Postado em
Capa
Torre de Babel

Leia com atenção as seguintes palavras: shopping center, pizzaria, restaurante, quermesse, iogurte, banana, quimono, amém, sauna, bambu, alfaiate, carma (ao longo das páginas desta matéria, estão o significado, de acordo com o Aurélio, e a origem das palavras) .
O que elas têm em comum? Essas palavras não são originárias da língua portuguesa. Foram emprestadas de outros idiomas e incorporadas ao nosso vocabulário. Tais vocábulos recebem a denominação de estrangeirismos. E sua presença é tão marcante e controversa que está em trâmite no Congresso Federal um projeto de lei de autoria do deputado federal Aldo Rebelo, que "dispõe sobre a promoção, a proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa".
Ao justificar essa medida, o autor e seus defensores afirmam que estamos sofrendo um ataque exacerbado de palavras estrangeiras, notadamente de origem inglesa. Essa influência - sempre de acordo com o texto do projeto de lei - traria prejuízos graves à sobrevivência do português, seja ele falado ou escrito, além de dificultar o entendimento dos termos emprestados por parte da maioria das pessoas.
Será que o deputado tem razão? A polêmica é instigante e divide opiniões. De acordo com o lingüista Domício Proença, "o uso dos estrangeirismos vincula-se ao contato entre os povos, a partir da proximidade geográfica ou do intercâmbio cultural. A língua vive em contínua mudança, paralela ao organismo social que a criou. Nessa mutação, os empréstimos que toma de outra língua, por força do contato com outros povos, resultam de um processo válido de assimilação. O português que falamos no Brasil já incorporou um sem-número de francesismos, anglicismos, italianismos e espanholismos tranqüilamente usados na nossa comunicação verbal. Alguns já vestidos de verde e amarelo, como cachecol, decolagem, filé, lasanha, salsicha; outros ainda com sotaque, mas bem à vontade no convívio social: usamos smoking, saboreamos filé mignon com bacon e comemos pizza sem nenhum sobressalto verbal. A invasão lingüística temida por alguns não é tão perigosa, pois a ameaça à soberania envolve outros espaços: éticos, administrativos, políticos e econômicos".
Como se vê, o debate sobre os estrangeirismos não pode se ater apenas às polêmicas geradas pelo emprego (excessivo) de anglicismos. O intercâmbio de palavras entre as diversas línguas faz parte da história da formação, não só do português, mas de todas as línguas existentes no planeta. Afinal, a língua é a expressão cultural de um povo. Por meio de seu estudo torna-se possível demarcar a história social de um grupo e, se tomada a história de um indivíduo, a língua surge como um espelho fidedigno de uma trajetória singular, de seu contexto histórico, seus anseios, medos e esperanças. Nesse sentido, é imperativo descer fundo no tema, evitando as armadilhas imediatistas que subvertem a hierarquia de importância de um assunto tão candente, que desperta emoções. Em última análise, deve-se evitar entronizar o efeito em vez da causa.
A presença dos estrangeirismos na língua portuguesa falada e escrita no Brasil aparece como a ponta mais saliente de um enorme iceberg que engloba fatores econômicos, políticos e sociais e que, nos dias atuais, tem a ver, intimamente, com o que se convencionou chamar de globalização.
Qual a origem?
O lingüista é o profissional que estuda as línguas em suas várias manifestações. Cabe a ele, escudado em metodologia científica, dissecar os diversos fenômenos que as envolvem. Dentre eles, aqueles que se referem à formação do idioma. Com a palavra, o professor José Luiz Fiorin, chefe do Departamento de Lingüística da USP: "Uma língua é constituída por dois elementos fundamentais. O primeiro é a gramática. Mas gramática não com esse entendimento estreito que se ensina nas escolas. A gramática aqui significa as regras gerais que particularizam cada língua. O segundo é o léxico, ou seja, o vocabulário".
Ainda de acordo com o professor Fiorin, o léxico traz consigo palavras da língua original. No caso do português, cerca de 70% dos vocábulos utilizados vêm do latim. Já o romeno, outro idioma latino, conta apenas com 30%. O restante provém do contato com outras línguas, isto é, são palavras incorporadas a partir da troca de experiência entre os vários grupos ao longo do tempo.
É nesse quesito que encontramos o primeiro nó górdio da presença de estrangeirismos: "A incorporação de vocábulos estrangeiros é parte natural da trajetória das línguas. Sua riqueza depende dessa interação. Negar essa presença é negar a natureza das línguas", completa o professor Fiorin. Retornando à lista do início, percebe-se a intromissão de palavras estranhas ao português. São vocábulos emprestados de outras culturas que denotam realidades diversas absorvidas pelo uso brasileiro. É bem verdade que os leitores menos atentos podem se surpreender com o fato de que algumas das palavras relacionadas não tenham origem no idioma de Camões.
Dessa constatação deriva o segundo problema. Quem empresta mais? A resposta é simples. O intercâmbio cultural ficará favorável à cultura preponderante, que detém os controles dos meios de divulgação cultural. Hoje, sem dúvida alguma, quem dita os padrões estéticos, artísticos e econômicos são os Estados Unidos, portanto é natural que o inglês marque o compasso nas trocas lingüísticas. "Por isso, é inútil levantar a voz apenas contra a invasão dos estrangeirismos", explica o lingüista da Unicamp Sírio Possenti, autor do livro Por que (não) Ensinar Gramática na Escola?. "Há uma invasão cultural muito mais intensa que traz de roldão valores e um modelo de vida a ser seguido. Os estrangeirismos são a conseqüência menos grave de um processo de globalização de mão única. Ao combatê-los, combate-se o efeito como se fosse a causa."
Francofonia
Há cem anos, quando o império norte-americano ainda engatinhava, a poderosa França ditava seus padrões e espraiava sua cultura pelos continentes. Na época, os gramáticos e guardiães da língua portuguesa insurgiram-se contra o francesismo ameaçador. Em profecias apocalípticas, preconizavam a extinção da língua. Um dos defensores mais ferrenhos, o filólogo Cândido Figueiredo, lançou em 1903, no livro O que se não Deve Dizer, a seguinte análise: "Quanto mais progressiva é a civilização de um povo, mais sujeita é a sua língua a deturpações e vícios, sob a variada influência das relações internacionais, dos novos inventos, das travancas da ignorância, e até dos caprichos da moda. […] Sábios e romancistas, poetas e prosadores, e nomeadamente a imprensa periódica, parecem haver conspirado para dar curso às mais extraordinárias invenções e enxertos de linguagem".
Outros exemplos interessantes ilustram a constante troca entre os diversos idiomas. O inglês é a língua moderna com o mais rico vocabulário existente, pois no longo processo de formação do Império britânico estendeu seus domínios aos rincões mais distantes, assimilando muito das culturas dominadas. Porém, mesmo antes de consumar as aventuras em além-mar, quando a Inglaterra foi invadida por Guilherme, rei da Normandia (região da atual França), em 1066, muitas palavras de origem latina foram incorporadas ao léxico local, principalmente nas esferas administrativas e religiosas e nas altas rodas da nobreza, subjugada ao dominador. Durante muito tempo, inglês e francês coexistiram e acabaram por criar o vernáculo atual, tão caro aos súditos da rainha. Hoje, cerca de 55% das palavras inglesas originam-se de idiomas latinos. "Nesse caso, a palavra estrangeira geralmente ganha uma conotação de sofisticação maior", lembra Sírio Possenti. "Em inglês, a ovelha viva no estado natural é sheep; morta e preparada, pronta para ser servida, recebeu o nome da língua do dominador, mutton (do francês moutton). É a ovelha aculturada..." O mesmo exemplo vale para pig (porco), calf (vitelo) e ox (boi), que à mesa receberam as versões francesas: pork, veal, beef. "Quando um inglês não encontra a palavra que procura, faz questão de criá-la", escreveu o diplomata e imortal da Academia Brasileira de Letras, Sérgio Corrêa da Costa, em seu recente livro Palavras sem Fronteiras (Record) (ver entrevista com autor). "Em 1903, George Bernard Shaw propôs hominist simplesmente para fazer pendant com feminist, abonada desde 1894. Florence King chamou eccedentesiast aquele que dissimula um sorriso [...] Monomath foi o nome dado pelo jornalista L. J. Davis àquele que sabe tudo sobre um determinado assunto e absolutamente nada sobre os demais. E assim por diante..."
Da mesma forma, em outros tempos, quando lançou suas caravelas ao sabor dos ventos, o português também emprestou palavras a outras culturas. No contato comercial e mesmo bélico com povos orientais, palavras como obrigado e pão foram emprestadas para o japonês nas formas fonéticas zztô e pan (conferir ideogramas ao lado). E ajudou a disseminar mundo afora os vocábulos banana e inhame, colhidos nas incursões africanas.
Em recente artigo publicado no jornal o Correio Brasiliense, o lingüista Marcos Bagno, autor de Preconceito Lingüístico - O que é, como se Faz? e A Língua de Eulália, recorre à história para demonstrar alguns fenômenos relativos à língua: "É curioso pensar, por exemplo, que os livros bíblicos que compõem o Novo Testamento foram escritos em grego, embora seus autores fossem todos judeus que viviam em terras sob o domínio político de Roma. Por que não escreveram os evangelhos, as epístolas e o Apocalipse (palavra de origem grega que significa revelação) em hebraico, sua língua tradicional, ou em aramaico, sua língua familiar, ou ainda em latim, língua oficial do Império a que estavam submetidos? Porque, naquela época, o grego era a grande língua de cultura: quem quisesse transmitir uma mensagem capaz de alcançar o maior número possível de ouvintes e leitores teria de fazer isso em grego […]".
Sobrevivência
A presença maciça de estrangeirismos causa em alguns a sensação desconfortável de que certas línguas, principalmente aquelas que não têm reconhecida importância universal, perderiam sua identidade e, mais grave, em um futuro mais ou menos distante tenderiam ao desaparecimento. O português estaria entre elas.
Diante da profecia fatalista, os lingüistas afirmam que não há idioma que evolua ou entre em decadência. Eles sofrem transformações naturais, inerentes ao seu próprio estatuto. Convém recordarmos que o português, bem como as outras línguas de origem latina, possui sua origem no latim vulgar, ou seja, aquele praticado pela escumalha, que teimava em sublevar a cartilha do latim castiço, imposta pelos próceres de ocasião. No século 3 d. C., foi editado o Appendix Probi, um index de palavras que o povo insistia em empregar contra o padrão culto vigente. Foi a partir desses vocábulos considerados aviltantes que germinaram as línguas românicas modernas.
Há um outro argumento de ordem fonética e gramatical que acalma os espíritos mais agitados. Quando um vocábulo é incorporado ao português, ele apenas incrementa nosso léxico, obedecendo a todas as outras normas gramaticais. Isso significa que o arcabouço principal da língua permanece intacto. Aos exemplos. "Uma palavra como hot dog, apesar de manter a grafia original, quando é falada atende aos requisitos do português. Ninguém, no uso cotidiano, utiliza a pronúncia à inglesa. Acrescentam-se no fim das palavras as vogais necessárias ao padrão fonético local", ensina o professor Fiorin. Temos, então, um legítimo hoti dogui. O mesmo princípio vale para o verbo printar, incorporado no vocabulário da informática. Emprestado do inglês, quando empregado por falantes brasileiros, assume logo as derivas próprias da nossa gramática: eu printo, tu printas, ele printa... "Além disso, os estrangeirismos não alteram o fundo léxico comum da língua, ou seja, aquelas palavras que guardam relação com sua origem mais remota e se repetem em todas as línguas de uma mesma família. Nas línguas latinas, os números, as partes do corpo, palavras como pai, mãe, céu e terra, seguem padrões de transformações sistemáticos e regulares", afirma o professor Fiorin.
Os sinônimos
Um outro problema que causa muita polêmica é o uso de um termo importado quando existe um equivalente em português. Nesse quesito, os especialistas têm opiniões divergentes. O professor Sírio Possenti evoca um fator cultural no emprego da palavra delivery em vez do "entrega em domicílio". Ele diz: "O estrangeirismo, nesse caso, conota o moderno. Chama mais atenção uma pizzaria com delivery do que uma mera entrega em casa. Por isso, não existem sinônimos perfeitos: as palavras belo, bonito e lindo, por exemplo, têm nuanças particulares que se adaptam a situações muito restritas. No caso dos estrangeirismos, vale o mesmo: uma palavra de origem inglesa tem um apelo muito maior porque os Estados Unidos ditam os padrões culturais".
Já o lingüista Domício Proença diz que "em princípio, o uso comunitário é extremamente voluntarioso. Se existe, em português, similar preciso para o termo ou construção estrangeira, ou se disputam com sinônimos nativos, é mais conveniente usar o termo brasileiro; caso contrário, prefira-se a forma aportuguesada. Se já estiver coletivizada ou consagrada, use-se a palavra no idioma original, entre aspas ou em grifo, e se escrita a mão, sublinhada. É a tradição nem sempre obedecida. Às vezes, o termo estrangeiro se impõe por sua alta expressividade ou por simples preferência dos usuários. Quem, em sã consciência, vai deixar de ir ao shopping center para freqüentar o centro de compras, ou abdicará do seu e-mail nos dias que correm? Carro com saco de ar certamente não é tão sedutor como o carro com air bag... Caprichos do idioma que consagrou o restaurante, como vem privilegiando o deletar. Este último, aliás, com grande possibilidade de naturalizar-se, até porque tem alguma coisa em comum com a língua portuguesa: a mesma origem latina: o verbo delere, apagar, destruir. E mais: a formação do hibridismo delet(e) + ar obedece rigorosamente à deriva do idioma que falamos".
Marina Baird Ferreira, coordenadora e editora do Novo Dicionário Aurélio Século XXI, inquirida por que a palavra restaurante é bem aceita, enquanto o mesmo deletar recebe algumas reprimendas, escreveu: "Restaurante - tal como hotel e outros mais - é vocábulo que se tornou de uso universal. De origem francesa, passou a todas as demais línguas de cultura. Em português, está abonado desde pelo menos Camilo (Camilo Castelo Branco, autor de Amor de Perdição). Já deletar é vocábulo cujo uso se restringe ao campo da informática. Ninguém diz: vou deletar um quadro-negro, ou algo semelhante. Por outro lado, quais foram os fatores, por exemplo, que fizeram com que o galicismo morgue viesse a se tornar desusado depois do surgimento de um neologismo (necrotério; ver o dicionário Novo Dicionário Aurélio Século XXI) para substituí-lo? Poder-se-ia dizer que talvez ainda não estivesse tão forte na língua a ponto de superar o seu substituto? Ou que pertencesse a meio muito restrito e culto e que, portanto, a sua "extirpação" talvez se tenha dado por uma questão de bom senso comum? Mas se tantas outras tentativas de salvaguardar-nos dos galicismos não lograram êxito, por que essa foi tão bem-sucedida? Vai saber…".
Em seguida, a dicionarista explica quais são os critérios para o registro de um vocábulo importado no célebre dicionário: "O que o Aurélio faz, bem como qualquer outro dicionário nos moldes dele faria, é constatar com seu registro uma realidade lingüística. Quando consigna um vocabulário estrangeiro, quer em sua forma original, quer adaptando-o ao padrão vernáculo, nem por isso o 'consagra'. Apenas reconhece que ele tem curso em nosso meio. O papel do dicionarista nem sempre é exclusivamente normativo".
Os limites
Quais os limites, portanto, para a incorporação de uma palavra estrangeira? Será o enfatuamento dos novos ricos se esbaldando nos anglicismos? Ou a existência de sinônimos perfeitos que substituam a contento os vocábulos estranhos? O lingüista Ernani Terra, autor de Linguagem, Língua e Fala, separa os estrangeirismos necessários dos desnecessários: "As palavras vinculadas a uma tecnologia nova, sem precedentes no país, são de pronta incorporação pelo português. Já aquelas palavras que denotam deslumbramento e valorização artificial de uma loja ou um produto, que tanto cativam as classes médias, essas eu considero prejudiciais. Esse tipo de atitude demonstra a baixa estima cultural que acomete muitos brasileiros; tudo o que vem de fora é superior. Mas esse é um problema que não compete à língua. Nossa soberania está ameaçada por outras invasões - econômica, política e cultural".
Da mesma forma, o lingüista José Carlos Almeida Filho acredita que existe realmente um abuso no uso de estrangeirismo. Ele identifica essa prática com a ânsia da modernidade. "As pessoas querem parecer atuais. É um processo psicossocial." Em resposta, prossegue o professor, seria preciso criar políticas de valorização da língua, investindo na formação dos professores no Brasil e no estrangeiro. "É preciso igualmente prestigiar a produção cultural brasileira: valorizar o que é da terra."
Da mesma opinião compartilha o professor Sírio Possenti. Para ele, a língua é a espuma de um problema muito maior. Só existe a invasão léxica porque atrás das palavras impõem-se outros valores e bens culturais. O temor atual pelos anglicismos baseia-se na "invasão" norte-americana que logra vantagem em quase todas as áreas de atividade - do cinema ao comércio. Portanto, uma política de defesa da língua só teria sentido se viesse acompanhada de outras ações que salvaguardassem a soberania brasileira em outros setores.
Porém, a prevenção incondicional diante da invasão dos estrangeirismos apresenta uma outra face perigosa. O purismo lingüístico, além de se mostrar contraproducente e até antinatural, pode denotar um nacionalismo desbragado. Um excesso que culminaria, em outros termos, em um processo xenófobo contrário às miscigenações. "É necessário lembrar que as pessoas que se opõem ao emprego de palavras estrangeiras normalmente se levantam também contra os regionalismos, ou seja, tendem a não aceitar a diversidade local", atenta o professor Possenti. O professor Fiorin vai além e salienta que "as tentativas de legislar contra a assimilação de vocábulos estrangeiros em outros países, como a França, a Itália, a Espanha e mesmo Portugal, tiveram orientação fascista".
E vale lembrar que mesmo na França, paradigma do policiamento contra estrangeirismos, a imposição de normas para proibir o uso de vocábulos ingleses não consegue repreender o emprego de expressões anglófonas na linguagem do dia-a-dia. Expressões como look, cool, shop, crack, quick e food conquistaram os falantes da língua de Victor Hugo, sem que o francês corresse risco de extinção.
shopping center (origem inglesa) - Reunião de lojas comerciais, serviços de utilidade pública, casas de espetáculos etc.. em um só conjunto arquitetônico sauna (origem finlandesa) - banho a vapor, de origem finlandesa, à temperatura de 60o a 80oC; banho finlandês bambu (origem malaia) - Gramínea (Bambusa vulgaris e B. arundinacea) caracterizada pela altura excepcional do colmo, que alcança muitos metros. Comunmente se planta como alfaiate (origem árabe - al-khaiiiãT) - indivíduo que faz roupas de homem e/ou de mulher de talhe masculino |
Línguas mestiças Sérgio Corrêa da Costa é diplomata e historiador, membro da Academia Brasileira de Letras. Em Palavras sem Fronteiras (Record), o autor recolhe em diversas línguas mais de 3 mil palavras que têm livre trânsito em outros (e variados) idiomas, seja nas formas originais ou com pequenas adaptações. Parte da lista de palavras que abre a matéria, bem como as origens e significados dos vocábulos, foram inspiradas nesta obra. A seguir, entrevista exclusiva do imortal à Revista E. Qual a sua opinião sobre a proposta do deputado Aldo Rebelo de defesa da língua portuguesa? É realmente necessário criar uma legislação específica para protegê-la? Em princípio, aplaudo qualquer iniciativa que promova a defesa da língua portuguesa, embora discorde das soluções alvitradas. Se a nossa língua vai mal, não é porque a cultura dita pós-moderna nos levou a incorporar, por exemplo, os neologismos da comunicação, e sim porque a juventude estudantil lê pouco, fala mal e escreve pior. Para proteger a língua, basta cultivá-la com respeito e genuíno interesse. Não é levantando barreiras artificiais contra a invasão de termos e expressões de curso internacional que defenderemos a nossa língua. Deveríamos começar por conhecê-la melhor. Se, por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em 1996, dedicou à questão lingüística apenas um dos seus quase cem artigos, tratemos de corrigir a omissão e dar embasamento mais sólido à defesa do idioma. Sou inteiramente cético quanto à utilidade de regulamentar, por decreto, a defesa do idioma. Campanhas, sim, e movimentos em prol da língua portuguesa, sob qualquer forma, terão sempre o meu aplauso, e o deputado Aldo Rebelo menciona expressamente essa avenida. Camisas-de-força, além de inócuas, seriam contraproducentes. Nossa língua é suficientemente dotada, sob todos os pontos de vista, para sobreviver às agressões presentes e futuras. Consideremos natural que a geração dotcom se delicie com o uso desimpedido da nomenclatura cibernética e pensemos, isso sim, em escorar a língua portuguesa mediante a correção das deficiências em nosso sistema educativo. A incorporação de vocábulos estrangeiros é nociva? Qual seria o limite adequado para essa incorporação? Em Palavras sem Fronteiras, coligi precisamente as palavras de trânsito internacional, isto é, aquelas que ultrapassaram os limites dos países onde nasceram para se tornar portadoras de uma espécie de marca registrada de suas origens. Tais palavras emigram praticamente para o mundo todo e acabam integrando uma espécie de "vocabulário sem fronteiras" que se amplia continuamente e aproxima as culturas. Anotei 3 mil dessas palavras, abonadas por 16 mil exemplos de uso que recolhi em mais de uma centena de jornais e revistas de quinze países, em oito línguas. Seria impossível definir um limite adequado para tal incorporação, que se faz naturalmente, à sombra da globalização de nossos dias. O inglês, que parece ser a maior ameaça, é o idioma que recolheu maior número de palavras de origem estrangeira. Não seria a potência lingüística que hoje assusta tantos se os anglo-americanos tivessem logrado impor políticas restritivas ao longo de sua história. A imprensa contemporânea em língua inglesa reproduz correntemente, muito mais do que a brasileira, palavras, locuções e expressões estrangeiras, sobretudo francesas, intactas, como, por exemplo reconnaissance (a nossa usa reconhecimento), entrepreneur (a nossa, empresário), exposé (a nossa, exposição), attaché (a nossa, adido), dénouement (a nossa, desenlace), e assim por diante. Não antecipo nenhum cataclisma. O senhor mora atualmente na França. O que tem a dizer sobre esse país considerado modelo em matéria de defesa do idioma? Ao contrário do que ocorre com as palavras e locuções francesas de uso generalizado, as anglo-americanas são freqüentemente "descartáveis", isto é, de curta duração, e tendem a ser substituídas por outras, não raro da mesma origem, sobretudo se referentes às tecnologias da comunicação e à finança internacional. Quais as contribuições do português para as palavras sem fronteiras? A contribuição do português ao que se começa chamar de "vocabulário universal" é modesta. Mas também modesto é o desempenho de culturas poderosas como a alemã e a russa. Quando exportamos palavras como azulejo, bossa-nova, cerrado, coco, fado, favela, macumba, mandarim, manga, samba, saudade, sertão, varanda, elas são portadoras de história e de cultura. Em Palavras sem Fronteiras, tratei separadamente das de origem tupi-guarani, como ananás, guaraná, jaguar, mandioca, pirarucu. Lembro que, há poucos anos, a imprensa internacional registrou, com espanto, o aparecimento de duas piranhas no lago Ganguise, no Sul da França. Manchete do Herald Tribune: "A Fishy Surprise in French Lake: Two Piranhas"... Dentre as de origem africana, inhame e banana, por exemplo, são palavras bantus, cola e vodu são ewê, ráfia é malgaxe, safári é contribuição do suaíle. |