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Roteiro em Ascensão

O ofício do roteirista audiovisual, fundamental para a arte narrativa do cinema, nunca teve tanto destaque no cenário nacional quanto nos últimos anos, período de consolidação da retomada do cinema brasileiro – desmantelado no começo dos anos de 1990.

Com a produção praticamente interrompida, foi o desenvolvimento de narrativas eficientes que conseguiu trazer visibilidade para a produção brasileira, por meio de filmes como O Que é Isso Companheiro? (1997), direção de Bruno Barreto e roteiro de Leopoldo Serran; Central do Brasil (1998), direção de Walter Salles e roteiro de Marcos Bernstein e João Emanuel Carneiro); Bicho de Sete Cabeças (2001), direção de Laís Bodanzky e roteiro de Luiz Bolognesi), e, por fim, Cidade de Deus (2002), direção de Fernando Meirelles e Kátia Lund, e roteiro de Bráulio Mantovani, representou a consagração da dramaturgia brasileira ao ter seu roteiro adaptado indicado para o Oscar – além da direção, edição e fotografia.

Foi também de Bráulio Mantovani, ao lado de José Padilha, o desafio de escrever Tropa de Elite 2, história responsável por levar mais de 11 milhões de espectadores aos cinemas e ultrapassar o recorde de bilheteria de Dona Flor e seus Dois Maridos (1976). Fato simbólico para contextualizar esses avanços.

Valorização profissional

Segundo o pernambucano Hilton Lacerda – roteirista de Baile Perfumado (1997), de Paulo Caldas e Lírio Ferreira; Amarelo Manga (2003), de Cláudio Assis; Baixio das Bestas (2007), de Cláudio Assis, entre outros – “houve sim uma valorização razoável do roteirista, uma redescoberta da narrativa no cinema brasileiro. Existiu um esgotamento pós-cinema novo, em que algumas coisas brilhantes foram realizadas, mas muito pouco em relação ao que poderia ser feito”.

Hilton faz parte de uma tendência, ainda de pouca expressão, do roteirista que começa a conseguir viver do seu ofício, tanto com trabalhos no cinema, como na televisão. São os primeiros frutos de uma profissionalização ocasionada também pelo considerável aumento de cursos de cinema e oficinas de roteiro.

Porém, Hilton não teve formação acadêmica, começou a trabalhar cedo com cinema, após conhecer Paulo Caldas e Lírio Ferreira, em um período em que foi essencial a criação coletiva, diante das dificuldades da retomada.
Já o diretor e roteirista Newton Cannito, ex-secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, admite que houve valorização recente do ofício, mas de forma ainda muito incipiente.

“O Brasil ainda é um dos poucos países do mundo onde o fotógrafo ganha mais que o roteirista, porque o cinema brasileiro tem sido baseado nessa obsessão pela qualidade técnica, mas isso é um modelo distorcido”, explica. Porém, antes figura desconhecida, o roteirista ganhou papel importante na cinematografia nacional e muitos começam a ser contratados para trabalhos em outras mídias.

É o caso de José Roberto Torero, que foi convidado para escrever, ao lado de Marcus Aurelius e Gabriella Mancini, a série de telefilmes “Somos 1 Só” (ver boxe Cinema e Socioambientalismo), para o Sesc TV em parceria com a TV Cultura. “A melhora veio nos anos de 1990, quando começamos a ter especialistas ?em fazer roteiros, o que não existia antes, pois era o próprio diretor que escrevia. O roteiro passou a ser uma peça importante, considerada”, afirma Torero, que também é jornalista e cineasta. 

O processo

Inicia-se, portanto, um gradual reconhecimento do trabalho de criação do roteiro, enquanto processo, antes praticamente ignorado no Brasil. “A própria Ancine exige o roteiro para você obter aprovação na Lei do Audiovisual. Ou seja, já partem do pressuposto maluco de que alguém escreveu no risco, para quem sabe conseguir o dinheiro.

Então, no decorrer dos anos, o trabalho do autor foi precarizado”, critica Newton Cannito. Mais recentemente, começaram a surgir alguns editais que destinam verba especificamente para o desenvolvimento de roteiros, prática muito comum no exterior.

Nesse sentido, pode-se dizer que o mercado cinematográfico caminha para a valorização do árduo caminho entre o papel em branco e as 100 páginas (média de um roteiro de longa) de sequências e diálogos que compõem um roteiro de ficção ou, no caso de um documentário, as inúmeras pesquisas e reflexões necessárias para chegar a um plano de filmagem.

Surgem também iniciativas, como o Laboratório Novas Histórias do Programa Sesc/Senac de Desenvolvimento de Roteiros (veja boxe Oficina de Talentos), que incentivam o debate entre profissionais da área e reflexão sobre a criação dramatúrgica. O formato, que chegou no Brasil em 1996, ficou consagrado com o Sundance Institute de Robert Redford, que promoveu o primeiro laboratório de realizadores em 1981, nos Estados Unidos.

Esse tipo de iniciativa promove o encontro de roteiristas que estão escrevendo uma obra, para a discussão e aperfeiçoamento do projeto. De acordo com Hilton Lacerda, que já foi um dos consultores dos Laboratórios de Roteiros, o importante é a posição de quem escreveu o roteiro.

“No meu caso, por exemplo, quando coloco o que escrevi para alguém ler, não estou querendo adaptar as minhas ideias ao que a pessoa acha, mas sim saber se as deficiências que eu sinto também estão sendo percebidas pelo outro”, diz. Hilton também já participou de um dos laboratórios de Sundance, com Amarelo Manga, e reconhece a importância da iniciativa para enaltecer a importância do roteiro.

Balanço

Para o crítico Inácio Araújo, essa valorização deve ser encarada com cautela. “Se a profissionalização consistir em o indivíduo conseguir viver de uma atividade, sou a favor. É justo que se receba decentemente por uma ocupação. Mas isso não pode ser o viés da consagração do cinema sem invenção, burocrático ou do cineasta que se escora no roteiro e acha que resolve tudo”, explica.

Dificilmente o filme que chega às telas é uma cópia fiel e reverente ao roteiro, sendo que existem bons roteiros que se tornam péssimos filmes e vice-versa. Como o cinema é arte imagética, a maior responsabilidade acaba sendo do diretor, que precisa transpor o material escrito para o meio audiovisual.

Newton Cannito é um dos que se dizem adeptos do cinema de autor, focado na figura do diretor. Ele acredita que o roteiro ideal deve ser feito e pensado para determinado tipo de direção. No entanto, o escritor enxerga um problema na posição que o profissional de roteiro tem na equipe de um filme, com pouco poder sobre a realização. “Não faltam roteiristas, mas sim diretores que entendam de dramaturgia. Tem cineasta que entende muito de direção de arte ou de fotografia, porque vem da publicidade, mas não sabe nada de dramaturgia”, analisa. 

Por mais que se possa entrever uma exaltação cada vez maior das histórias bem contadas – habilidade que nunca faltou ao cinema brasileiro se considerados nomes como Humberto Mauro, Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman, Luis Sérgio Person, entre outros –, as produções nacionais, principalmente as mais autorais, ainda titubeiam frente à dificuldade de levar as pessoas aos cinemas.

Os filmes estrangeiros ocupam a grande maioria das salas e têm muito mais bilheteria, até mesmo devido à relação de proporção entre número de cópias e público alcançado. Hilton Lacerda comenta esse fato: “É triste que, em um país de 200 milhões de habitantes, no qual poderíamos colocar mais de 30 milhões nos cinemas, mas ficamos felizes quando um filme atinge dois milhões”.

Permanece a eterna discussão pautada pela dualidade conquistada de público versus liberdade artística. “Não adianta ficarmos sonhando que somos os Estados Unidos. Se o objetivo é ganhar dinheiro e se colocarmos na ponta do lápis – na verdade nem há cálculos em torno disso, porque não há interesse –, são pouquíssimos os filmes que efetivamente lucraram no Brasil”, afirma Inácio Araújo.

É em meio a essa busca por uma indústria e identidade cinematográfica, que a figura do roteirista surge como um dos principais protagonistas nessa arte narrativa por essência. O roteiro dessa jornada ainda está em desenvolvimento.


CINEMA E SOCIOAMBIENTALISMO

Parceria do Sesc com a Fundação Padre Anchieta deu origem à série Somos 1 Só

No dia 5 de abril, ocorrerá o lançamento do projeto Somos 1 Só, no Sesc Pompeia. Com argumento e direção geral da produtora e jornalista Ana Dip, a série, que estreia no dia 15 de abril, no SescTV, será composta de oito documentários de uma hora, 20 pílulas de um minuto e meio e um longa-metragem que abordarão diversos temas relacionados ao socioambientalismo.

“A ideia era trabalhar com oito diretores diferentes, sendo quatro com mais experiência em cinema e os outros que estão mais no início de carreira na área. Além disso, escolhemos apenas um roteirista, o José Roberto Torero, pois ele tem uma linha mais de humor que nos interessava”, explica Ana Dip.

A escolha de apenas um roteirista para todos os projetos foi uma iniciativa para que os oito documentários tivessem uma unidade, pois são eles que dão origem ao longa. Porém, para contribuir com a quantidade de textos, Torero convidou os roteiristas Marcus Aurelius e Gabriella Mancini. “Foi tudo muito divertido, porque trabalhei com gente diferente e mesmo que eu mantenha o meu tom, o resultado na tela acaba sendo diferente de um para outro”, declara Torero.

Os filmes, que devem ser exibidos também na TV Cultura, a partir de maio, são uma experimentação de linguagens, em que documentário e ficção coexistem. Foram escolhidos oito temas em que o homem se relaciona de alguma forma como o ambiente: espiritualidade, cidade, poder, cultura, educação, consumismo, produção e trabalho. Além disso, cada um deles teve um consultor, que ajudou os diretores e roteiristas a encontrarem uma linha de reflexão para os filmes.

Já as pílulas discutem de forma bem-humorada alguns dos temas da Agenda 21, um dos principais resultados da conferência sobre meio ambiente Eco-92, ocorrida no Rio de Janeiro, em 1992. Por mais que os assuntos fossem predefinidos, Torero afirma que teve total liberdade de criação, “inclusive para colocar o Borba Gato dando um depoimento em que vende escravos índios”.

A programação no SescTV, é sempre às 20h, às sextas.

15/04 – A Cultura e a Casca de Banana, de Toni Venturi
22/04 – O Poder e Bang-Bang, de Gilberto Scarpa
29/04 – A Educação e a Mosca Morta, de Kátia Klock
06/05 – O Trabalho e o Português Gostoso, de Evaldo Mocarzel
13/05 – A Espiritualidade e a Sinuca, de Lírio Ferreira
20/05 – A Produção e o Cocô de Minhoca, de Dainara Toffoli
27/05 – A Cidade e a Pizza, de Kiko Mollica
03/06 – O Consumismo e a Corda do Relógio, de Lina Chamie
Mais informações no Em Cartaz desta edição e ?no site http://www.somos1so.com.br


OFICINAS DE TALENTOS

Sesc e Senac São Paulo promovem nova edição de projeto ?para fomentar a criação de roteiros para cinema

Entre os dias 9 e 13 de maio, será realizada nova edição do Laboratório Novas Histórias, uma parceria do Sesc e Senac São Paulo com Esmeralda Produções. Este ano, o projeto recebeu mais de 300 inscrições em todo o país. Foram selecionados dez roteiristas para troca de experiências e diálogo com consultores nacionais e internacionais no Grande Hotel Campos do Jordão. Durante o período, profissionais do setor vão discutir as possibilidades criativas de escrever uma história para o cinema.

O projeto criado em 1996, em conjunto com o Sundance Institute, foi responsável pelo surgimento de filmes que reconfiguraram o cinema nacional. Os roteiros de Cidade de Deus, escrito por Bráulio Mantovani (foto), e de O Invasor, de Beto Brant e Marçal Aquino, são alguns exemplos de sucesso da edição realizada em 1999. O Laboratório Novas Histórias inaugura o Programa Sesc/Senac de Desenvolvimento de Roteiros, que pretende realizar atividades periódicas a partir de ações das duas instituições.

“O Programa serve para que as instituições que por tradição se dedicam a outros aspectos da realização de um projeto do Cinema no Brasil, como a formação de público e o ensino, apoiem mais efetivamente a etapa da produção”, afirma o assistente para as áreas de cinema e vídeo da Gerência de Ação Cultural (Geac) do Sesc São Paulo, Cássio Quitério.

A iniciativa permite a criação de novas formas narrativas. “A relevância da abordagem específica do roteiro é cada vez maior, dadas as transformações recentes na produção cinematográfica. Assim, o Laboratório Novas Histórias surge também como possibilidade para a experimentação da linguagem artística”, continua Quitério. A lista com os dez roteiros selecionados estará no site www.sescsp.org.br a partir do dia 15 de abril.

PRIMEIRA FILA

Festival Sesc Melhores Filmes, o mais antigo do cinema brasileiro, tem sua programação exibida em 16 cidades paulistas

Desde 1974, o Festival Sesc Melhores Filmes, realizado pelo CineSesc, leva ao público as produções mais contundentes da sétima arte na opinião de críticos e espectadores, exibidas no ano anterior. A votação democrática, agora também pela internet, permite mostrar um panorama do que é relevante para a cena cultural do país. Em 2011, a edição premiará títulos dentro das categorias: filmes nacionais e estrangeiros, diretores nacionais e estrangeiros, melhor roteiro, fotografia, ator e atriz nacionais e estrangeiros.

Mais de 200 filmes foram avaliados e 42 escolhidos para disputarem os nove prêmios. A novidade para este ano fica por conta do circuito organizado em 16 cidades do estado de São Paulo, que ocorrerá simultaneamente à programação do CineSesc. “Nossa proposta é dar acesso a títulos que passaram muito rápido pela cidade de São Paulo e que jamais chegariam a outras localidades. A não ser por esforços como o nosso de poder difundir o cinema de arte”, afirma o gerente do CineSesc, Gilson Packer. Cidades como Araraquara, Bauru, Catanduva e Ilha Solteira poderão conferir alguns vencedores.

Em São Paulo, o Festival amplia a acessibilidade por audiodescrição que permitirá o acesso irrestrito do público. Na capital, a programação estará no CineSesc a partir do dia 7 de abril. E parte da grade será exibida no Sesc Interlagos.