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A cenógrafa, ilustradora e artista gráfica italiana Coca Frigerio esteve no Brasil, em agosto, para participar do seminário Criança, Ciência e Cultura: Reflexões para Integração, realizado de 19 a 21 daquele mês, no Sesc Pinheiros. Na ocasião, a também criadora de jogos, autora de livros sobre desenvolvimento da criatividade e especialista no ensino de metodologia criativa falou sobre a experiência de conviver com o artista plástico italiano Bruno Munari, cujo trabalho, voltado para crianças, pôde ser visto na exposição Proibido Não Tocar – Crianças em Contato com a Obra de Bruno Munari, realizada de 8 de julho a 23 de agosto, também no Sesc Pinheiros.
“Conheci Bruno Munari quando minha filha nasceu”, contou em sua palestra. “Nunca havia me dedicado verdadeiramente às crianças, até o momento em que me encontrei com este novo ser em casa.”
A parceria nasceu em 1975 e a levou a coordenar o laboratório criado por Munari no museu Brera Pecci, em Prato, na Itália, até 1994. Coca atualmente programa cursos para professores e estudantes de arquitetura. Durante o encontro, abordou as atividades desenvolvidas por Munari no ensino da arte para crianças e lembrou histórias como quando o artista italiano a convidou para mostrar seus desenhos. “Estava insegura, era a primeira vez que ia encontrar um personagem assim importante”, comentou. A seguir, trechos da palestra ministrada pela artista em 20 de agosto.
Futurista ocupado
Conheci Bruno Munari quando minha filha nasceu. Eu era professora, desenhista, mas nunca havia me dedicado verdadeiramente às crianças, até o momento em que me encontrei com este novo ser em casa. Aliás, com o próprio Munari aconteceu de ele se interessar por crianças só quando, em 1940, nasceu seu filho. Antes disso, ele era muito ocupado, um futurista. Munari vinha de uma extração diversa de educação.
Em seu primeiro projeto elaborado para crianças, suas intenções eram, inicialmente, trabalhar com um grupo, cinco ou seis pessoas, que, juntas, decidiram separar a grande informação visual de um museu para apresentá-la às crianças de maneira simples, mas ativa, porque falamos sempre de participação emotiva diante da obra de arte. Então, por exemplo, um professor de matemática pode bater um papo com um professor de arte de uma escola de ensino médio ou um educador ou um professor de ciências. Se eu falar de arte com um especialista em ciências naturais, será possível encontrar novas formas de invenção, novas explicações, talvez por meio de imagens, talvez com um significado científico. E isso é muito interessante.
Trabalhei com um professor de geometria da forma e encontramos coisas muito interessantes em comum. Então, por que não colocar juntas pessoas com qualidades e conhecimentos específicos diversos? Posso apresentar os versos de Dante [Dante Alighieri, 1265-1321, escritor e poeta italiano], por exemplo, e utilizar desenhos feitos por ilustradores. Por que não? Assim como posso projetar quadros de artistas, de ilustradores da Divina Comédia [obra mais famosa de Dante], enquanto alguém faz a leitura. Por que não? Quem proíbe? Mas é preciso pensar a respeito antes, chamamos de “távola redonda”, em que cada um diz a sua ideia e se escolhem as mais simples, mais factíveis.
Ao encontro da técnica
Por volta de 1974, 1975, Munari estava atrás de ideias e histórias novas para uma casa editorial em Turim. Era coordenador de uma coleção [de livros] que se chamava Tanti Bambini [tantas crianças, em tradução literal do italiano]. E ali também havia nascido a ideia de mudar as fábulas tradicionais. Ele [Munari] não gostava dos príncipes e das princesas. Dizia: “Mas por que sempre dizer essas histórias tão estúpidas para as crianças? Qual príncipe, qual princesa? Que menina casará com um príncipe? Onde estão os príncipes azuis? (risos). Elas se casam com o açougueiro, com o farmacêutico, com o ator famoso, não se casam com o príncipe!”
Enfim, eu havia marcado um encontro com ele, que, por telefone, me havia dito: “Traga-me alguns desenhos, de técnicas diversas.” Isso para mim não era problema, pois não sou capaz de ser uma ilustradora como aquele que faz histórias em quadrinhos, que inventa um personagem e continua a repeti-lo, porque assim quer o leitor. E Munari procurava desenhistas diversos. Foi assim que comecei a conhecê-lo. Levei uma pasta, não sabia bem, estava insegura, era a ?primeira vez que ia encontrar um personagem assim importante, e ainda na casa dele...
Eu havia feito, para uma enciclopédia, alguns desenhos muito finos, peguei também outros que havia feito para ilustrar personagens famosos, como o rosto, por exemplo, de Stalin [Josef Stalin, 1878-1953, líder político da União Soviética], Eisenhower [Dwight David Eisenhower, 1890-1969, presidente dos Estados Unidos entre 1953 e 1961], não sei mais quem. E era tudo feito a lápis. Para cada trabalho havia uma técnica que me havia sido solicitada. Isso agradou muitíssimo a Munari, porque viu, talvez, o personagem que poderia ajudá-lo no sentido da técnica.
Árvore de papel
Bruno Munari também se interessava pela natureza, pela interpretação da natureza, de um ponto de vista zen, japonês. Se há uma árvore, vou observá-la, porque quero explicar à criança como ela nasce, de quantas partes ela é composta, como uma semente se transforma em um arbusto, como ela se desenvolve, num crescimento vertical. Depois esse crescimento vertical se separa em dois, que se separam em outros dois, e assim por diante.
Depois era feita, no final dessa atividade de observação, de interpretação, a performance da grande árvore, uma brincadeira de que todos podiam participar, os adultos e as crianças, juntos. Ele cortava tiras de cartolina no chão e fazia uma árvore de seis metros, com pedaços de cartolina que cada um ia compor. Depois – com grampeador, linhas, um pedaço de madeira – levantava-se essa árvore, que era apoiada em uma parede e todos ficavam contentes, satisfeitos com sua realização.
“(...) não sou capaz de ser uma ilustradora como aquele que faz histórias em quadrinhos, que inventa um personagem e continua a repeti-lo, porque assim quer o leitor (...)”