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Equilíbrio saudável

 A diferença entre um trabalho corporal sério e um mero modismo está dentro de nós mesmos. Basta escolher de que maneira queremos nos relacionar com o nosso corpo

Já é antigo o ditado de que uma mente sã comanda um corpo igualmente sadio. Nos dias agitados do nosso tempo, para chegar ao equilíbrio as pessoas têm recorrido às milenares práticas orientais. O indiano yoga, o japonês karatê, a ginástica chinesa tai chi chuan. Mas, apesar de tudo, a fama não garante correção. Embora o número de praticantes de atividades corporais cresça a cada ano, poucos são os entusiastas que se preocupam em penetrar na filosofia de cada uma delas. Não basta comprar um quimono ou asfixiar-se no quarto com incenso. Essas atividades têm um objetivo, carregam preceitos e exigem dos praticantes uma dedicação que ultrapassa aquela visitinha semanal à loja indiana perto da sua casa. A verdadeira consciência corporal rompe a barreira das coqueluches para buscar o pleno autoconhecimento por meio de exercícios bem fundamentados. "Os modismos têm a ver com fatores externos ao esporte", explica o antropólogo José Guilherme Magnani. "São o resultado, por exemplo, da imposição do mercado, do marketing etc." Porém, ele salienta que essas modalidades que estão em voga, e por isso são valorizadas, podem ser praticadas em razão dos benefícios que originalmente elas podem proporcionar. "O problema está mais nas pessoas que as exercem induzidas apenas por esses estímulos externos." Mas já adianta: "Passado o modismo, certamente passará o interesse, pois não era genuíno".
Para a fisioterapeuta Carla Rodrigues, até o modismo representa uma tendência nesse novo século: "O fato de essas práticas estarem na moda se relaciona com a própria mudança que o homem vem sofrendo no seu modo de pensar e agir e na forma como vê a si mesmo", acredita. "Se ele as busca é porque são importantes para ele naquele momento, mas há muitos instrutores desvirtuando o verdadeiro sentido de determinadas práticas."

"Veja o yoga", exemplifica. "A prática diz respeito à união do homem consigo mesmo e com a energia superior. Assim, foi criado há milhares de anos e é essa a finalidade de suas posturas específicas, os asanas." O que a fisioterapeuta enxerga, na verdade, é a mudança de algumas formas de se praticar o yoga que, tendo sido importado pelo Ocidente, assimilou alguns de seus valores, como a prática puramente física, o que ela acredita afastar a "profundidade" e a "sutileza" do yoga milenar. "Mas, mesmo assim, não devemos discriminar essas modalidades, pois milhares de anos se passaram e tornou-se extremamente difícil usufruirmos plenamente do yoga como os indianos."

Já o mestre mundial do yoga, o médico indiano Vijayendra Pratap, em entrevista exclusiva concedida à Revista E em novembro de 1999, muito cautelosamente propôs uma relação pessoal com a prática ao dizer que, assim como a própria vida, o yoga traz algumas regras: "Se você quiser jogar bem, siga as regras", aconselhou. Que regras são essas? Ele explica: "Muito simples: ter compaixão, ser honesto, não roubar, compartilhar as coisas, enfim, viver uma vida simples para não se frustrar", define.

Mudanças interiores

Fugindo do modismo fugaz, muitos aficionados e instrutores reconhecem que a busca responsável pela consciência corporal é essencial para uma conduta saudável. Existem muitas novas modalidades cujos resultados, desde que levadas a sério, são louváveis. Um bom exemplo é o biocanto, em que os exercícios baseiam-se no uso da voz de forma improvisada, o que, segundo os praticantes, auxilia o indivíduo a controlar problemas diários e exercer o autocontrole. A professora Luciana Vianna garante que os benefícios dessa prática têm respostas puramente científicas. "A música provoca um conjunto de efeitos na pessoa", explica. "Determinados sons, associados a alguns tipos de melodias, induzem a uma alteração na freqüência das ondas cerebrais, provocando alterações no corpo e na mente." Além disso, a professora lembra que o canto tem papel importante na integração de grupos, o que despertaria sentimentos e atuaria na expressão e na capacidade de comunicação das pessoas. Entre os benefícios, estariam também o desenvolvimento da expressão corporal e a ampliação da percepção.

Ainda no campo das transformações internas que certas práticas corporais podem causar, encontra-se a bioenergética, que significa "energia da vida". Ela usa a respiração para trabalhar as emoções do ser humano. A psicóloga e terapeuta Carmem Nisticó explica que os preceitos da bioenergética estão baseados em "exercícios corporais". As aulas geralmente iniciam-se com um aquecimento ao som de músicas animadas, preparando os músculos para os exercícios. Feitos na maioria das vezes em dupla, esses exercícios consistem basicamente em massagens nos pontos de tensão, que a psicóloga chama de couraças. As regiões do pescoço, tórax, abdômen, pernas e braços são massageadas com a palma das mãos com a finalidade de "relaxar", na busca de um bem-estar físico e psicológico.

Porém, os resultados apresentados pela bioenergética, assim como por outras práticas de conscientização corporal, não devem dar a questão por encerrada. Alguns especialistas enxergam nessa "onda" de busca pelo equílibrio alguns pontos devem ser melhor analisados. O professor da Escola de Educação Física e Esporte da USP, Go Tani, ressalta que não há como impedir que as pessoas se interessem por enveredar pelo universo das atividades físicas a ponto de passar a ensiná-las a outras pessoas, mas há de se separar o joio do trigo: "O primeiro e grande passo para que essas práticas de conscientização corporal ocupem seu espaço sem colocar em risco a saúde dos praticantes é que seus estudos e fundamentos sejam ensinados em âmbito acadêmico", começa explicando. Go Tani sugere que uma forma de regularizar definitivamente a questão seria inserir o ensino dessas práticas nas faculdades de educação física, por exemplo. "O universo acadêmico poderia oferecer aos interessados um embasamento científico maior no ensino de cada prática", conclui.

A polêmica em torno da eficácia dessas práticas toma rumos mais intricados quando a opinião dos profissionais se choca com a das pessoas comuns, os praticantes. Sandra Regina Hernandez, por exemplo, pratica bioenergética há quatro anos. Dona de casa e mãe de três filhos, Regina não tinha a menor idéia do que se tratava o curso, mas agora garante ter plena consciência de seu corpo, de suas limitações e potencialidades. Além disso, ela identifica uma agradável mudança de comportamento: "A ginástica convencional me cansava um pouco, e aqui não, sinto-me renovada. No dia-a-dia com meus filhos era uma correria, eu queria que eles fizessem tudo correndo, hoje eu mudei a forma de educá-los".

Postura do bem-estar

Alvo de menos controvérsias, a eutonia é outra prática muito procurada por pessoas que se identificam com atividades físicas menos intensas e que têm o objetivo de reeducar a postura. "Trata-se de um trabalho corporal terapêutico que visa ao desenvolvimento psicofísico do indivíduo por meio de práticas e exercícios de atenção e percepção das sensações corporais", explica a terapeuta corporal e eutonista Gabriela Bal.

O nome eutonia é originário dos termos gregos eu (bom e harmonioso) e tônus (tensão), e a prática pode ser desenvolvida individualmente ou em grupos. "Os exercícios são indicados para casos de artrite, problemas de coluna e fraturas em geral", explica a professora. Além disso, tem sido uma boa alternativa para aqueles que desejam deixar a vida sedentária mas não se identificam com atividades de maior impacto.

Carlos Alexandre Segre faz aulas de eutonia há um ano. Ele explica o que sente durante a prática dos exercícios: "Minha lordose tem melhorado muito, além disso, sinto menos dores nas costas e também melhorei meus movimentos". Quanto aos benefícios psicológicos, Carlos associa naturalmente o corpo à mente: "Sempre que o corpo melhora, ficamos mais calmos".

Dia do Desafio

O Dia do Desafio é um evento com atividades físico-esportivas realizado há seis anos pelo Sesc São Paulo em parceria com a ParticipAction, do Canadá, e com a Trim & Fitness Internacional Sport For All Association (Tafisa), da Alemanha. Tem como objetivo motivar comunidades do mundo inteiro a praticar no mínimo quinze minutos de atividade física por dia, recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

A edição 2000 do evento teve como tema Esporte para Todos - Uma Ferramenta de Inclusão Social (tema do seminário internacional realizado pelo Sesc de 26 a 29 de junho - ver box). Neste ano, o evento foi realizado no dia 31 de maio, reforçando a noção de estimular a integração social, a criatividade, o surgimento de novas lideranças e espírito comunitário por meio das atividades físicas. São esses objetivos que desde o início norteiam o evento, que recebeu força maior em 1995, quando o Sesc tornou-se o Centro Coordenador para a América Latina. Participaram 409 comunidades, representando 28 países. A competição, na verdade, é mais um pretexto para envolver todo mundo na proposta. Embora haja entrega de troféus para as cidades que computam mais participantes, todos os envolvidos são vencedores.

O professor da USP José Guilherme Magnani, especialista em antropologia urbana, analisa que a relação esporte e inclusão social, proposta pelo Sesc, não poderia ser mais pertinente aos dias de hoje: "Esses temas estão relacionados com lazer, sociabilidade e práticas culturais no contexto urbano", explica. "O esporte pode ser incluído nessa temática, pois coloca pessoas em contato para além do momento em que é praticado, mobilizando as redes sociais mais amplas a que pertencem os participantes. Nesse sentido, está relacionado à questão da inclusão social, pois pode ser considerado uma atividade que não se restringe à mera prática esportiva: cria laços, amplia o uso do espaço, oferece uma alternativa de ocupação do tempo livre", finaliza.


Inclusão pelo esporte

No ano em que será realizada a 27a edição das Olimpíadas, o maior evento esportivo do mundo, o Sesc promoveu, em junho, o Seminário Internacional de Esporte para Todos. Um evento que contou com a parceria da Federação Internacional de Esporte para Todos (FISpT), da Trim & Fitness Internacional Sport For All Association (Tafisa, parceira da instituição também no Dia do Desafio), da Federação Internacional de Cinema e Televisão Esportiva (FICTS) e da Escola de Educação Física e Esportes da Universidade de São Paulo (EEFEUSP). Além disso, recebeu a chancela do próprio Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e da Organização das Nações Unidas para Ciência, Educação e Cultura (Unesco).

O simpósio fez parte do Calendário Internacional de Eventos de Esporte para Todos e abordou questões relativas aos valores, conteúdos e metodologias para construir e aperfeiçoar as formas de praticar esporte, buscando um trabalho de educação e inclusão social e cultural através de atividades físicas. Foram reforçadas as linhas de trabalho do Sesc com a prática esportiva, ou seja, a "alfabetização" e a autonomia no esporte, levando a cultura de atividades físicas bem orientadas e seus benefícios para o dia-a-dia dos cidadãos comuns. O evento reuniu pesquisadores e especialistas do Brasil e do exterior para debates sobre as teorias e práticas dos limites e do potencial do esporte como instrumento de inclusão social de crianças, jovens e adultos.