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Encontro


A voz do leitor
por Suzana Singer

 
Desde abril, a jornalista Suzana Singer ocupa a função de ombudsman – profissional responsável por analisar a publicação e receber críticas, sugestões e reclamações dos leitores – na Folha de S.Paulo e na Folha Online. Antes de ocupar esse cargo, ela trabalhou por quase seis anos como secretária de redação. “Foi um começo difícil, porque, como vim da redação, sei das dificuldades enfrentadas pelos meus colegas. Mas, agora, meu trabalho é olhar o jornal como leitora, preciso apontar onde está ruim”, disse durante conversa com o Conselho Editorial da Revista E.

Ela defende a existência de um ombudsman em todos os veículos de comunicação por considerar a função primordial para que os profissionais tomem ciência dos seus erros, que, muitas vezes, passam despercebidos pela pressa do fechamento.

Suzana também analisa o cenário brasileiro e mundial do jornal impresso e eletrônico, faz uma comparação da qualidade dessas duas formas de se noticiar e opina sobre a obrigatoriedade do diploma de jornalista. A seguir trechos:


Lentes de leitor


Diariamente, tenho de fazer uma leitura crítica e comparada da Folha. Trabalhamos agora com um blog, ao qual a redação toda tem acesso e no qual comento os acertos e erros do jornal. Pela primeira vez, eles podem responder às minhas críticas. Foi um começo difícil, porque, como vim da redação e sei das dificuldades enfrentadas pelos meus colegas, desculpava-me por tudo.

Mas agora como ombudsman, meu trabalho é olhar o jornal como leitora, preciso apontar onde está ruim. Não tenho dúvida da importância do ombudsman, porque, quando você faz o jornal às pressas, muitas vezes não nota os problemas.

 
Uma minoria crítica se dá ao trabalho de mandar um email para nos dizer do que não gostaram. Para não ficar só com os leitores que procuram o ombudsman, entro em contato com uns quatro, cinco leitores por semana, não tenho braço para fazer mais do que isso. Mas conversar um pouco com eles para saber do que eles têm gostado ou não é bom porque me dá uma noção um pouco mais real do que o leitor comum pensa do jornal. Já a última atribuição é redigir uma coluna semanal, publicada aos domingos na Folha, na qual tenho total liberdade para escolher o assunto, sem submetê-lo à direção. Se eu quiser ouvir o outro lado, ouvir a redação, eu faço isso.


Há uma parcela grande de pessoas que se incomodam com alguma matéria específica. Um leitor nos contata e fala que achou a cobertura de uma matéria tendenciosa para um lado, dá sua opinião escrevendo para nós. Quando sai uma matéria sobre determinado tema, o especialista naquele assunto nos procura e diz que tem uma besteira ali. Há também uma patrulha política muito forte, principalmente neste ano de eleições.

Prova de coragem


Quando o cargo de ombudsman foi criado, houve muitas críticas no sentido de as pessoas o verem como uma jogada de marketing. Acho que, ao longo dos anos, isso provou ser mentira, porque pouquíssimos órgãos de imprensa adotaram a função, uma vez que ela incomoda tanto ao público interno quanto externo. O site UOL, por exemplo, acabou com o cargo, a TV Cultura também. Adotá-lo significa colocar para todo mundo os defeitos do seu jornal.

Às vezes, as pessoas usam isso para processos jurídicos. “Olha, até o ombudsman falou que isso estava ruim”... Não sou defensora da Folha, mas acho que essa é uma prova de coragem e também algo com que realmente os outros órgãos de imprensa só teriam a ganhar.

A última coisa que fiz, foi entrar no Twitter [rede social e servidor para microblogging que permite aos usuários enviar e receber atualizações na internet]. Logo depois que assumi como ombudsman, as redações da Folha e da Folha Online se fundiram num processo que ainda está com vários problemas. Sou ombudsman do Folha.com também. É muita coisa para uma pessoa só. Faço uma ou outra crítica, mas não dá para acompanhar com tanta atenção quanto dispenso ao jornal. Achei que o Twitter era bom porque muitos twitteros me dão toques sobre coisas que estão no site, criando um canal com pessoas mais novas, gente que já abandonou o jornal.


Fatos e tendências


O risco do jornal é ser uma cápsula isolada do mundo porque, por exemplo, a Folha, O Estado [de S.Paulo] e a maior parte dos jornais no Brasil vivem muito mais de assinatura do que de venda em banca. O jornal tem certa inércia com venda. Falam que o jornalista escreve para ele mesmo, para os colegas ou para as fontes. Então eu acho que manter o contato com o leitor cria um vínculo com seu público, mas não é uma coisa automática, do tipo: ah, reclamaram então vamos mudar.


Por exemplo, a Folha fez uma reforma gráfica grande, ousada, mudou a cara do jornal. As pesquisas mostraram aprovações, mas chegou para o ombudsman muita crítica. Senti estranheza diante daquilo, então dei voz às pessoas, escrevi sobre isso, falei sobre os problemas que aconteciam. E acho que o jornal foi acertando. Não vai voltar ao que era e nem faz sentido, mas tem uma influência do leitor.
“Leia mais”, “clique aqui”
 

A circulação dos jornais aqui é estável, crescendo um pouquinho, mas no exterior há uma queda mais acentuada. No Brasil não acontece ainda, mas o que percebemos é que as novas gerações são muito avessas ao meio impresso. O jovem não tem o hábito de pegar o jornal na mão; em pesquisa com jovens pudemos comprovar isso. É uma geração que foi criada fora desse meio impresso, diferentemente de gerações antigas; o cara via o pai, o avô todo dia tomarem café com o jornal. Isso é preocupante.

O mercado também se sustenta muito por conta dos jornais populares, alguns que cresceram com a ascensão das classes C e D. A meu ver, o jornal precisa mostrar que ele ainda é muito melhor, em termos de qualidade, do que o que se encontra na internet. Ainda é, mas não sei por quanto tempo. As coisas na internet são muito mais ligeiras, uma fonte só, em geral, sem aprofundamento, um texto malconstruído, e eles interrompem toda hora com aqueles “leia mais”, “clique aqui”. Não acredito nesse jornalismo espontâneo, você vai ter lá um milhão e meio de fontes. Mas as pessoas querem que alguém edite isso, que alguém diga: “Olha, isso é o mais importante...”.

Bom repórter

Hoje existe uma exigência maior para o jornalista. A pessoa pode ser obrigada a escrever para o online, depois para o impresso. Na Folha não é obrigatório, mas, se a pessoa vai fazer uma cobertura ?fora, ela pode levar uma câmera de vídeo, pode montar um podcast. São coisas mais técnicas, mas não acho isso problemático, não. Acho mais complicado quando o jornalista se acomoda na posição de pesquisar qualquer coisa no Google. Ou seja, não gasta sola de sapato.


Sou da época em que a gente pesquisava no banco de dados, olhava pastas de papel, você saía da redação e entrevistava pessoas para descobrir alguma coisa. Hoje, ficou bem mais fácil. Por exemplo, para encontrar personagens para as matérias, basta entrar no Orkut e encontrar comunidades para tudo. Isso me incomoda. O bom repórter faz bem seu trabalho, tanto no online quanto no impresso. A diferença é que o trabalho de edição do impresso não existe no online, onde se escreve e manda sem passar por processos de revisão. Então, quem teve a oportunidade de trabalhar só no impresso tem certa vantagem.

Não defendo a obrigatoriedade do diploma de jornalismo, acho que dá para ser bom jornalista formado em outra área. Quem estuda jornalismo também é ótimo, não precisa dessa reserva de mercado.


“Acho mais complicado quando o jornalista se acomoda na posição ?de pesquisar qualquer coisa no Google. Ou seja, não gasta sola de sapato”

A ombudsman da Folha de S.Paulo, Suzana Singer, ?esteve presente na reunião do Conselho Editorial ?da Revista E em 15 de julho de 2010