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Enfant Terrible

Jerry Speier/Divulgação

Em Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, peça escrita em 1962 pelo dramaturgo norte-americano Edward Albee, George e Marta – personagens centrais da trama – travam um duelo verbal com Nick e Benzinho, casal que servirá de espelho para ambos. George diz: “(…) a complexidade e o ritmo ondulante da História serão eliminados. Vigorará a ordem e a constância (...)”.

Os acontecimentos que puseram os Estados Unidos no topo da história, que os tornaram modelo econômico e social para o resto do mundo serão o elo mais frágil na dramaturgia de Albee. A crítica consagrou, ao longo do tempo, A História do Zoológico (1958), O Sonho Americano (1960), Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1962), Um Equilíbrio Delicado (1966) e Três Mulheres Altas (1991) como os melhores textos do autor.

Em todos, busca mostrar um sistema aparentemente ordenado que entra em ruína pouco a pouco, conforme as personagens tomam consciência das engrenagens que as motivam a estarem ali. Edward Albee rompeu muito cedo com o estilo de vida norte-americano.

Nascido em 12 de março de 1928, foi adotado ainda bebê pelo casal Reed e Frances Albee, donos de uma cadeia de teatros. Muito da visão crítica sobre a sociedade americana capitalista se dá após sair da casa dos pais, aos 20 anos. Passa a conviver com intelectuais e grupos de vanguarda no bairro de Greenwich Village, em Nova York. Ali se encontravam expoentes da Geração Beat, boêmios e escritores ligados ao Partido Comunista – nesta época, alvo das perseguições e delações do senador Joseph MacCarthy. 

O absurdo da existência

A História do Zoológico, que marcará o início da carreira do dramaturgo, será encenada pela primeira vez em Berlim, em 1959. Escrita em um ato, com apenas duas personagens em cena, em 1960 foi apresentada em Nova York, no Provincentown Playhouse. Espaço que privilegiava montagens experimentais, sem apelo comercial. No local, também podia ser vista A Última Gravação de Krapp, do escritor irlandês Samuel Beckett, autor que será lembrado como influência permanente para Albee.

“Beckett é um ponto de referência para ele, porque vai tratar de coisas que diziam diretamente respeito à geração de Albee. De alguma maneira, os textos não obedecem a uma estrutura mimética da realidade, é um trabalho apoiado integralmente na linguagem e no diálogo”, afirma Maria Silvia Betti, professora do Departamento de Letras Modernas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), pós-doutora pela New York University.

Albee será ligado, no momento de sua ascensão, ao Teatro do Absurdo, no livro homônimo do crítico Martin Esslin. Cunhado em 1961, o termo seria associado a nomes como Albert Camus, o próprio Beckett, Harold Pinter, Jean Genet entre outros. Em 1945, a Segunda Guerra Mundial terminava com um rastro de destruição e terror.

Os artistas intuíram a perda de sentido para todas as ações do homem, que lutavam para se reconstituírem no pós-guerra. Daí o sentimento de absurdo dominar a cena em Esperando Godot (1949), de Beckett. Albee escreve A História do Zoológico nove anos depois. 

A crítica teatral Bárbara Heliodora, tradutora de O Teatro do Absurdo (Zahar Editores, 1968) no Brasil, afirma que qualquer tentativa de classificar o dramaturgo norte-americano é inviável. “Ele é um escritor muito individual, não é possível colocá-lo dentro de movimentos. O Beckett pode ter influenciado, mas Albee toma outro caminho”, diz.
Esse trajeto sempre esteve ligado à crítica social e à experimentação, segundo Maria Silvia.

“Teve muitos fracassos comerciais, muitas peças não deram certo; mas nunca abriu mão da investigação formal”, explica. Alguns de seus trabalhos não tiveram destaque nem mesmo no circuito off-Broadway, caso de A Caixa de Areia (1959). “Ele é um autor muito desigual, ou é ótimo ou é ruim”, define Bárbara Heliodora.

Mesmo com seus altos e baixos, manteve-se enraizado no processo histórico de seu país – ligação que, anos antes, havia impulsionado o surgimento de grandes nomes da dramaturgia. Eugene O´Neil; Arthur Miller e Tennessee Williams proporcionaram a base do que viria a se chamar “teatro norte-americano moderno”, segundo Iná Camargo Costa no livro O Panorama do Rio Vermelho (Nankin Editorial, 2001). Para a autora, a história sempre renegou a importância que trabalhadores e imigrantes tiveram na construção do imaginário norte-americano.

Dramaturgos como O´Neil e Tennessee empenharam-se em retratar estas classes. Algo que Albee herdará, mesmo expondo em cena a vida da classe média, mostrará o descontentamento e vazio dessas relações.

Filho adotivo

Muitos críticos apoiaram-se na adoção de Edward Albee, ainda criança, para tecerem análises sobre sua obra. O autor, em vários casos, lança a questão em seus textos, ao discorrer sobre o filho imaginário que assegura a relação do casal em Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?; a criança adotiva morta e a busca pelo filho perfeito em O Sonho Americano; a filha distante em Um Equilíbrio Delicado.

Albee joga com o cinismo e embaralha as possibilidades de leitura. Em entrevista no início deste ano ao jornal Folha de S. Paulo, afirma: “Estou limitado pelas fronteiras da minha imaginação. Escrevo o que consigo imaginar. Mas não limito a minha escrita a fatos que tenham acontecido comigo, porque não penso ser um objeto teatral tão interessante assim”.

Na juventude, a convivência com a família torna-se difícil por não corresponder ao ideal do pai, milionário e protestante. Albee nunca abriu mão de sua homossexualidade. Nega a fortuna da família e passa a trabalhar como office boy, mas recebe uma pensão da avó – que será retratada em A Caixa de Areia (1959). Para a teórica Maria Silvia Betti, o filho simbólico na dramaturgia do autor representará a busca pela felicidade a todo o custo e a constante afirmação dos bens privados na sociedade.

“É a alegoria do sonho americano mutilado, aquele sonho de esperança e paz que não se concretizou. O filho incorpóreo não sobrevive ao enfrentamento das pessoas na realidade, essa é uma imagem muito poderosa no trabalho de Albee”.

De acordo com o diretor Antunes Filho, que encenou Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, em 1978, a obra ilude o espectador a um primeiro olhar. “Debaixo de um verniz de cinismo de seus personagens, residem questões psicossociais profundas, que se deixam revelar por frestas em alto grau poético”, afirma. O diretor teatral levou aos palcos o drama de Albee a pedido de Raul Cortez. “Priorizei a palavra que havia empenhado no passado com Cortez.

Ele exigiu que eu dirigisse Virginia Woolf no momento crítico em que começava a ensaiar Macunaíma. Ensaiei ambas ao mesmo tempo”, afirma Antunes. Nos palcos, Tônia Carrero e Cortez protagonizam a peça de maior prestígio do dramaturgo americano. Anteriormente a Antunes, o texto havia sido montado apenas pelo Teatro Cacilda Becker, em 1966, com direção de Maurice Vaneau. Nos papéis principais, Cacilda Becker e Walmor Chagas contracenaram com Lílian Lemmertz e Fúlvio Stefanini. Albee viria a ganhar o Pulitzer por Um Equilíbrio Delicado e As Três Mulheres Altas.

Vida e Morte

O dramaturgo nunca demonstrou ter medo da morte. Em A Senhora de Dubuque, escrita em 1980, lida com o tema sem arestas. Pela primeira vez traduzida no Brasil, a peça apresentada no mês de março no Sesc Pinheiros (veja boxe Albee revisitado) tem direção de Leonardo Medeiros e trouxe aos palcos a atriz Karin Rodrigues no papel título. Em entrevista à Folha de S.Paulo, Edward Albee afirma: “Só há duas coisas que realmente importam.

Os dois grandes eventos na vida de qualquer pessoa são seu nascimento e sua morte”. Albee, porém, destitui-se da mesma certeza ao constatar a perda de alguém muito próximo, seu parceiro de vida havia 35 anos, o escultor Jonathan Thomas, morto em 2005. Em entrevista a Jesse Green para o The New York Times, em novembro de 2007, lamenta: “Eu esperava que fosse morrer antes de Jonathan. Ele era dezoito anos mais novo, tinha a ideia de que cuidaria de mim ao ficar velho. Mas a vida não funciona do modo como gostaríamos que fosse”.

Albee revisitado

Montagem no Sesc Pinheiros mostra texto inédito do dramaturgo no Brasil

A Senhora de Dubuque, em cartaz entre os dias 29 de janeiro e 6 de março, trouxe aos palcos o texto implacável de Edward Albee, que, à primeira vista, parece inocente aos olhos do espectador. Um jogo entre amigos, em que se apoiam na bebida para passar o tempo, revela aos poucos a fragilidade das relações por trás da máscara social que nos esforçamos a usar dia a dia.

O autor mostra que, na verdade, poderia estar ali qualquer um – o artifício da estrutura realista serve a isso. Porém, com o passar das horas, o absurdo se instaura com a chegada da Senhora e do anjo negro, personagens que revelarão a todos a situação-limite da vida. Para o ator Leonardo Medeiros, que dirige a peça e retoma a função após hiato de dez anos, a obra do dramaturgo não apresenta facilidades. “Tenho a sensação de que Albee será cada vez menos encenado, porque muitos gostam do riso fácil”, diz. A peça terá nova temporada, no Teatro Tuca, até 10 de abril.

Em cena brasileira

O autor continua a ser um desconhecido para o público geral, apesar de ter tido seus principais trabalhos encenados no país

1961: Amir Haddad, diretor teatral e encenador, foi um dos primeiros a levar aos palcos textos de Edward Albee. Neste período, realiza A História do Zoológico e O Sonho Americano no Teatro Cláudio Barradas, em Belém, Pará. “O autor trazia um pensamento beatnik para o teatro. Ele já anunciava a crise da sociedade capitalista americana, fazendo a violência da classe média aparecer no palco”, afirma Haddad.

1966: O Teatro Cacilda Becker encena, em São Paulo, Quem Tem Medo de Virginia Woolf?. Maurice Vaneau dirige Cacilda Becker e Walmor Chagas nos papéis de Marta e George.

1978: Antunes Filho traz de volta a São Paulo Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, com produção e atuação de Raul Cortez. “A atualidade e importância de Albee reside no fato de toda sua obra ser uma crítica feroz ao american way of life, cujas leis ainda nos fazem sombra. Para sublimar este homem reprimido e desfigurado pela sociedade de consumo, ele exaure o natural, confrontando realidade e ilusão”, define Antunes.

1999: Eduardo Wotzik, diretor teatral carioca, leva para o Rio de Janeiro Um Equilíbrio Delicado (foto), com Tônia Carrero e Walmor Chagas interpretando novamente um texto do dramaturgo norte-americano. “Albee fala do homem, da ética, da família, revela sentimentos mais profundos e escondidos do ser humano”, diz Wotzik.