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Eternidade virtual
RODRIGO ARCO E FLEXA
É raro quem já não tenha se imaginado, ao menos uma vez, como um célebre personagem da história, seja na figura de um grande líder ou revolucionário, seja como um artista ou cientista. Afinal, qualquer pessoa gostaria de tornar conhecida a sua própria trajetória de vida, mesmo se ela for anônima, como fatalmente é a grande maioria. Na realidade, todo cidadão - sapateiro ou garçom, médico ou empresário - tem o direito de querer registrar sua história particular. Com a ajuda das novas tecnologias, aliadas a modernas técnicas historiográficas, esse desejo não é mais um mero sonho, acessível apenas a personalidades destacadas. Criado em 1992, o Museu da Pessoa é uma instituição privada que tem como objetivo democratizar o registro da memória, permitindo a qualquer indivíduo a possibilidade de eternizar sua trajetória pessoal em um acervo virtual, disponível para consulta na rede Internet (no endereço http://www2.uol.com.br/mpessoa/).
"Toda história de vida é importante e deve ser preservada", diz José Santos Matos, pesquisador e diretor do Museu da Pessoa. "Mesmo que seja uma experiência anônima, ela faz parte da memória social, nos ajudando a entender como pessoas das mais diversas origens e formações culturais vêem e vivenciam seu cotidiano, assim como seu passado e seu futuro", acrescenta Karen Worcman, historiadora e idealizadora do projeto da instituição. Inspirado em métodos da chamada história oral, corrente cada vez mais difundida nos Estados Unidos e na Europa, o museu é um dos pioneiros na aplicação dos recursos multimídia da informática e da rede Internet na pesquisa histórica. Em quase oito anos de atividades, seu acervo já reúne mais de 700 depoimentos, além de mil fotografias e documentos digitalizados, sobre pessoas das mais variadas origens e atividades, que revelam aspectos importantes da mentalidade e do imaginário da história de São Paulo e do Brasil no século 20.
A essência do trabalho do Museu da Pessoa está no registro de depoimentos de todos aqueles que procuram a instituição. O caminho para a eternidade virtual é bastante simples. Entre outras opções, o site do museu oferece um roteiro para que qualquer interessado registre, gratuitamente, sua própria biografia. Se a pessoa quiser, também pode enviar por e-mail fotos digitalizadas de si mesma ou de sua família, que serão integradas ao acervo virtual. "Já recebemos mais de cem depoimentos dessa maneira", conta Rosali Nunes Henriques, diretora responsável pela montagem da home page do Museu da Pessoa.
"Toda família tem o seu historiador", diz José Santos Matos, comentando o interesse que o acervo vem despertando em pessoas dos mais variados cantos do Brasil. Há situações, no entanto, em que o entusiasmo chega a surpreender. Como no caso de dona Neusa, uma professora aposentada cada vez mais empolgada com o registro da história de sua família, a ponto de já ter enviado mais de 300 páginas de texto para o arquivo do museu.
Também existem aqueles que buscam dar um toque diferenciado a sua narrativa de vida,
como o metalúrgico e artista Salvador Martin Pintor, que enviou sua história em verso e
prosa. "Algumas pessoas nos procuram tanto que acabamos criando vínculos
afetivos", reconhece Rosali Henriques.
Preservação da memória
A atividade que mantém o Museu da Pessoa, no entanto, é o desenvolvimento de pesquisas direcionadas a resgatar a trajetória de qualquer instituição, empresa, entidade, grupo ou setor da sociedade. O que diferencia esses projetos de outros trabalhos de pesquisa histórica é o seu enfoque. Em vez de um relato oficial, que inevitavelmente acaba sendo menos abrangente nos pontos de vista oferecidos, o museu procura dar vida à memória da instituição reunindo histórias de vida das pessoas que integram a sua trajetória, sejam elas nomes conhecidos ou pessoas humildes.
Realizada por uma equipe multidisciplinar, a pesquisa pode ser adaptada aos mais diferentes tipos de publicação, como CD-ROM, filmes, livros e exposições. Seja qual for o suporte, o resultado é um rico material, constituído por uma ampla variedade de vozes, cujo interesse extrapola o do próprio cliente, ainda mais num país como o Brasil, caracterizado pela pouca atenção à preservação da memória social. "A pesquisa baseada em depoimentos é uma fonte de informação única e preciosa", afirma Karen Worcman.
O mais novo projeto que o Museu da Pessoa está desenvolvendo chama-se "Metalúrgicos do ABC: preservação da memória dos trabalhadores". Iniciativa do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a pesquisa tem como proposta organizar um banco de dados com aproximadamente 1,5 mil depoimentos e fotos de pessoas que participaram dos movimentos trabalhistas na região, além de recuperar a própria história da entidade. "Com todas essas informações, os trabalhadores terão mais facilidade para pensar e desenvolver estratégias de negociação salarial", explica José Santos Matos. Orçado em R$ 450 mil, o projeto é financiado por um grupo de empresas montadoras, como Volkswagen, Mercedes-Benz, General Motors e Scania, o que foi viabilizado graças à Lei Rouanet de incentivo à cultura.
Outra pesquisa importante do museu, que se encontra em fase de finalização, trata das
profundas transformações que vêm acontecendo no mundo do trabalho. Batizado como
"História das profissões em extinção", esse é um projeto encomendado pela
Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM). A pesquisa reúne depoimentos de
trabalhadores cujos ofícios estão em desaparecimento, como tipógrafos, bancários,
chapeleiros e amoladores de faca. Além de seu valor documental, o projeto será utilizado
em programas de requalificação profissional desenvolvidos pela CNM.
Futebol, televisão e comércio
O universo já pesquisado pelo Museu da Pessoa abrange ainda inúmeros outros campos. Um dos trabalhos que mais obtiveram repercussão foi a criação do Memorial Multimídia do São Paulo Futebol Clube, que reúne depoimentos de jogadores, dirigentes, torcedores e funcionários ligados à história da equipe bicampeã mundial do esporte mais popular do país. Instalado na sede do clube, no bairro do Morumbi, o memorial atrai a atenção de torcedores de diferentes equipes, mostrando a importância de uma iniciativa do gênero, rara no Brasil, mas comum em grandes clubes europeus.
O Museu da Pessoa também foi o responsável pelo desenvolvimento do projeto "Memórias do comércio em São Paulo". Iniciativa conjunta do Sesc, Senac, FCESP e Sebrae, ele compreende depoimentos sobre a história de vida de comerciantes das mais variadas áreas, desde secos e molhados até o comércio virtual, que foram apresentados em CD-ROM, livro e exposição. Outro trabalho desenvolvido para o Senac foi uma exposição multimídia sobre os 50 anos de atividades da entidade.
Completam a lista de projetos do museu pesquisas sobre a história da imigração em
São Paulo e a memória de idosos, trabalhos sobre a trajetória das indústrias
farmacêutica e automobilística brasileiras, além de projetos para empresas como a
Johnson & Johnson e a Eletropaulo, sem falar na pesquisa de tipos e personagens para o
programa "Brasil legal", apresentado pela atriz Regina Casé na TV Globo.
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