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Ecologia à mesa

 

O produtor Jefferson Steinberg / Foto: José M. Tomatela/AE

Cuidado com a saúde incentiva produção natural de alimentos

JOÃO BAUMER

Bons tempos aqueles em que a maior parte dos alimentos era produzida pelas próprias famílias. No quintal das casas havia horta, galinheiro, pomar, chiqueiro, uma vaca leiteira, um poço de água fresca. Ninguém duvidava da pureza dos alimentos. Mas a história avançou, veio a industrialização, a população aglomerou-se em grandes cidades e a comida, que antes era colhida nos quintais, passou a ser adquirida nos supermercados. De preferência, pronta para o consumo. A origem e o sistema de produção são completamente ignorados. Os fornecedores, agora grandes indústrias, competem entre si para oferecer ao mercado alimentos cada vez mais atraentes e mais baratos, enquanto o governo tenta cumprir seu dever de controlar, garantindo aos cidadãos a qualidade dos produtos.

Nem todos, porém, aceitam essa nova ordem das coisas. Sempre aparecem os grupos de rebeldes, e eles têm crescido muito nos últimos anos. São alguns consumidores exigentes, que só comem o que foi produzido sem agroquímicos, ou seja, sem fertilizantes ou pesticidas artificiais contra insetos e ervas daninhas. Eles só compram mediante um certificado que comprove a origem orgânica da colheita, e pagam mais por isso, o que vem incentivando novos produtores.

As estatísticas não são precisas, mas estudiosos do assunto dizem que cerca de 2% dos alimentos consumidos na Europa e nos Estados Unidos são produzidos organicamente. No Brasil, o índice ainda não atinge 1%. Mas estima-se o crescimento do mercado de produtos orgânicos em 25% ao ano nas regiões sul e sudeste do Brasil e em 10% nas demais. A norte-americana Organic Trade Association calcula que nos Estados Unidos esse mercado crescerá anualmente 20%, e o dobro disso na Europa.

Foi no continente europeu, aliás, que surgiu a insurreição contra a agricultura tradicional. O trauma da 2a Guerra Mundial fez aparecer entre os alemães a preocupação com o futuro e com a saúde da população. Uma das conseqüências foi o movimento contra o uso de adubos e pesticidas químicos na agricultura e na pecuária. A Alemanha é hoje sede de uma das entidades mundiais mais atuantes na defesa da agricultura orgânica: a Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica (Ifoam, sigla de International Federation of Organic Agriculture Movements).

Foi também na Europa que nasceu o primeiro selo de garantia de origem para produtos orgânicos, que assegurava ao consumidor que aquele alimento tinha sido obtido sem o uso de químicos.

Partindo dos campos europeus, os ideais da agricultura orgânica, ou ecológica, ou natural, se disseminaram pelo mundo. Nos Estados Unidos e no Brasil a demanda cresce tímida, fora da grande mídia, e restrita às elites econômicas. Por essa razão, a maior parte da produção brasileira é destinada à exportação para países europeus e o Japão.

No Japão e na Europa o consumidor se preocupa mais com a preservação ambiental, e alcança alguma satisfação "ideológica" ao adquirir produtos orgânicos. Nos Estados Unidos e no Brasil, o consumidor pensa mais na saúde da família. Favorecida por essas duas correntes de preocupação, a produção de alimentos limpos viceja.

Feira no parque

No Brasil, a agricultura orgânica chegou primeiro aos canteiros de hortaliças. O Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural (IBD), uma das entidades certificadoras de orgânicos do país, monitora hoje cerca de 40 mil hectares de lavouras desse tipo. Além das verduras, legumes e frutas, já se investe em produtos de maior peso industrial e comercial, como suco de laranja, soja, café, açúcar, óleo de dendê e castanha de caju. "Os produtos orgânicos movimentam cerca de US$ 50 milhões por ano, principalmente em São Paulo, no Paraná e no Rio Grande do Sul", afirma Alexandre Harkaly, presidente do IBD. Harkaly, engenheiro agrônomo engajado no fomento da agricultura orgânica há 20 anos, informa que a demanda por esse tipo de alimentos no Brasil é mais forte entre paulistas, paranaenses e gaúchos em decorrência de seu maior grau de informação e cultura.

O perfil do consumidor brasileiro de produtos orgânicos foi pesquisado pela primeira vez pelo engenheiro agrônomo Ricardo Cerveira, consultor em agricultura natural. Ele ouviu, em 1998, uma amostragem de 20% dos freqüentadores da feira especializada do Parque da Água Branca, na capital paulista. Conclusão: o consumo é restrito à elite econômica, pois esses produtos são mais caros que os convencionais. O consumidor tem elevado grau de instrução, e está preocupado com a própria saúde. Apenas 5% indicaram a preocupação ambiental como principal motivo para o consumo de alimentos orgânicos. O pesquisador lamenta que tão poucos pensem assim. "A saúde individual é importante, mas um ambiente limpo resulta em saúde para todos." Para ele, o consumo de alimentos saudáveis é conseqüência de uma agricultura limpa.

Outra entidade pioneira no fomento e na certificação de produtos orgânicos no Brasil é a Associação de Agricultura Orgânica (AAO). Ela surgiu das conversas de um grupo de engenheiros agrônomos interessados em agricultura alternativa, em meados da década de 80. Com o apoio deles, oito produtores orgânicos fundaram a associação em 1989, e logo abriram uma feira especializada no Parque da Água Branca, espaço cedido pela Secretaria de Agricultura do estado. A feira existe até hoje, e funciona nas manhãs de sábado. O parque abriga também a sede da AAO, que reúne 1,5 mil associados, entre agricultores, técnicos, artistas e intelectuais, e tem 350 produtores orgânicos certificados. O vice-presidente da associação, o engenheiro agrônomo Richard Duley, diz que a meta da entidade sempre foi mudar o sistema de produção de alimentos, eliminando o uso de agroquímicos para preservar o meio ambiente. Além disso, os adeptos da agricultura orgânica se preocupam também com a justiça social, cuidando dos direitos do trabalhador rural.

Com a mesma disposição com que defende a agricultura orgânica, Richard Duley critica a agricultura moderna, essa que conhecemos e que cobre a maior parte do mundo, com seus adubos e pesticidas químicos, sementes híbridas, anabolizantes e hormônios. Uma agricultura que se autodenomina revolucionária, e que se considera a única capaz de produzir a quantidade necessária de alimentos para suprir a humanidade. Uma falácia, diz o agrônomo, pois a pesquisa da indústria ligada à agricultura "sempre esteve voltada não para a produtividade das lavouras, mas para sua resposta aos insumos químicos". Basta observar, por exemplo, diz Duley, a produção de sementes híbridas, incapazes de brotar sem um fertilizante específico. E que só resistem a um determinado herbicida. Normalmente são produtos patenteados pela própria indústria que desenvolveu a semente, o que deixa claro que o interesse dos "revolucionários" não é alimentar a humanidade, mas vender insumos químicos. Além disso, ressalta Duley, a uniformização das lavouras favorece o surgimento de pragas, ao contrário da atividade agrícola que respeita a biodiversidade.

Alternativa

Os alimentos orgânicos se apresentam como uma alternativa à agricultura moderna. Não como volta ao passado, aos quintais e galinheiros, mas como promessa de futuro. Agricultores e técnicos ligados à produção orgânica dizem que ela é o único meio sustentável de produção de alimentos, porque preserva o meio ambiente, os recursos naturais e a saúde do agricultor.

O cultivo orgânico de alimentos é extremamente adequado à agricultura familiar, à pequena propriedade, mas pode ser adaptado a qualquer atividade agropecuária. A engenheira agrônoma Teresa Saminez, do Centro Nacional de Pesquisa de Hortaliças da Embrapa (Empresa Brasileira de Agropecuária), diz que o sistema orgânico pode ser aplicado parcialmente nas grandes culturas convencionais, e amenizar o impacto dos agrotóxicos. "Não existem dados sobre a viabilidade da agricultura orgânica em larga escala, mas acredito nela, tendo em vista a permanência dos produtores que adotaram o sistema orgânico há mais de dez anos, e que estão prosperando", diz.

O processo de transição, porém, é lento. "No início a margem de lucro é baixa, quase zero, mas depois a renda do agricultor orgânico cresce, por conta da sustentabilidade e manutenção das condições de cultivo", diz Teresa Saminez. A sustentabilidade a que ela se refere diz respeito à conservação da fertilidade do solo, continuamente enriquecido com adubação orgânica e não exposto ao esgotamento, em virtude da rotação de culturas. Diz respeito também à preservação dos mananciais de água limpa e à fabricação gradual dos insumos orgânicos na propriedade rural, como esterco, húmus de minhoca e ração, por exemplo. "A criatividade do produtor também faz diferença, e é muito grande a diversidade de alternativas", afirma a agrônoma.

Necessidade ou ideologia?

Forçado pelas circunstâncias, o produtor de café Paulo Correa adotou há 13 anos o sistema orgânico de cultivo. Não foram nem o apelo ecológico, nem a preocupação com a saúde, nem as possibilidades de mercado que o seduziram. No final dos anos 80, uma crise no mercado internacional de café reduziu os preços do produto, e Correa, mineiro de Manhumirim, constatou que o adubo aplicado nos cafezais era mais caro que o café que colhia. "Então resolvi mudar, e substituí o adubo químico pelo orgânico", conta. Ao mesmo tempo, iniciou a formação de um minhocário, para produção de húmus. Não precisou mais dos insumos químicos, e conseguiu manter-se em atividade. Durante cinco anos, vendeu seu "novo" café como qualquer outro, sem nenhuma diferenciação de qualidade ou de preço. Mas descobriu que seu produto valia mais, e que havia grande demanda por café orgânico no mercado externo. Adequou-se às normas do sistema orgânico de cultivo, foi certificado pelo IBD, e hoje exporta toda a sua colheita. "Só uma pequena parte da produção, de qualidade mais baixa, é vendida aqui mesmo no Brasil, para indústrias de café solúvel", explica.

O projeto de Paulo Correa é manter 300 mil pés de café orgânico em sua propriedade de 125 hectares. Ele já cultiva 265 mil pés, dos quais 90 mil estão em produção. A colheita prevista para este ano é de 2,7 mil sacas, que serão exportadas para Alemanha, França e Japão, por um preço cerca de 25% superior ao do café convencional.

Além do melhor preço, Correa tem custos de produção menores que os outros cafeicultores. Para a adubação dos cafezais, ele mantém 150 vacas holandesas na fazenda, que produzem 3 mil quilos de esterco diariamente. O leite dessas vacas é vendido na cidade, e gera lucro também. Além disso, um minhocário fixo de 60 metros cúbicos não deixa faltar húmus para as lavouras, além de reciclar os rejeitos orgânicos da propriedade. Outros minhocários menores estão espalhados entre os pés de café. Criatividade, aqui, rimou com lucro, ecologia e saúde.

Se os produtores de café orgânico conseguem receber um prêmio de 25%, os responsáveis por sua comercialização externa podem lucrar até 50% mais. É o que diz o exportador Keizo Tokuriki, de São Paulo, que embarca 500 sacas para o Japão, todo mês. Mas a "paixão" ecológica ainda é a mola propulsora da agricultura orgânica. O engenheiro agrônomo Jefferson Steinberg é funcionário da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, e há 12 anos cultiva hortaliças orgânicas em Ibiúna, no interior paulista. "Desde os tempos da faculdade eu me preocupava com o impacto ambiental dos agrotóxicos, e procurava alternativas para uma agricultura sustentável", relembra. Em 1989, ele estava entre os pioneiros da feira de orgânicos do Parque da Água Branca, e integra a AAO desde então. Hoje Steinberg cultiva suas hortaliças num sítio de 48,4 mil metros quadrados, continua na feira do parque, criou uma feira "atacadista" às terças-feiras, no mesmo Parque da Água Branca, e mantém um sistema de entrega de produtos em domicílio, em associação com outros produtores orgânicos que vendem laticínios, frango, mel e artigos processados, como geléias. Recentemente, instalou duas estufas em seu Sítio Terra & Saúde, onde pretende produzir tomate. "A agricultura orgânica é um negócio e depende da administração correta e da escolha dos produtos mais rentáveis. Eu ainda pretendo me dedicar só a ela", afirma.

Igualmente apaixonado por ecologia, o paranaense Rogério Konzen fundou em 1993 a empresa Terra Preservada, que dá assistência técnica a 700 pequenos agricultores, de quem compra toda a produção. Konzen exporta soja, trigo, milho, feijão, arroz e outros cereais para a Europa, Estados Unidos e Japão. Em 94, a Terra Preservada embarcou 400 toneladas de grãos exclusivamente orgânicos e certificados. No ano passado, o embarque somou 5 mil toneladas. Este ano, Konzen pretende embarcar 8 mil toneladas. "A tendência de crescimento da agricultura orgânica é muito forte. É um caminho sem volta, pois o consumidor pede cada vez mais", avalia o empresário. Apesar da exportação crescente, Konzen está de olho no mercado interno, e se prepara para fornecer orgânicos para supermercados, indústrias de farinha e torrefatores de café. Ele tem também projetos para cultivar grãos em áreas maiores, para mostrar que é possível adotar o sistema orgânico de cultivo em grandes propriedades. "Já tenho um fornecedor de soja orgânica que é um grande produtor, com mais de 1,5 mil hectares cultivados. Depois de três anos, a produtividade dele é equivalente à média brasileira das lavouras convencionais", conta.

A trajetória de Konzen começou com as hortaliças, que ele queria puras, sem adição de "venenos". Depois, abriu um restaurante vegetariano na capital paranaense, sempre servindo pratos à base de orgânicos. Radical, ele queria que até a farinha de trigo das massas servidas no restaurante, assim como o óleo de soja, fossem orgânicos.

Nas gôndolas e bancos

As grandes redes de supermercados também estão atentas à nova demanda. Há quatro anos, a rede francesa Carrefour instalou gôndolas específicas para produtos orgânicos em suas lojas. O objetivo era atender os clientes que pediam produtos frescos de qualidade, principalmente hortaliças e frutas, de acordo com o diretor de agronegócios do grupo, Arnaldo Eijsink. Desde o início, os produtos vendidos pelo Carrefour tinham de ser certificados ou pelo IBD ou pela AAO. O sucesso foi tanto que o grupo passou a cultivar uvas orgânicas numa fazenda de 140 hectares em Petrolina (PE). A rede já mantinha, em outros países, o selo "Garantia de Origem Carrefour", que chegou às lojas brasileiras em maio do ano passado. Hoje, 35 produtos já exibem esse distintivo nas gôndolas. "O selo foi criado a pedido dos clientes, preocupados com a qualidade dos alimentos perecíveis, com os agrotóxicos, os hormônios, os transgênicos, a vaca louca, a dioxina...", conta Eijsink.

Só recebem o selo os produtos que puderem ser rastreados em toda a cadeia produtiva e não contiverem ingredientes polêmicos (como os transgênicos); apresentarem maturação correta e frescor (os peixes são transportados vivos); e os que tiverem um visual atrativo. Os produtores que recebem o selo do Carrefour estão sujeitos a auditoria periódica, e assinam um contrato de fornecimento de tudo o que produzem para o grupo. "Se o volume exceder à demanda das lojas do Brasil, esses produtos serão enviados às lojas da rede no exterior", diz Eijsink.

O Banco do Brasil, maior agente financiador da agropecuária brasileira, anunciou no início deste ano sua opção preferencial pela agricultura orgânica. Trata-se do Programa de Apoio à Agricultura Orgânica, que dá prioridade aos produtores desse sistema no acesso às linhas de crédito rural do banco. "Antes do programa, o agricultor orgânico tinha dificuldade de acesso ao crédito, por causa das peculiaridades do sistema de cultivo diferenciado", explica Liliane Joels, analista da Unidade Rural e Agroindustrial do Banco do Brasil. "Agora, se dois produtores pedirem crédito e o banco puder atender a apenas um, o orgânico terá prioridade, em qualquer agência do país", garante. As linhas de crédito disponíveis são para o custeio da safra, investimentos e comercialização. As taxas de juros variam de acordo com o tamanho da propriedade. Mas somente terá prioridade o produtor que apresentar o certificado do IBD ou da AAO.

O mercado para produtos orgânicos é vasto, e apenas começou a ser explorado. Há vantagens em todas as pontas. O consumidor tem certeza de que está comendo alimentos limpos. Os agricultores e pecuaristas ficam menos sujeitos a doenças por não lidarem com químicos e ainda recebem entre 20% e 50% mais sobre o preço do produto convencional.

Para o futuro, embora divergentes, as projeções são todas positivas. Para Alexandre Harkaly, do IBD, as grandes multinacionais do setor vão aderir gradualmente, reduzindo o uso de insumos químicos para melhorar a imagem de seus produtos. Assim, quanto maior for a oferta, mais cairão os preços dos orgânicos e aumentará o acesso da população a eles. Richard Duley também aposta na convivência entre os diferentes meios de produção, e espera que os conceitos do sistema orgânico "contaminem" a agricultura moderna convencional. O pesquisador Ricardo Cerveira diz estar certo de que a agricultura orgânica vai substituir a convencional, que não é sustentável porque gera intensa degradação ambiental, social e econômica. O vice-presidente da Associação dos Produtores em Agricultura Natural, Ywao Utsumi, concorda e manda um recado a todos os produtores rurais: "Dentro de alguns anos, quem não for certificado vai ter dificuldade para comercializar sua produção". Dessa forma, mesmo sem nostalgia de galinheiros e hortas, um número cada vez maior de consumidores vai querer saber de onde vêm os alimentos. E consolidar a agricultura orgânica.

Churrasco verde

A agricultura orgânica não se restringe à produção de vegetais. Alimentos de origem animal também podem ser obtidos organicamente. Já existem experiências do gênero no Brasil. Richard Duley, da AAO, diz que o marketing oficial do governo brasileiro para a exportação de carne bovina é baseado em preceitos orgânicos. "Mesmo não sendo um produto orgânico, o boi brasileiro é conhecido no exterior como ‘boi verde’, porque é criado no pasto, não recebe ração nem hormônios", afirma.

O fato é que nenhum país no mundo tem condições para criar bois de modo tão natural quanto o Brasil. Na Europa e nos Estados Unidos, quase toda a produção de carne é obtida com o confinamento de animais, que se alimentam exclusivamente de ração. Nos Estados Unidos é comum a aplicação de anabolizantes, tanto que os europeus, sempre tão zelosos com a saúde e com a ecologia – e traumatizados por escândalos como o da doença da vaca louca –, rejeitam a carne norte-americana. Assim, o boi brasileiro tem larga vantagem competitiva no mercado internacional, desde que esteja protegido de doenças controláveis, como a febre aftosa.

O bancário aposentado Bertilo Sulzbach viveu durante alguns anos na Europa, e conheceu de perto a avidez dos europeus por produtos orgânicos. Mais: descobriu que a produção de orgânicos no Brasil é muito mais fácil e barata do que lá, por conta do clima e da abundância de recursos naturais. De volta ao Brasil, instalou no município gaúcho de Estrela a Avicultura Ecológica Ltda. (Avecol), onde reproduz, cria, abate e comercializa frangos "praticamente" orgânicos. "Não posso dizer que é 100% orgânico porque não é possível saber a procedência exata do milho, mas toda a ração dos frangos é de fabricação caseira, e exclusivamente vegetal", revela.

Os frangos de Sulzbach são da raça francesa Label Rouge, e ficam prontos para o consumo entre 90 e 120 dias. Nos aviários convencionais, o frango vai para o frigorífico aos 45 dias, em média. A diferença se explica: os frangos da Avecol não recebem hormônios de crescimento. A ave orgânica de Estrela custa o dobro de uma convencional e, mesmo assim, Sulzbach, que abate 2 mil frangos por semana, não consegue atender à demanda.

Outro detalhe: os frangos de Sulzbach são mais felizes que os dos outros. Durante os primeiros 30 dias de vida, ficam confinados em galpões. Mas quando completam um mês, são soltos no campo, e cada um tem cerca de 3 metros quadrados de "pasto" para ciscar, e correr livremente. Eles só entram nos galinheiros para comer e dormir. "Livres, os frangos procuram eles mesmos os remédios na natureza, e eu não preciso aplicar nenhum tipo de antibiótico", conta o criador. "Quando um deles fica doente, nós o tratamos com remédios homeopáticos, adicionamos alho e limão à água ou misturamos algum chá natural, mas nunca antibióticos." O que não ocorre freqüentemente, pois, como acontece com os humanos, animais felizes e com espaço para caminhar e correr adoecem muito menos.

Em setembro do ano passado, os frangos da Avecol ganharam o selo "Garantia de Origem Carrefour". Junto com ele, Sulzbach levou um contrato de fornecimento para as quatro lojas gaúchas do grupo. Ele aguarda o selo do Serviço de Inspeção Federal, o SIF, ainda este ano, o que vai permitir a venda de suas aves para outros estados.

A Avecol já foi visitada por duas missões da França. "Um dos técnicos franceses pegou um punhado de ração no cocho dos frangos e a comeu. Depois, me deu os parabéns", diverte-se o avicultor. Entusiasmado, ele já começou a criar coelhos, codornas, faisões, galinhas-d’angola e patos caipiras. Todos pelo sistema orgânico de produção.

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Lavar, lavar e lavar

O ideal seria que nenhum alimento representasse ameaça à saúde. Mas é consenso entre os cientistas que os alimentos consumidos in natura podem apresentar mais riscos. "O processamento industrial pode degradar resíduos químicos, especialmente quando os alimentos passam por algum tipo de tratamento térmico", diz o biólogo Eduardo Vicente, pesquisador científico do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital). Portanto, o consumidor precisa estar mais atento na hora de comprar frutas e verduras, que normalmente vão para a mesa cruas.

No caso das frutas, não é preciso necessariamente retirar a casca, que é nutritiva. A melhor prevenção é lavar bem, três vezes, os alimentos que são consumidos crus. A regra vale para as frutas e para as verduras. "A tríplice lavagem reduz muito a concentração de resíduos", explica o agrônomo Afonso Peche, pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Algumas partes da fruta merecem atenção especial. "A região próxima ao cabinho do tomate, por exemplo, é um importante foco de resíduos", ensina o biólogo Vicente.

Não existe, porém, razão para alarme. "Não há registro na literatura científica de que alguém tenha morrido intoxicado por alimento contaminado com pesticida", afirma o pesquisador do Ital. Mas o consumo crônico de alimentos contaminados pode produzir doenças. "Nesse caso, o problema só será descoberto depois de 10 ou 20 anos, quando se torna praticamente impossível detectar sua causa direta." A solução é administrar o risco. Na hora das compras, por exemplo, é preciso observar bem os alimentos in natura, para verificar a presença de manchas ou resíduos químicos.

Quando o alimento é processado, o consumidor deve checar no rótulo se há selo de qualidade e registro do produto no Ministério da Agricultura. Fora disso, só a confiança na indústria. E um movimento de pressão para que os governos aprimorem a fiscalização e o controle de toda a cadeia produtiva de alimentos, desde a origem, na fazenda, até a gôndola do supermercado. Afonso Peche diz que a popularização da fiscalização pode ser muito eficaz, pois nem governos nem empresas querem estar sujeitos a processos judiciais e ao pagamento de indenizações, e muito menos à perda de eleitores/consumidores.

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Preocupação da indústria

Enquanto cresce a procura por alimentos orgânicos, a indústria de agroquímicos trabalha para desenvolver produtos menos agressivos ao meio ambiente e à saúde do agricultor e do consumidor. Segundo o presidente executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), Cristiano Walter Simon, o interesse das indústrias é oferecer ao mercado insumos de rápida degradação. "Todo novo produto registrado é menos tóxico que o anterior." Além disso, a dose necessária para o combate a pragas é cada vez menor. "Hoje se usam gramas por hectare. Antes se usavam quilos ou litros no mesmo hectare", destaca o executivo da Andef. As indústrias de agroquímicos também se preocupam em recomendar técnicas de manejo integrado, em que o insumo é aplicado junto com uma série de procedimentos agronômicos que reduzem a incidência de pragas nas lavouras. A escolha de variedades mais resistentes, a rotação de culturas, o melhoramento genético e o uso de feromônios (hormônios sexuais que atraem insetos para armadilhas) são algumas dessas técnicas.

O uso de tecnologia avançada é uma necessidade não só ambiental e de saúde pública, mas também econômica. "A empresa que não adotá-la não sobrevive, pois o agricultor procura produtos mais seguros e está cada vez mais seletivo, optando por insumos que estimulem o manejo integrado", conta Simon. "O consumidor final também exige cada vez mais alimentos limpos", ressalta. Essa tendência é evidente, mundial e irreversível, na avaliação do executivo. Já se comercializa no Brasil, por exemplo, inseticida biológico. Trata-se de uma solução inócua que, pulverizada sobre a lavoura, serve de veículo para bactérias que exterminam determinada praga, sem prejuízo para as plantas. De qualquer forma, as indústrias estão legalmente protegidas. A responsabilidade por uma eventual contaminação é de quem aplica o agroquímico, e de quem vende a mercadoria final. "Todos os produtos são vendidos mediante recomendação de um engenheiro agrônomo", diz Simon. Além disso, o rótulo sempre traz a composição, a forma correta de aplicação e as indicações do produto. Se o agricultor seguir as instruções, a indústria garante que o processo é seguro.

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