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Gilberto Maringoni

foto: Leila Fugii
foto: Leila Fugii


O professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC Gilberto Maringoni é também arquiteto e doutor em História. É autor de 12 livros, entre eles A Venezuela que se Inventa – Poder, Petróleo e Intriga nos Tempos de Chávez (Editora Fundação Perseu Abramo, 2004) e A Imprensa Ilustrada da Corte à Capital Federal, 1864-1910 (Devir, 2011), com o qual foi finalista do Prêmio Jabuti em 2012. Em meio às várias atividades que desenvolve, Maringoni encontrou tempo para se candidatar ao governo de São Paulo em 2014. “Uma heresia, uma maluquice”, brinca ele sobre a aventura. A seguir, os melhores trechos do depoimento do professor, no qual fala do trabalho sobre a Venezuela e de novos projetos.

Olhar para o mundo
Cheguei às relações internacionais da maneira mais tortuosa possível. Sou formado em Arquitetura na Universidade de São Paulo. Vim de Bauru, no interior do estado, para estudar Arquitetura, porque eu gostava de desenhar. Fui ser editor de arte, trabalhei como jornalista e fui chargista do Estadão, durante quase 10 anos. Então, fiz mestrado em História. Hoje, sou professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC, que é uma área razoavelmente nova como carreira acadêmica, como disciplina e como profissão.
Conforme o tempo foi passando, foram agregadas ciências e carreiras que não existiam e que expressam a complexidade que a sociedade vai adquirindo. Hoje temos uma sociedade industrial, que investe em variadas áreas da produção e de serviços. As relações internacionais ganharam relevância, ainda mais na década passada, durante a gestão do Celso Amorim no Ministério de Relações Internacionais. O ministro colocou a pauta da política externa na agenda nacional.
Passamos a discutir aqui as questões das negociações com o Irã, da Organização Mundial do Comércio, da Venezuela, de Cuba, da Bolívia, da Argentina. Relações com países com que a gente não tinha nenhum entendimento, que eram alguns países da África, com a abertura de 40 novas embaixadas, que agora estão sofrendo com o ajuste fiscal, algumas estão até sem água. Mas embaixada ficar sem água quando o estado de São Paulo também está sem água é mais ou menos vida normal.
Golpe na Venezuela
Desenvolvimento é diferente de crescimento econômico. O [economista, autor do clássico Formação Econômica do Brasil] Celso Furtado falava muito isso. Crescimento econômico é você fazer o Produto Interno Bruto (PIB) do país crescer. Ter crescimento não quer dizer que a população vai viver melhor. Você pode aumentar o PIB, aumentar a dinâmica da economia, concentrando renda, o que aconteceu na ditadura. O Celso Furtado falava que desenvolvimento envolve uma série de outras atividades, principalmente bem-estar social. Desenvolvimento é riqueza, é salário, é distribuição dessa riqueza, é dar condições materiais de vida para a população, é baixar o nível de incivilidade na sociedade, de agressão, de violência. E isso acabou me levando a dois estudos: um jornalístico e outro acadêmico.
Em 2002, aconteceu um golpe na Venezuela contra um presidente meio esquisitão que tinha sido eleito, o Hugo Chávez. Em 2002, para mim, e acredito que para muita gente, ele era um sujeito falastrão que tinha chegado à presidência de um país e que podia fazer parte do realismo mágico continental. Eu não sabia muito além do que saía no jornal. Um jornalista me convidou para passar dez dias lá, para saber daquele golpe que tirou o presidente do poder durante três dias. Fui lá, passei uma semana, entrevistei o setor empresarial, fui às guarnições militares, conheci o que era o tal do bolivarianismo. Só não consegui entrevistar o Chávez. Fui convidado por uma editora para fazer um livro sobre a Venezuela. Acho que foi a primeira obra no Brasil sobre isso.

Hugo Chávez
Nos anos 1980, a Venezuela quebrou. Ficou dez anos à deriva, com corrupção, desmandos e pobreza da população. Em 1992, aparece um grupo de militares que resolve dar um golpe de Estado para derrubar um governo corrupto. Eles vão para a cadeia, mas logo caem nas graças da população. O líder deles era o coronel Chávez, que ninguém conhecia. Ele sai da cadeia em 1998 e se elege.
Vence numa situação ruim para o país, que não tinha instituições, credibilidade, não tinha nada. Ele se elege como salvador da pátria, aquela figura que tanto pode ir para a direita quanto para a esquerda. Ele pregava o nacionalismo militar e depois começou a ir para a esquerda. É o que se chama de líder populista, aquele que prescinde de instituições abaixo de si, fala diretamente com a população. Isso aconteceu com o Brasil nos anos de 1930, com o Getúlio Vargas.
Projetos em andamento
Depois de um tempo, como muitos da minha geração, tardiamente, fui fazer doutorado em História. Daí veio um livro sobre o Angelo Agostini, um caricaturista do tempo do Império brasileiro. Ele foi um pioneiro do desenho na imprensa abolicionista. Ele faz desenhos da escravidão, do sofrimento que os cativos tinham. Seu trabalho é semelhante em documentação histórica ao que o (Jean-Baptiste) Debret e o (Johann Moritz) Rugendas fizeram no início do século 19, documentação da vida cotidiana brasileira. O Agostini documenta tortura de escravos. Ele é um repórter gráfico do final do Império.
Eu tenho quase pronto um livro, que quero fazer como sequência desse, que trata do Rio de Janeiro de Agostini. São cenas cotidianas de festas domésticas, de vida nos prostíbulos, da vida na praia, dos almoços, da vida cotidiana no final do Império – trabalhos que incrivelmente estão quase inéditos até hoje. Essa retratação, essa memória pictórica do Império está sendo recuperada pela historiografia nos últimos 10 ou 15 anos.

O professor Gilberto Maringoni esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E no dia 12 de fevereiro.

 

"O Chávez é o que se chama de líder populista, aquele que prescinde de instituições abaixo de si, fala diretamente com a população"