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Solidariedade civil
Lideranças comunitárias e centros de trabalho voluntário mostram o envolvimento das pessoas para melhorar a qualidade de vida em comunidades carentes
Falta de moradia, precariedade do sistema de saúde, exclusão da educação formal, carência de bens culturais... Esses são apenas alguns dos problemas enfrentados hoje pela sociedade e que, muitas vezes, tendo em vista a crítica situação econômica do país, parecem não ter solução. Os governos federal, estadual e municipal têm dificuldade de sanar sozinhos a situação e mais do que nunca cabe à sociedade arregaçar as mangas e lutar pelo seu próprio bem-estar.
Milagres não existem e problemas não são resolvidos da noite para o dia, mas a conscientização coletiva pode apontar caminhos e plantar esperanças. "Um dos problemas que mais percebemos nas comunidades é a falta de informação", conta Eliana Marcondes Pralon, socióloga ligada à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), um órgão da Secretaria Estadual de Habitação. "Tentamos afastar da comunidade uma certa noção paternalista que garantiria soluções pontuais para os problemas. Doar cestas básicas para determinadas famílias não altera nada a essência do problema." Segundo Eliana, o principal instrumento de trabalho para essas comunidades é o pleno conhecimento da legislação. O cumprimento das leis ainda é a melhor e única saída. "É por isso que nós fazemos questão de apresentar para os participantes dos nossos cursos a Constituição e a Declaração dos Direitos Humanos", continua.
Ela e a colega Valéria Sanches foram convidadas pelo Sesc Itaquera para ministrar o curso de Capacitação de Líderes Comunitários, uma iniciativa da instituição que pretende munir os moradores da Zona Leste de recursos que permitam mudar a situação precária da região. Baseadas na experiência de dez anos com esse tipo de trabalho, Valéria e Eliana explicam que essa foi uma das turmas mais avançadas para as quais já deram um curso. "Eles estão em um ótimo estágio", conta Valéria. "A maioria já trabalha em sua comunidade com movimentos culturais e associação de moradores." O treinamento durou dois meses, período em que se realizaram encontros semanais com duração média de duas horas e meia, totalizando vinte horas de curso. Foram discutidos o papel das lideranças comunitárias, a exclusão social que sofrem as comunidades carentes e os processos de elaboração de projetos.
Arregaçando as mangas
Entre os participantes do curso havia pessoas de 15 a 70 anos, todos de alguma forma envolvidos em suas comunidades e compromissados com um futuro mais promissor. Esse é o caso de Alfredo Noda, um senhor de 68 anos que trabalha há quatro anos com a comunidade da Cidade Tiradentes, nas imediações de Itaquera. Entre outras coisas, Alfredo explica que realiza um trabalho de "aconselhamento e formação de lideranças" com os alunos da escola do bairro. "Nós entramos em contato com o aluno, vemos quais são seus problemas e visitamos a família. De início, tentamos suprir as carências materiais dessas pessoas: basicamente comida e roupa." Para conseguir alimentos e vestuário, Alfredo conta com o apoio de 35 templos da Igreja Batista, que fazem parte da associação para a qual trabalha. Essa associação se encarrega de organizar campanhas para angariar os gêneros necessários. Após 35 anos de trabalho voluntário e com os filhos já criados, Alfredo dedica todo o seu tempo às comunidades carentes. No curso do Sesc Itaquera, ele encontrou outros voluntários, trocou experiências e recebeu auxílio para elaborar um projeto na área de educação, problema que, na sua opinião, mais aflige a população carente. "As crianças de lá só vão à escola se tiver merenda. Há alunos da quarta e quinta séries que ainda são completamente analfabetos", alerta.
Educação é também a principal preocupação de Ana Rita Eduardo, 43; Walter Silva Oliveira, 28, e Divani Andrade, 54 anos, moradores da Cidade Tiradentes, que vivem de perto (e na pele) o descaso com a região. A experiência dura do cotidiano fez com que descruzassem os braços e começassem a agir. O exemplo é de Ana Rita: "A partir do momento em que você mora em um bairro carente, passa a tomar conhecimento dos problemas e necessidades da região. Isso desperta nas pessoas o dever de se organizar e pensar em maneiras de contribuir para a melhoria da qualidade de vida". Rita e seus colegas fazem parte do conselho do Fórum de Desenvolvimento da zona Leste, uma ONG que, com sete meses de existência, já conseguiu mobilizar empresários da região para financiar projetos. Mesmo com essa vitória, há muito o que fazer. Por exemplo, as duas únicas escolas da região não são suficientes para suprir a demanda de 300 mil moradores. "Só para se ter uma idéia", exemplifica Ana Rita, "em frente a uma das escolas da região há um aviso enorme dizendo que em breve serão construídas mais 180 moradias em sistema de mutirão. Isso sem resolver nem os problemas das pessoas que já moram ali." Entre esses problemas, a violência, claro, é alarmante. "A nossa preocupação é discutir o que causa a violência. Procuramos desenvolver um trabalho que ataque essas causas. Na Cidade Tiradentes há muitos jovens ociosos, sem estudo nem trabalho e, muito menos, alternativas de lazer."
Rita soma à situação o problema do preconceito. "No bairro, a maioria da população é negra, o que provoca muita discriminação. O meu filho, por exemplo, já foi abordado pela polícia várias vezes de maneira violenta. A violência gera a violência", resume.
No curso de formação de lideranças, Rita teve a chance de conhecer outros líderes comunitários de várias regiões da Zona Leste, constatou que esses problemas não são exclusivos do lugar onde mora e teve a oportunidade de ouvir e propor idéias. Mas surge uma pergunta: com tanta experiência na prática, como um curso desses pode efetivamente contribuir para o trabalho de Ana Rita e de tantos outros? "É exatamente essa a questão", ela responde. "Nós lidamos muito bem com a questão prática, mas nos faltava embasamento teórico. Eu, por exemplo, até tinha uma noção de como se elabora um projeto para apresentar a políticos e empresários. Mas há muitas pessoas que não. É importante saber como buscar recursos para trabalhar dentro da comunidade, como dialogar com os moradores na linguagem deles e, assim, concretizar propostas."
Walter conta que as oficinas ministradas durante as aulas aguçaram o senso de "compreensão do outro". "Mesmo fazendo parte da mesma comunidade, na mesma região e com problemas em comum, as pessoas são diferentes uma da outra e lidar com as diferenças é sempre o principal caminho para o diálogo e a interação", explica. "Nas dinâmicas e oficinas, conversávamos e aprendíamos um pouco sobre a personalidade de cada um." É o que ensina Ana Rita: "De repente, estamos na Cidade Tiradentes e nos fechamos para nós mesmos, é bom começar a conhecer os problemas das outras pessoas".
Esse senso de dever também bateu à porta das professoras Sandra Almeida do Carmo e Maria Agda Pires, ambas voluntárias na Casa José Coutro, uma instituição que presta serviço à comunidade do Jardim Rosana, em São Paulo. Elas participaram, com mais 57 voluntários e líderes comunitários, de um curso de agentes de saúde promovido pelo Sesc Santo Amaro dentro da Feira da Saúde, núcleo do programa Saudável Cidadão, realizado de 5 a 16 de junho. "Nós ficamos sabendo do curso por meio da Revista E", conta Sandra. "Lá, foram passadas informações sobre vacinação, planejamento familiar e higiene. O que para nós, que desenvolvemos trabalhos com comunidades carentes, é de suma importância." O curso foi voltado especificamente para professores, auxiliares de cozinha, coordenadores de centros de juventude, enfermeiros, educadores e líderes comunitários (que desenvolvem trabalhos comunitários) e o objetivo foi capacitá-los a levar às comunidades o maior número de informações possível.
Núcleos voluntários
Além das associações formadas pelos próprios moradores, algumas instituições surgem para atender comunidades carentes sem que, necessariamente, seus participantes façam parte da realidade financeira, social e cultural dos atendidos. São os centros de voluntariado, ONGs que unem profissionais liberais e demais interessados no intuito de incentivar, promover e difundir o trabalho voluntário. Um deles é o Centro de Voluntariado de Santos (CVS), criado em abril de 1999, a exemplo do Centro de Voluntariado de São Paulo (CVSP) (ver box), cujo objetivo é fazer o elo entre o profissional que deseja prestar serviço à comunidade e entidades carentes que precisem da ajuda de médicos, professores, advogados e demais profissionais.
A unidade do Sesc Santos contribuiu para a criação do CVS, organizando seminários, palestras e conferências sobre a importância do trabalho voluntário, além de ter cedido espaço para que o CVS realizasse suas primeiras reuniões. "Na ocasião das palestras, o público presente se sensibilizou com as experiências trazidas por instituições como os Doutores da Alegria e o Mesa São Paulo. Na época, foram feitas cerca de mil inscrições para trabalho voluntário", explica Marialva Carrer da Cruz, diretora administrativa do CVS. "Isso garantiu que, após a fundação oficial do CVS, já houvesse profissionais interessados em trabalhar conosco."
Hoje, mais de 175 voluntários já foram orientados pelo CVS e encaminhados para aproximadamente 45 entidades atendidas na baixada Santista. "O primeiro grande parceiro foi o Sesc, que nos cedeu parte do nosso mobiliário e continua, até hoje, com a parceira no projeto Mesa Santos", conta Marialva.
Abaixo, os telefones das insituições:
Centro de Voluntariado de Santos: (13) 227-5138
Centro de Voluntariado de São Paulo: (11) 287-0912
Troupe Tralha Médica: (13) 238-1372
Amigos da Escola: (13) 563-1112
Casa José Coutro: (011) 5511-8118
Amizade na TV Em algumas escolas da rede pública outro grupo de voluntários traz mais novidades às crianças. Essas escolas, espalhadas por várias regiões do país, formam o grupo-piloto de trabalho dos Amigos da Escola, um núcleo de voluntariado que existe desde agosto de 1999 e que foi criado como parte das ações comunitárias ligadas ao projeto Brasil 500 Anos, da Rede Globo, por meio de sua representante santista, a TV Tribuna. Atuando no campo da educação, o projeto tem chamado a atenção para o fato de que as instituições públicas de ensino necessitam da ajuda da sociedade para conseguir realizar seu trabalho de maneira mais efetiva. "Nós desenvolvemos um conjunto de ações educacionais que vem mobilizando a sociedade para um comportamento ativo em prol de melhorias na educação", esclarece Ipopovit Alves, coordenador do projeto. Tais ações foram iniciadas em abril de 1998 com o seminário internacional Como se Muda um País através da Educação, evento que gerou diversos outros encontros locais e desencadeou outras iniciativas, como as campanhas Reformas nas Escolas, Incentivo à Leitura e Valorização do Professor. "O objetivo do projeto Brasil 500 Anos é incentivar o voluntariado no âmbito da educação", prossegue Alves. É aí que entram os Amigos da Escola. "Nós buscamos fortalecer a participação da família e da comunidade na vida escolar, interagindo com os professores e com as associações de pais e mestres das escolas", explica. Os Amigos da Escola contam com outras nove instituições que funcionam como uma espécie de braço administrativo do projeto, entre elas o Sesc Santos, o Rotary Club de São Vicente e a Associação de Professores Aposentados da baixada. |