhar de perto os acontecimentos. Pela primeira vez, começamos a contar com força política para poder agir realmente e não apenas dar opiniões, o que nos permitiu coordenar uma ação para resolver aquele problema. Utilizamos inicialmente um tipo de precipitador que não funcionou muito bem, e que por isso foi substituído por um modelo eletrostático, o qual resolveu definitivamente o problema. Atualmente as fábricas de cimento continuam utilizando os precipitadores eletros-táticos para controlar a poluição que produzem.
O presidente Geisel se interessou tanto que resolveu agir por meio de um decreto-lei. Foi o primeiro decreto-lei, em 1976, que tornou a poluição proibida, e sujeitava as empresas que a produzissem a penalidades, a multas e até ao seu fechamento. Mas esse decreto-lei foi mal redigido; nós não tivemos quase nenhuma influência na sua elaboração. Um dia, o ministro Maurício Rangel Reis, do Interior, me chamou e me entregou uma minuta do decreto. Pensei que teríamos alguns dias para examiná-lo, mas esse tempo se restringiu a no máximo meia hora. Mal tivemos tempo de lê-lo e fazer uma ou outra sugestão, pois ele foi publicado imediatamente. O presidente tinha pressa em resolver aquela questão, e de fato ela acabou sendo solucionada. Mas não havia ainda uma legislação boa a esse respeito.
Na Sema, tomamos a decisão de defender dois grandes objetivos. Um, justamente o que se esperava mais de nós, era o de estarmos atentos à poluição, principalmente a de caráter industrial, mais visível, mas visando sempre a poluição de modo geral. E o outro, que acrescentamos ao primeiro, se voltava para a proteção da natureza. Sou a favor dessa política de dar proteção à natureza, por isso também resolvemos fazer isso. Naquele tempo, a área de proteção à natureza estava entregue ao Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal, o IBDF, que se encontrava sem muita força, porque no Ministério da Agricultura o interesse era outro: arroz, feijão, milho, café, cana-de-açúcar. Nem se cogitava em proteger floresta, a idéia de reflorestamento era algo incipiente, e havia muito pouco investimento para essa área. A iniciativa privada começava a entrar nesse campo, mas não havia ainda o investimento de recursos que passou a existir mais tarde.
O IBDF não tinha meios de proteger novas áreas naturais, portanto resolvemos ocupar esse vácuo de poder na Sema. O meio ambiente era uma preocupação que começava a ser levada a sério, por isso procurávamos ocupar os espaços, e um deles era justamente o do IBDF em relação à proteção da natureza. Por outro lado, não queríamos entrar em atrito com o órgão, nem podíamos, já que estávamos no mesmo governo. A saída foi duplicar o que o IBDF estava fazendo, sem tentar substituí-lo ou entrar em choque com ele. Houve até fatos curiosos que hoje podem parecer bastante estranhos. Por exemplo, eu proibia meu pessoal de usar a palavra "floresta". Não proibia, exatamente, mas dizia para eles: "Nunca falem em floresta". Pode parecer absolutamente estranho: se quero proteger a floresta, como vou aconselhar meu pessoal a não dizer essa palavra? O fato é que o IBDF se julgava dono das florestas. Se começássemos a falar nelas, os homens de lá iam cair em cima de nós, criando uma situação muito desagradável. Em São Paulo, Frederico Hoene, um grande botânico, fundou o Instituto de Botânica e usava muito a palavra "biota". Achávamos uma coisa bastante estranha. Então meu pessoal também passou a falar em biota. Até o IBDF descobrir o que estávamos fazendo, já tínhamos ocupado esse espaço.
Nosso grupo acabou propondo o que seria de fato a primeira lei ambiental, no país, destinada à proteção da natureza. Foi a lei 6.902, de 1981, considerado, por nós, um ano-chave, em que muita coisa mudou em relação ao meio ambiente brasileiro. O presidente da República era o general João Figueiredo, e ele tinha simpatia pelas questões ambientais, o que nos ajudou muito. Resolvemos então criar uma rede de estações ecológicas. Nesse caso, a palavra "estação" significa "pesquisa". A estação ecológica serviria para proteger as áreas naturais, destinando-as à pesquisa. Então elaboramos uma lei defendendo essas idéias e fornecendo os detalhes para sua prática, institucionalizando o que já havíamos começado a fazer, que era criar essas unidades de conservação, partindo sempre do princípio de que a melhor maneira de proteger a natureza é através de seu estudo. Defendíamos a posição de que os pesquisadores são elementos de primeira linha, que diante de qualquer irregularidade percebida comunicam o fato, imediatamente, às autoridades, ajudando-as a administrar as áreas naturais.
Para o país, essas mudanças também significavam uma coisa muito interessante, porque passaríamos a conhecer melhor nossos recursos naturais. Elaboramos uma lei ambiental que viabilizou também a criação das Áreas de Proteção Ambiental (Apas), hoje muito populares no Brasil. Há áreas de proteção ambiental também na Europa com o nome de parques naturais, como em Portugal, de onde eu trouxe essa idéia. A diferença entre esses outros tipos de unidade de conservação e as Apas é que estas constituem mais um tipo de zoneamento, de manejo territorial ou administração territorial, o que é perfeitamente compatível com a propriedade privada. Para fazer uma Apa não é necessário desapropriar, mas apenas promover um zoneamento dentro da área. Há inclusive certas áreas que o Código Florestal já determina que devem ser mantidas, constituindo locais destinados à vida silvestre da Apa. Ela também pode ter loteamentos, desde que sejam bem-feitos. Pode investir na agricultura, uma vez que adote normas de conservação do solo.
A Apa foi criada para constituir uma espécie de ordenamento territorial, para usar uma expressão mais técnica, e não afetava a propriedade privada. Pelo contrário, acho que num futuro próximo as propriedades dentro das Apas vão ser até valorizadas, porque quem possui terras nessas áreas de proteção ambiental sabe que não terá um vizinho desenvolvendo atividades poluidoras, além de estar certo de que sua propriedade será sempre bem cuidada sob o aspecto ambiental, etc. Mas, para evitar conflitos com o IBDF, usávamos a palavra "biota" em vez de "floresta". O senador Aluísio Chaves, que foi governador do Pará e professor universitário naquele estado, foi designado relator da matéria no Congresso, e por isso discutimos juntos como colocar a lei em prática, respeitando o princípio da propriedade privada e ao mesmo tempo restringindo certos usos da terra, no intuito de ter uma melhor qualidade ambiental, o que é uma coisa meio delicada. Acho que conseguimos encontrar o caminho para fazer tudo isso.
Havia duas questões interessantes. Uma delas é que a Apa comportava projetos de urbanização, mas, se fizéssemos qualquer restrição e usássemos a palavra "loteamento", essa lei não passaria nunca. Então ficamos pensando em como afirmar isso sem correr riscos. Assim, tive uma idéia: ninguém pode fazer um loteamento sem empregar movimento de terra, ou seja, sem fazer terraplanagem. Afirmamos então que qualquer terraplanagem dentro de uma Apa que pudesse causar erosão (basicamente toda terraplanagem precisa ser bem-feita para não causar erosão) necessitava de licença do órgão administrador da Apa. Dessa forma, conseguimos que os projetos de urbanização fossem realmente bem-feitos, bem-cuidados, que não fossem implantados em encostas de morro e causassem erosão. Por exemplo, uma Apa não permitiria um loteamento nas ruas tão inclinadas que existem nas vertentes da Avenida Paulista. A sua urbanização foi feita numa ocasião em que ainda não se pensava tanto nos problemas de manejo urbano. A cidade de São Paulo possui ruas antigas que apresentam inclinação e traçado que não deveriam ter. Mas essa é uma outra história. Seguindo essa estratégia, resolvemos essa parte de urbanização. A outra questão surgiu quando a lei estava para ser votada. O líder da oposição, deputado federal Modesto da Silveira, do Rio de Janeiro, afirmou num dado momento: "Estou lendo a palavra 'biota' e não sei o que ela significa. Então indago do líder da maioria que me diga o que quer dizer biota". O líder da maioria, Bonifácio de Andrade, que é deputado até hoje, também não conhecia essa palavra. Então retiraram a lei de pauta e me convocaram. Procurei dar uma explicação sucinta: "É muito simples, biota quer dizer fauna e flora. Flora e fauna em conjunto formam a biota". Assim ela foi unanimemente aprovada. Era nosso primeiro projeto e estava aprovado por todos, consolidando com isso as estações ecológicas e as Apas. Hoje o Brasil já tem 6 milhões de hectares de Apas. Para se ter uma idéia do que isso significa, basta dizer que a área do Líbano é de mais ou menos 1 milhão de hectares. Só de Apas o Brasil possui o equivalente a seis Líbanos, portanto trata-se de uma área bastante expressiva. Atualmente estou apresentando um projeto ao Conselho Nacional do Meio Ambiente sobre a gestão das Apas, porque cometi o erro de não me referir a ela nos projetos anteriores. Ainda não tínhamos a experiência que temos hoje a esse respeito. Para a gestão das Apas, é necessária a participação da iniciativa privada, não somente dos proprietários das terras, mas também das organizações não-governamentais que se interessam pelo assunto. A comunidade precisa participar, pois, se ela não estiver presente, o gerenciamento das Apas fica a critério do administrador local. Em resumo, as Apas são administradas muito melhor de maneira participativa. Naquele tempo, governar era uma coisa, participar era outra, por isso, de modo geral, a comunidade não participava da administração. Hoje, felizmente, não existe essa visão, ou ela pode existir de forma residual. E assim fizemos nossa parte.
Outro ponto igualmente significativo, em alguns aspectos até mais importante, era o que se referia ao controle da poluição. Em 1981, o Ministério do Interior apresentou um projeto ao Congresso. Tomei parte na sua redação, que incluía a lei da política nacional de meio ambiente. Através dela, propúnhamos uma série de medidas que dariam poder de polícia às entidades encarregadas de cuidar da administração ambiental, poder que alguns estados já estavam pondo em prática. A Cetesb (Companhia de Tecnologia do Saneamento Ambiental), que já existia em São Paulo, exercia o poder de polícia, mas ainda era um fato incipiente.
Nessa legislação aconteceu algo surpreendente. Quando ela foi para o Congresso, dada a sua importância, criou-se uma comissão mista de governo e oposição. Essa comissão, que contava com cerca de 40 pessoas, entre deputados e senadores, decidiu fazer um projeto realmente bom. Senti isso muito de perto porque eu era o principal consultor deles. Todos trabalharam juntos, sem distinção de governo e oposição. Então o projeto foi apresentado, votado e aprovado. Para ter uma idéia melhor do que representava, o projeto tinha uns 26 artigos. Quando foi aprovado, o grupo que temia os assuntos referentes ao meio ambiente, por julgá-los um fator que poderia prejudicar a economia, o desenvolvimento do país, ficou muito assustado, fazendo campanha contra e pedindo 13 vetos ao presidente Figueiredo. Pode-se imaginar uma lei de 26 artigos com uma proposta de 13 vetos; era realmente para liquidar o projeto que havia sido aprovado de maneira praticamente unânime. O único artigo que havia sido recusado, apresentado pelo senador Franco Montoro, era o que previa a pena de prisão para os poluidores. O grupo achou que seria demais: multa, sim; prisão, não. Esse foi o único ponto em que houve divergência e que acabou sendo retirado do projeto. Mas o resto foi aprovado por unanimidade. Com os 13 pedidos de veto, porém, criava-se um problema sério, porque a opinião pública era favorável ao meio ambiente, mas as pessoas que estavam pedindo os vetos tinham bastante força no setor econômico. Em relação a esses vetos, concordávamos com dois deles, referentes a alguns pontos que realmente não precisavam estar lá e provavelmente eram inconstitucionais, e que, portanto, não fariam muita falta. E, para nossa surpresa, o presidente da República não aceitou 11 deles. Ele deu total ganho de causa ao lado ambiental.
Depois disso, a lei foi aprovada e entrou em vigor. Ela estabelecia algumas normas que eram e ainda são bastante adiantadas para a época. Já foi modificada e aperfeiçoada em alguns pontos, mas mantém-se basicamente a mesma. Dentre outras coisas, ela criou o Conselho Nacional do Meio Ambiente, que tem poderes regulamentadores, coisa que nos Estados Unidos, por exemplo, não existe. Por outro lado, é o Conama que estabelece padrões de meio ambiente. Nos Estados Unidos, é o próprio Congresso que estabelece essas normas. No Brasil só há dois conselhos com poderes regulamentadores realmente grandes: o Conselho Monetário Nacional (CMN), que hoje é constituído principalmente por entidades do próprio governo, e o Conama.
Houve até um fato interessante na ocasião em que o Conama foi lançado. O ministro do Interior era Mário Andreazza. Numa palestra no ministério, quando tinha o ministro ao meu lado, eu disse: "Pela primeira vez, o governo federal se coloca em minoria no Congresso". Afirmei meio provocativamente, porque havia muita "turminha" dentro do ministério. O ministro se surpreendeu: "Como? Estamos em minoria?" E eu o acalmei, dizendo: "Não, ministro. O senhor pode ficar tranqüilo, há aqui representantes dos estados, das entidades, da Confederação Nacional da Indústria, da Confederação Nacional do Comércio, da Confederação Nacional da Agricultura". Mas ele não conhecia bem os detalhes e ficou inicialmente preocupado. O Conama tem funcionado com altos e baixos, já tentaram acabar com ele mais de uma vez e não conseguiram. Ele começou com cerca de 30 membros, hoje tem 70. Mas como funciona um conselho com 70 membros? O fato é que ele funciona, mesmo porque tem as câmaras técnicas, que resolvem os problemas, e, quando algum projeto vai para o Senado, já está bem preparado, contando com um certo consenso. Por causa disso tudo o Conama funciona bastante bem.
Ainda a respeito dele, ocorreu um episódio curioso. Uma vez recebi um telefonema do ministro Andreazza, que me disse: "Você convocou uma reunião contra o governo no meu ministério?" Eu fazia questão, diga-se de passagem, de não me envolver em política. Talvez por isso tenha ficado tanto tempo no governo. Minha atuação sempre foi puramente técnica, e nunca perguntei às pessoas sobre seu partido ou idéias políticas. Mas ele insistiu: "Você convocou uma reunião contra o governo no meu ministério?" Na verdade, tínhamos convocado uma reunião para examinar um projeto de lei sobre a regulamentação da produção de agrotóxicos e a aprovação de seu uso. Era um projeto muito ruim, e achávamos que o controle sobre os agrotóxicos não era satisfatório. Tínhamos um ponto de vista diferente do adotado pelo grupo que havia apresentado o projeto, ligado aos interesses de grandes indústrias fabricantes de produtos agrotóxicos, etc. Afirmei: "Olhe, ministro, não vamos mais fazer a reunião em seu ministério, e, se der tudo errado, o senhor me demite. Então, na manhã seguinte, quando chegaram os membros do Conama, com o grupo todo deixamos o prédio do ministério e fomos fazer a reunião em outro lugar fora da sala do governo. Produzimos um projeto construtivo, mostrando as falhas do que havia sido apresentado antes. Não ocorreu nenhum problema, pelo contrário, nosso trabalho representou uma contribuição bastante boa. Isso tudo é só para falar das dificuldades que tivemos na época, até que o tema ganhou mais firmeza.
Outro fato importante relacionado a esse projeto é que ele criou o licenciamento ambiental: licença de localização, licença inicial, licença de instalação e por fim licença de operação, renovável de tempos em tempos. Qualquer atividade potencialmente capaz de causar poluição ambiental precisa contar com esses tipos de licença - na verdade, trata-se de uma mesma licença em fases diferentes. No início, elas tinham caráter federalista, mas sempre procurei agir de modo a promover sua descentralização. Hoje os governos estaduais são responsáveis por elas, não mais o federal. Brasília, sob o ponto de vista da federação, é uma cidade muito importante, pois representa o ponto de encontro do Brasil todo. Apesar disso, o governo central teve que assumir uma atividade mais coordenadora e supletiva, suprindo a falha dos estados ou atuando quando um deles deixasse de cumprir uma lei federal, mas sem agir diretamente. A atividade principal deve ser delegada aos estados. No Ministério do Interior, embora existisse um regime sob certos aspectos centralizador, prevalecia, curiosamente, essa mentalidade federalista e descentralizadora. E em relação à licença havia esse espírito federalista e descentralizado. Com referência às multas ocorreu também um fato interessante. Foi minha a proposta de que 90% da multa pudesse ser cancelada, desde que quem fosse multado se comprometesse a investir esse valor num programa destinado a evitar o episódio que tinha dado origem à multa. Com isso, incentivávamos as pessoas a procurar resolver os problemas, o que era mais significativo do que simplesmente recolher dinheiro para o Tesouro.
Há uma história de que me lembro sempre. Numa cidade do interior havia num gramado de um jardim público um aviso onde estava escrito que quem pisasse na grama teria que pagar uma multa hoje equivalente a R$ 2 mil. Um sujeito que passava por lá achou o valor bem alto. No ano seguinte, ele voltou à cidade e notou que a multa para a mesma infração tinha passado para R$ 20. Então ele foi se esclarecer com o guarda: "Mas como? Passou de R$ 2 mil para R$ 20?" E o guarda explicou: "Pois é, seu doutor, com R$ 2 mil ninguém pisava na grama". A finalidade da multa era arrecadar, e não evitar o ato.
Quando saí da área federal, após 12 anos de trabalho, com todas as honras, fui convidado pelo governador José Aparecido, do Distrito Federal, para instalar um programa de meio ambiente. Organizei a Sematec, órgão de meio ambiente, ciência e tecnologia. Tratava-se de uma ação mais executiva, pois tínhamos que multar aqueles que poluíam e, sempre que isso acontecia, depois de alguns dias aparecia ali o multado acompanhado de um deputado ou senador. Dizíamos que era impossível cancelar a multa, mesmo porque isso já havia acontecido, perturbando a vizinhança, etc., mas podíamos transformar até 90% da multa em investimento para o desenvolvimento. Isso deixava todos satisfeitos e felizes. A verdade é que, em primeiro lugar, ninguém gosta de pagar multa, em segundo, se além de pagar a pessoa tiver que gastar dinheiro para consertar o erro, melhor gastar só para consertá-lo. Esse deve ser o espírito da multa, pois penso que ela deve ter principalmente uma finalidade educativa, destinada a resolver os problemas.
Não vou entrar muito nesses detalhes, mas quero falar um pouco sobre uma nova legislação que considero muito importante, porque se refere às grandes áreas do país. É uma legislação sobre as penalidades ambientais. Elas eram extremamente severas quando se referiam, por exemplo, à defesa da natureza. Se uma pessoa matasse um tatu, respondia a processo preso; se matasse um guarda, respondia a processo em liberdade. Havia coisas absurdas como essas, e por isso do ponto de vista prático a legislação quase não era aplicada, pois o juiz sabia que, se a aplicasse, colocaria um cidadão comum que matara um tatu na companhia dos piores elementos da sociedade, ou seja, na prisão (sabemos bem que as prisões brasileiras são terríveis e altamente deseducativas). Com isso, provavelmente iria destroçar uma família, causar muitos problemas sociais. Soube certa vez que o presidente de um dos tribunais de São Paulo havia mandado fazer sigilosamente uma enquete em vários estados para saber quais estariam aplicando a lei; surpreso, verificou que só o Rio Grande do Sul a estava aplicando, assim mesmo raramente. Talvez ali as autoridades fossem mais severas.
De qualquer forma, essa nova legislação tem muitos defeitos de ordem técnico-jurídica, que poderão ser sanados pela jurisprudência dos tribunais, já que foi aprovada apressadamente. As penalidades, porém, podem e devem ser transformadas pelos juízes em obrigações de prestação de serviços. São denominadas penas alternativas. Se alguém matar um tatu, por exemplo, deve trabalhar no viveiro municipal de mudas, durante um ano, mais ou menos. No futuro, essas penas alternativas provavelmente vão ser estendidas a outros crimes. Há um projeto no Senado que inclui nessa categoria as penas comuns abaixo de quatro anos. Em relação ao meio ambiente, ela já está em vigor, quando estiver abaixo de quatro anos. Para quem cumprir bem a pena alternativa, que no caso do meio ambiente será executada em parques públicos e unidades de conservação ambiental, há a possibilidade de se manter a pessoa no trabalho, transformado em emprego, além de receber até elogio público, pois terá aprendido uma profissão. Como vemos, esse é o tipo de punição que realmente contém uma finalidade educativa. Por outro lado, passar sábado e domingo ou alguns dias da semana trabalhando num viveiro não é uma das tarefas mais agradáveis, especialmente se o sujeito tiver outras coisas para fazer. Em todo caso, há uma finalidade altamente educativa nisso, mudando muito a perspectiva em relação à aplicação de penas. Nos órgãos públicos, essas penalidades também são aplicadas aos administradores que se omitirem em relação às próprias obrigações ambientais ou que derem licença em desacordo com a legislação. Provavelmente haverá um grande impacto diante da possibilidade de que os administradores de órgãos públicos sejam acusados de omissão ou de ter cometido favorecimentos, nas suas decisões, a tal ponto que possam prejudicar o meio ambiente. Portanto, essa nova legislação também deve influenciar bastante a administração pública.
Alguns atos que não eram punidos passarão a ser, como a crueldade em relação aos animais, que ocorre com certa freqüência. A farra do boi, em Santa Catarina, é um escândalo, pois o animal é torturado até morrer. Este ano, logo depois da aprovação da lei, nos lugares onde existe a farra do boi, ninguém maltratou o animal, as pessoas se limitaram a correr atrás dele, imitando touradas.
Portanto, já houve uma mudança bastante favorável, principalmente onde a cultura popular da farra do boi era mais arraigada.
Antes de encerrar, gostaria de abordar um assunto que considero muito importante em relação ao meio ambiente. Fiz parte da Comissão Brudtland, uma das três únicas que foram promovidas e aprovadas pela Assembléia Geral das Nações Unidas. Uma delas foi sobre zoneamento, outra sobre problemas econômicos e aquela de que participei foi sobre desenvolvimento e meio ambiente. Fui um dos dois representantes da América Latina nessa comissão, que a cada três meses se reunia num país diferente e participava de uma audiência pública com representantes de outros países. Nessas oportunidades, eu ficava mais um tempo viajando para conhecer melhor algumas áreas naturais locais. Era uma comissão que tinha recursos e contratava especialistas nos diversos assuntos. O problema demográfico era uma das nossas maiores preocupações, pois o mundo estava crescendo a uma média mundial de 2% ao ano. Ora, com uma média dessas, a população do mundo dobra em 36 anos. Pode parecer que 36 anos é muita coisa, mas em termos históricos ou geológicos não é nada. Hoje há perto de 6 bilhões de habitantes na Terra, mas calcula-se que a capacidade do mundo de sustentar bem sua população inclua no máximo 10 ou 12 bilhões de pessoas. Naturalmente, são cálculos relativos, indicativos de que a população mundial poderia dobrar uma vez. Duas vezes, porém, nem pensar. O planeta não iria acabar por causa disso, mas, com mais de 12 bilhões de pessoas, o mundo poderia virar uma grande Somália ou um grande Haiti. Temos que recuperar a Somália e o Haiti, e não trazer para o mundo a perspectiva de fome, não apenas para milhões, mas para bilhões de pessoas. Por isso, seria uma desgraça para o mundo todo a ocupação desregrada do planeta por uma imensa população humana faminta; e os grandes focos de fome, que já existem hoje, seriam muito ampliados. Enfim, teríamos um cenário catastrófico.
Começamos a pensar seriamente no que fazer para controlar o crescimento demográfico, problema muito complexo e com diversos fatores culturais. O que mais chamou nossa atenção foi o seguinte: por que a população explode basicamente em lugares onde existe miséria? Isso ocorre porque, se uma família em situação de miséria conta com vários membros, e cada um contribui com um pouquinho que seja, a família consegue sobreviver, ainda que muito mal.
Existe até uma história conhecida no nordeste do Brasil e outra no sul da Índia que são mais ou menos iguais. Perguntaram a um casal de jovens nordestinos quantos filhos queriam ter, e eles disseram: "Nove". "Por que nove?" E eles responderam: "Três vão morrer crianças (a mortalidade infantil é muito alta), três vão para São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília, e três vão ficar aqui para cuidar de nós quando formos velhos". Geralmente, numa situação de miséria, a pessoa se preocupa com a própria sobrevivência na velhice. Quando tem muitos filhos, poderá contar com alguns.
Já nos lugares onde a miséria foi vencida e existe uma situação melhor, a preocupação passa a ser outra. Os casais procuram ter poucos filhos para educá-los com mais rigor, de modo que eles possam realmente progredir na vida, ter uma profissão. Essa é uma ambição da população que se pode compreender perfeitamente. Evidentemente, melhores condições de vida propiciam uma educação melhor e o acesso a outros valores. No Brasil, podemos ver isso de maneira absolutamente clara. De acordo com os últimos dados do IBGE, o aumento da população brasileira já caiu bastante, para 1,4%, e continua diminuindo. A única área do Brasil onde a população continua explodindo é a Amazônia. Acontece que ali a população vive num nível de subsistência. Vou freqüentemente para a região, até comprei duas casas em Xapuri, no Acre. Sou consultor do Banco Mundial, e numa dessas viagens fiquei conhecendo Xapuri, os seringueiros, os extrativistas, e achei a vida bastante interessante. Além disso, também lido com abelhas indígenas, e ali há abelhas especiais. Para encurtar a história, tenho muito contato com Xapuri, com os seringueiros e os castanheiros. E a verdade é esta: trata-se de uma população muito pobre. Para se ter uma idéia da sua condição de vida, um seringueiro que se dedique só à sua atividade ganha o equivalente a R$ 30 por mês. Realmente é uma situação pavorosa. Embora R$ 30 não represente o mínimo para sobreviver, é sempre possível plantar alguma coisa, e isso ajuda. O que se conclui é que precisamos de fato erradicar a miséria. Antes havia na comissão um consenso de que era preciso primeiro desenvolver para acabar depois com os bolsões de miséria. Mas desenvolver como? Alguém na comissão, cujo nome se perdeu, usou pela primeira vez a expressão "desenvolvimento auto-sustentável". Pegou a tal ponto que hoje todo mundo utiliza esse conceito. O desenvolvimento auto-sustentável é não-predatório e contempla as gerações futuras. Essa é a base do conceito. Então a Comissão Brudtland propôs que se empregasse o desenvolvimento auto-sustentável para erradicar os bolsões de miséria. Um dos membros da comissão, Maurício Strong, que foi secretário-geral da Rio 92 e é alto consultor das Nações Unidas, mandou fazer um levantamento para saber se isso seria viável. Afinal, quanto iria custar para erradicar a miséria? Esse levantamento foi feito, e nos Estados Unidos chegaram à conclusão de que, se o mundo gastasse US$ 250 bilhões por ano, num período de 10 a 20 anos (o prazo é imprevisível, embora pareça razoável) seria possível erradicar a miséria do planeta. Estava tudo dentro das possibilidades.
Na época da guerra fria, o mundo gastava US$ 1 trilhão por ano em armamento, agora gasta US$ 500 bilhões. E a melhor coisa que se pode fazer com armamento bélico é justamente não usá-lo. Gasta-se mais com algo que é melhor não usar, do que seria necessário para erradicar a miséria. No fundo, o que falta é decisão política, vontade política. Creio que aos poucos o mundo vai adquirindo essa vontade política. Hoje já se empregam US$ 80 bilhões em projetos de desenvolvimento local. A Rio 92 lançou a famosa Agenda 21, que, para o povo, é um número muito misterioso, associado com a pinga 51. Na verdade, a Agenda 21 propõe que cada comunidade verifique que medidas a sociedade, de modo geral, precisa tomar para obter um desenvolvimento auto-sustentável e dessa forma erradicar a miséria. (A prefeitura de São Paulo fez um dos melhores projetos da Agenda 21.) Esse é um processo que continua. Cada localidade tem suas modalidades, seus problemas diferentes, mas o objetivo é sempre o de acabar com a miséria.
Quando começamos a tratar da flora e da fauna, achávamos que meio ambiente era só isso. Depois incorporamos a questão do controle da poluição e, agora, finalmente, pensamos que o problema ambiental número um é a erradicação da miséria. Temos que erradicá-la, não somente porque se trata de um imperativo moral, mas também para que a boa qualidade do mundo seja preservada, o que não é possível sem resolvermos o problema da miséria. Além do mais, grande parte das agressões ambientais decorre da miséria. Para sobreviver, muitas vezes a pessoa faz coisas que normalmente não faria.
Exatamente quando as grandes ideologias fracassam, como o socialismo, e o capitalismo selvagem é considerado coisa do passado, temos que conceber uma nova ideologia. O meio ambiente talvez nos ajude a criá-la, tendo como preocupação básica questões como a erradicação da miséria, o estabelecimento de normas e padrões que permitam uma vida de boa qualidade, que não seja ameaçada por poluentes nocivos aos seres vivos e outras coisas desse tipo. Felizmente há uma mudança significativa de mentalidade no mundo atual.
Até mesmo sob o aspecto teológico, existe o impacto dessa nova mentalidade, porque começamos a considerar nosso próximo não apenas os da nossa geração, os que estão perto de nós ou mesmo aqueles que habitam nosso planeta. A concepção de proximidade, na verdade, também inclui as gerações futuras, porque elas dependem muito de nós.
Admito que sou moderadamente otimista a respeito do futuro. Penso que o pessimista não faz nada, por isso sem uma certa dose de otimismo pouco pode ser realizado. Por outro lado, um otimismo exagerado denota apenas ingenuidade, porque batalhar pelas mudanças necessárias pode ser uma tarefa bastante difícil. Precisamos cultivar um otimismo moderado e trabalhar para que as idéias voltadas para a construção de um mundo melhor sejam realmente levadas a efeito.
Debate
Nota do Editor: as colocações dirigidas ao palestrante foram algumas vezes reunidas em blocos, para serem respondidas de forma concentrada.
MARCOS CINTRA - Gostaria de aprofundar algumas questões, como a compatibilização entre a preservação do meio ambiente, o controle da poluição e a erradicação da pobreza. Acho isso muito perigoso. Evidentemente o pior poluidor é a miséria. Mas pode ser perigoso partir disso para chegar a uma visão quem sabe um pouco maniqueísta do processo, como se observa muitas vezes em relação à questão da segurança. Alguns defensores mais intransigentes dos direitos humanos muitas vezes dizem que a criminalidade guarda uma relação causal imediata com a miséria e com a pobreza. É lógico que miséria e pobreza são condições predisponentes à violência, mas não há uma relação causal imediata. No caso da preservação do meio ambiente, há o mesmo conflito. Na questão urbanística, mais especificamente, nota-se a pouca eficácia dessa mentalidade preservacionista no que diz respeito a políticas públicas. A proteção dos mananciais é um caso típico. A legislação aplicada corretamente é excessivamente drástica, e sua eficácia, nula, porque existe total desrespeito, até com a conivência das autoridades. Outro caso também é a questão do tombamento, da preservação do patrimônio. Preservam-se e tombam-se os imóveis porque eles caem de velhos e ninguém os mantém. Não há uma política pública capaz de atingir algum resultado objetivo.
Pergunto: qual é a sua preocupação com relação a isso? A atitude dos defensores mais radicais do meio ambiente, baseada na crença de que o mero impedimento de determinadas atividades é o caminho para resolver o problema, não seria um pouco ingênua?
NOGUEIRA NETO - Andei mexendo pessoalmente na lei dos mananciais, porque havia na Secretaria do Meio Ambiente diversas discussões sobre ela. Realmente a lei de proteção dos mananciais é tão absurda que, para saber o tamanho certo de um lote, é necessário extrair a raiz quadrada. Instituíram uma defesa forte demais, totalmente irreal, e deu no que deu: um desastre. Hoje sua condenação é unânime. Era evidente que não ia dar certo, pois nem sequer respeitaram as prefeituras. O Estado foi fazendo as normas, sem meios para fiscalizar, e as prefeituras, que estão perto do problema, foram postas de lado. Elas deixaram a coisa correr, a tal ponto que, pelos nossos cálculos, há atualmente em áreas de mananciais cerca de 200 favelas, 150 loteamentos clandestinos e em torno de 1 milhão de pessoas vivendo em péssimas condições. Foi um desastre decorrente de uma legislação excessivamente severa.
Acho que temos que estar com os pés no chão sempre. É bom lembrar que existem também ambientalistas de centro. A própria Comissão Brudtland era uma comissão de meio ambiente e desenvolvimento, tanto que a expressão desenvolvimento auto-sustentável apareceu lá. O que é desenvolvimento auto-sustentável? É a preocupação de que as mudanças ambientais sejam feitas de tal forma que revertam em benefício de todos. É claro que tudo tem um custo, especialmente as medidas ambientais, mas ele não pode ser exagerado. Felizmente, hoje a maioria dos ambientalistas é de centro. O SOS Mata Atlântica, cujo presidente é Roberto Klabin, tem 10 mil associados e segue uma orientação de centro. Naturalmente, há alguns radicais, mas não são extremados. Os grupos radicais, fora do Brasil, principalmente, estão no Greenpeace e em movimentos afins.
CINTRA - É possível dar prioridade à opinião dos moderados, de modo que não prevaleça apenas a opinião dos radicais? Aparentemente eles têm levado a melhor no debate em termos de formulação de política, mas não em termos de debate técnico. Será que a municipalização mais eficaz da legislação de controle do meio ambiente poderia ser o caminho, tornando essa legislação compatível com as necessidades da população? As prefeituras também poderiam assumi-la mais diretamente, reduzindo a excessiva centralização que acaba estimulando radicalismos, do ponto de vista político.
NOGUEIRA NETO - O Conama aprovou uma resolução, em março, descentralizando as licenças ambientais. O atual secretário do Verde e do Meio Ambiente, Werner Zulauf, que representa todos os municípios no Conama, também tem tido uma atuação importante nesse conselho. Tudo o que for de interesse municipal terá que ser resolvido pelos municípios. A dificuldade maior é que o Brasil possui 5 mil municípios e, evidentemente, muitos não têm a infra-estrutura necessária para resolver essas questões. Dessa forma, para que as decisões sejam tomadas nos municípios, são necessárias duas ou três condições. Uma delas é que haja um grupo técnico. Só para exemplificar, a prefeitura de São Paulo tem um excelente grupo técnico na Secretaria do Verde e do Meio Ambiente. É preciso também contar com uma estrutura técnica que permita fornecer as licenças. Portanto, deve existir um Conselho Municipal de Meio Ambiente. Faço parte do Conselho Municipal de Meio Ambiente do município de São Paulo e penso que o caminho é esse. Mas é necessário também que exista a participação da sociedade civil nesses conselhos, pois trata-se de um fator moderador muito importante. Quando falamos em sociedade civil, as pessoas pensam nas ONGs mais radicais, mas também existem ONGs de centro.
Estou apresentando um projeto de legislação no Conama, para que as Apas tenham um representante dos proprietários, da sociedade civil em geral, e não fiquem apenas sob o comando de um administrador, que tanto pode ser bom como ruim. Acho que essa é a nova mentalidade participativa, que assustou o ministro Andreazza quando afirmei que o governo federal estava em minoria no conselho. De fato, é a primeira vez que trabalhamos juntos, e considero isso um fator importante de moderação. Incluo as forças produtivas e as forças de distribuição, como o comércio, entre essas forças que devem estar sempre representadas. Essa é a maneira melhor de agir com moderação.
PAULO MENDONÇA - Embora as ideologias estejam completamente fora de moda, nem por isso algumas delas deixam de ser fundamentalmente verdadeiras ou, pelo menos, de ter origem na verdade. Passamos de raspão por uma delas, já meio esquecida há algum tempo, que é o malthusianismo. Estou me referindo ao problema citado por Paulo Nogueira a respeito da explosão populacional como um fator agravante da miséria. Ele concluiu também que o combate à miséria é importante na questão ecológica, pois, com a diminuição da pobreza, aumenta a produção de alimentos. Suponho que era isso o que ele imaginava. Assim seria possível melhorar as condições de vida da população de miseráveis, como a que ele conheceu no Amazonas. Malthus dizia justamente que há um limite, um teto, para a capacidade do planeta de alimentar uma população "x". Uma vez ultrapassado esse teto, caímos na Somália generalizada, na Etiópia, no Haiti.
Talvez por uma razão que não sei explicar direito, me veio à cabeça a seguinte dúvida: a elevação da produtividade, a redução da miséria e o aumento do consumo, enfim, a melhoria das condições de vida, não poderiam agravar a demanda? E não teríamos que enfrentar o problema da "somalização" ou da "haitização" dos países da mesma forma?
No começo do governo Fernando Henrique Cardoso, uma das conseqüências do seu êxito econômico foi exatamente a melhoria inegável da capacidade aquisitiva da camada mais baixa da população, e mesmo da classe média, o que acabou gerando uma tensão muito forte no mercado de oferta de bens, devido ao aumento exagerado da demanda. Estou absolutamente convencido de que no dia em que a economia brasileira entrar nos eixos, com os salários adequados à necessidade de cada trabalhador, enfim, quando o poder aquisitivo da população melhorar, São Paulo será uma cidade falida, porque não está preparada para atender à demanda em relação a cinemas, restaurantes, além de mercadorias que possam suprir as novas exigências de consumo nas lojas. Não temos infra-estrutura nem uma organização adequada para responder a esse aumento da demanda. Por estranho que pareça, de um lado o progresso pode se transformar num fator de pobreza concreta; de outro, já é uma pobreza alguém não poder comprar o bem que deseja, uma vez que não possui condições mínimas para isso. Há uma espécie de condição de pobreza, de qualquer forma, seja porque a pessoa não pode comprar o automóvel que quer porque ele não está disponível no mercado, devido ao aumento da demanda, seja porque não tem dinheiro para isso.
NOGUEIRA NETO - De fato, seguindo esse raciocínio, haverá maior demanda. Mas o aumento da demanda não deve surgir assim de repente. Nem a miséria poderia ser erradicada do dia para a noite. O mais provável é que a produção e o comércio possam ir se adaptando lentamente. O grande problema é saber se, ao atingir o nível norte-americano e europeu de hoje em matéria de energia, não haveria maneira de garantir o mesmo nível de energia per capita no planeta todo. Isso exigiria uma nova fonte de energia, o que acho viável. Há duas fontes possíveis de energia: uma delas, mais complicada porque exige grandes áreas, é a solar transformada em energia elétrica. Outra fonte, disponível dentro de 15 ou 20 anos, é decorrente da fusão nuclear.
ROBERTO PAULO RICHTER - Hidrogênio.
NOGUEIRA NETO - Para obter o hidrogênio é necessário contar com uma grande fonte de energia para desdobrar a água em oxigênio e hidrogênio. Essa fonte de energia pode ser solar, cujo processo de radiação é causado pela fusão nuclear que se passa no sol. É pouco poluente, não oferece problemas de radiação a longo prazo, como ocorre com a fissão nuclear das atuais usinas nucleares. Portanto, trata-se de uma fonte de energia bastante limpa. Usando dois isótopos de hidrogênio, deutério e trício, que são bastante comuns, penso que esse recurso energético poderá resolver o problema do aumento futuro da demanda.
Quanto à alimentação, sabemos que o povo americano está se envenenando com excesso de calorias. Segundo alguns estudos feitos lá, as pessoas estão com muito mais peso do que deveriam. Comer demais faz mal à saúde, mas, como todo mundo sabe, não comer nada é bem pior. Há toda uma propaganda, um esforço para reduzir o consumo de calorias, para atingir um ponto de equilíbrio. Assim, os países desenvolvidos terão de reduzir sua demanda de alimentos, de energia, de bens, etc., para que os mais pobres possam ter um nível razoável. Isso não significa que todos poderão ter exatamente o mesmo padrão de riqueza. Na verdade, os países mais pobres continuarão mais pobres. O que se espera é que eles tenham um nível per capita razoável, que lhes dê condições para viver e ser felizes com menos dinheiro. Acredito que haverá um equilíbrio e tempo suficiente para se chegar a isso, pois não se trata de uma mudança que ocorreria do dia para a noite.
CECÍLIA PRADA - O senhor falou bastante em políticas, focalizando o aspecto da legislação. Em matéria de conscientização das pessoas, quais são as políticas governamentais ou mesmo as defendidas pelas ONGs e por outras instituições que estão sendo adotadas? Outra pergunta: nós sabemos que do ponto de vista mundial os governos estão muito preocupados com a questão da ecologia, que já se tornou uma matéria incluída no currículo escolar de vários países. Na conferência de cúpula que ocorreu em Santiago do Chile, em abril passado, os ministros da Educação resolveram priorizar a educação para a vida, tomando como eixo desse programa educacional as matérias que ainda são consideradas transversais no Brasil, ou seja, nem sequer fazem parte do currículo escolar, como orientação vocacional, ecologia, cidadania e orientação sexual. O governo Fernando Henrique Cardoso deu um primeiro passo nesse sentido incluindo a orientação vocacional no currículo do segundo grau. Está havendo uma consciência nova de que é preciso pressionar o governo e o Ministério da Educação para que se incluam essas matérias no currículo escolar brasileiro?
EDUARDO SILVA - Vou relatar uma experiência que estou vivendo como presidente da Febem. Conseguimos dinheiro do Ministério da Justiça para fazer um programa de educação ambiental dentro das nossas unidades, e tivemos boas surpresas. Fizemos parceria com o governo federal, estadual e municipal, além de envolver uma porção de pessoas de diversas áreas da universidade, e o projeto obteve aceitação espontânea e natural dos meninos. Separação de lixo e cuidados com o espaço como um todo são atitudes que apontam para uma tendência quase que natural. Eu estou muito otimista ao ver que a questão ambiental, quando é tratada com a simplicidade que deve ter, é aceita muito facilmente pela grande maioria da população. Hoje a imagem que tenho é de que a resistência ocorre justamente naquelas camadas mais esclarecidas, com pessoas que teriam a obrigação de dar o exemplo.
NOGUEIRA NETO - Hoje há uma consciência muito grande na população e, curiosamente, essa consciência é muito maior nas cidades do que fora delas. Não sei explicar bem, mas parece que quem vive fora da cidade acha que a natureza é o seu dia-a-dia, e por isso não precisa se preocupar tanto com ela. Nas cidades, os movimentos ambientais crescem, florescem e se desenvolvem muito mais. Isso é bom sob vários aspectos, inclusive sob o aspecto do ecoturismo, que hoje é uma grande fonte de receita e tem despertado a atenção das prefeituras.
Sabemos que o incêndio em Roraima, por exemplo, causou uma polêmica muito grande no país. Felizmente, pelo que sabemos hoje, o estrago não foi tão grande quanto se pensava, pois ocorreu principalmente numa área de campos e cerrados. O cerrado tem uma resistência natural ao fogo, a não ser que ele seja excessivo e muito repetido; as plantas do cerrado foram selecionadas justamente por serem resistentes ao fogo, pois, com certa freqüência, uma vez em cada três anos ou algo assim, ocorrem incêndios naturais, hoje mais do que antes porque o homem gosta muito de "tocar fogo nas coisas". Há de fato um processo de conscientização acentuado que procuramos, naturalmente, incentivar por meio de publicações.
Sobre educação propriamente dita, contamos com a ajuda da televisão, que tem apresentado uma programação mais informal, mas de excelente nível, dedicada especialmente a isso. Nos canais a cabo, sempre há alguma coisa a respeito de problemas ambientais.
Em relação à educação formal nas escolas, cabe ao Ministério da Educação tomar a iniciativa, e esse é um assunto que preocupa o ministério. Digo isso com conhecimento de causa, pois fui consultado por eles nessa questão. Um dos programas do Ministério da Educação consiste em distribuir aparelhos de televisão, que podem veicular vídeos educativos em todas as escolas do Brasil, mesmo nas mais pobres, com dois objetivos básicos: educar os alunos e, principalmente, educar os professores. O Ministério da Educação está produzindo dez vídeos sobre o meio ambiente. Ajudei a fazer o roteiro para vários assuntos, usando uma linguagem bem simples, elementar, que todo mundo possa entender, por exemplo, como plantar melhor, como aumentar as culturas sem degradar o solo, não plantar morro abaixo por causa da erosão, etc.
O drama da nossa educação é que temos um ensino universitário de bom nível - a USP compete com as universidades do mundo todo, é a nona ou a décima universidade do mundo, não só em tamanho, mas em qualidade - e temos um ensino médio que varia muito de lugar para lugar, em alguns é bom e em outros não é. E um ensino de primeiro grau que no estado de São Paulo é o melhor, mas nos demais é muito deficiente. Alguns estados e prefeituras pagam R$ 30 por mês para uma mocinha que mal sabe ler dar aulas de alfabetização. Estamos realmente mal no ensino de primeiro grau. O Ministério da Educação e os movimentos ambientais também tomaram uma decisão a esse respeito, e continuam a defendê-la, afirmando que, em vez de ter uma matéria de ecologia ou meio ambiente na escola, é melhor colocar o meio ambiente nas diversas matérias. Dessa forma, o professor de geografia, por exemplo, pode dizer que em tal lugar existem determinados problemas ambientais, e entre as características do local acrescentaria o estudo da geografia humana e do meio ambiente. Já o professor de história pode mostrar qual era a conduta ambiental nos diferentes períodos históricos. O Brasil até se presta muito a isso, porque a nossa atividade, como brasileiros, foi derrubar árvore por muito tempo. Essa é uma tradição multissecular. Quanto ao ensino superior, há cursos inteiros sobre meio ambiente, inclusive engenharia ambiental. O direito ambiental, da Faculdade de Direito da USP, ainda não constitui um departamento, mas está a caminho disso, pois as leis ambientais estão crescendo e é necessário que advogados, promotores e juízes entendam do assunto. Na verdade, é importante colocar o meio ambiente em todos os setores da educação.
A respeito da Febem, quero lhe dar os parabéns, Eduardo, pela iniciativa de colocar as questões ambientais como uma preocupação educacional. Uma das coisas que os jovens apreciam é o meio ambiente. Mas, como na cidade a visão de meio ambiente é um tanto distorcida, poderíamos estudar uma maneira de levar os jovens a ter mais contato com a natureza, por meio de excursões e outras atividades.
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