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Essa Tal de Web Arte


Inquietos e visionários, artistas exploram nas ferramentas e possibilidades da internet uma nova forma de manifestar-se
 

Para você, o que é arte? Se a resposta passa necessariamente pela imagem de quadros pendurados nas paredes de um museu, está na hora, como dizia aquela propaganda de uma marca de automóveis, de você “rever os seus conceitos”. Não que os grandes pintores do passado não mereçam nossa reverência... Aliás, uma das vantagens de hoje em dia é o fato de ser possível vislumbrar os acervos de grandes museus, como o MoMA, o Prado ou o d’Orsay, sem ter de voar até Nova York, Madri ou Paris: basta um computador com uma boa conexão com a internet e tudo estará a alguns cliques de distância. No entanto, uma das características da arte é ser visionária. Diante das tecnologias do terceiro milênio, uma nova geração de artistas logo percebeu que o potencial da rede ia muito além de reproduzir pinturas digitalizadas, apreciadas em “visitas virtuais”. Era preciso se lançar à missão de criar formas de arte, específicas para o universo do “www” – world wide web. Assim nascia a web arte.

Uma primeira distinção é importante: não confundir “web arte” com “web design”. “A diferença é bem clara”, diz Fábio Oliveira Nunes, artista multimídia, doutor em Artes pela Universidade de São Paulo (USP) e autor do site Web Arte no Brasil (http://www.fabiofon.com/webartenobrasil/). “A arte lida com o subjetivo, enquanto a comunicação – no caso, o design – lida com o objetivo. Fora que há o aspecto da funcionalidade: uma obra de arte jamais precisa ser funcional.” Foi justamente a “funcionalidade” da rede o alvo dos questionamentos de dois dos pioneiros da web arte, a dupla holandesa Joan Heemskerk e Dirk Paesmans. Em 1995, eles puseram no ar uma página que chamava atenção pela quantidade de “w” no endereço: JODI (http://wwwwwwwww.jodi.org/).

Até hoje, quem segue o link é tomado pela sensação de entrar num labirinto. Textos incompreensíveis, que parecem conter “fórmulas secretas” ou mensagens em código, confundem-se com imagens que poderiam ter sido extraídas de um videogame ou da tela de um radar... Tudo piscando diante dos seus olhos, e o internauta vai clicando aqui e ali, em busca de algo que faça sentido... Mas é inútil. “Foi o primeiro site reconhecidamente ‘sem conteúdo’, como bem definiu o [site] Yahoo!, que, aliás, o recusou em seu mecanismo de busca”, explica Fábio.

Os Primórdios

A irreverência é uma das marcas da web arte. Ainda em 1995, o alemão Holger Friese lançou o site Unendlich, fast... (algo como “Infinito, ou quase”), no qual o visitante era induzido a navegar por um azul aparentemente sem fim: a tela era um “céu virtual” a ser explorado por meio de barras de rolagem, na horizontal e na vertical.

À procura de um pedaço de informação qualquer que “justificasse” a experiência, o usuário se deparava, enfim, com uma única imagem, perdida no meio da página, mas aí descobria que era impossível clicar com o mouse sobre ela. Assim, se via forçado a repensar suas expectativas sobre a utilidade de um ?website. A página hoje está indisponível, mas para ver outro trabalho de Friese é só acessar Willkommen bei Antworten (http://www.antworten.de/). Como se fosse uma fila de lanchonete, um aviso diz: “Nós agora estamos servindo...” (um número, 11, por exemplo), enquanto se pede que você espere a vez – sua senha, digamos, é 17. Mas logo você descobre que a “sua vez” nunca chega...

Também lá pelo meio dos anos de 1990, a americana June Houston criou o site GhostWatcher (http://www.ghostwatcher.com/). Sem conseguir dormir direito por causa de “barulhos” estranhos, ela espalhou câmeras por seu apartamento, em Nova York (há uma debaixo da cama!), e pediu aos internautas que ficassem de olho em possíveis “assombrações”... Quem vê uma manifestação “suspeita” deixa um comentário no site, que parece uma mistura curiosa de Big Brother com Caça-Fantasmas. É divertido, mas dá para chamar de arte?

Se você usa a internet só para checar os e-mails, a web arte pode mesmo dar um nó na cabeça. Porém, é próprio do artista se lançar em trilhas inexploradas. Foi o que fez o francês Marcel Duchamp quando mostrou ao mundo que até a mais ordinária das peças, um mictório de banheiro público, podia alcançar status de arte. O crucial é provocar, e esse poder de fogo a web arte tem de sobra. O norte-americano Michael Mandiberg, por exemplo, elaborou uma maneira engenhosa de criticar a dependência econômica do petróleo: um plug-in (programa de computador que acrescenta funções a outro software, mais pesado) para o browser Firefox, o Oil Standard (http://oilstandard.org), que converte os valores – em dólar, euro, etc. – de mercadorias à venda na web para sua cotação em barris de petróleo.

Ousadia como Missão

E, no Brasil, como vai a web arte? “Há vários expoentes”, garante Fábio. “Podemos citar Gilbertto Prado, Diana Domingues, Suzete Venturelli, Tânia Fraga, Artur Matuck, Giselle Beiguelman, ?Eduardo Kac, e outros nomes mais recentes, como Martha Gabriel, Andrei Thomaz, Edgar Franco.” Dessa lista, destaca-se o nome do carioca Eduardo Kac (http://www.ekac.org/), acostumado às polêmicas em torno de suas criações. Na obra Gênesis (1999), ele deu outra dimensão, mais ampla à expressão “brincar de Deus”. Pinçando uma passagem da Bíblia (em inglês), Kac a “traduziu” para o código Morse, e daí utilizou o trecho codificado como “receita” para criar um gene sintético – os traços, os pontos, os espaços entre as palavras e os espaços entre as letras da mensagem representavam, respectivamente, os componentes fundamentais do DNA –, as substâncias timina, citosina, adenina e guanina.

Achou complicado? Isso é só o começo: em seguida, Kac introduziu o “gene bíblico” em bactérias, dispostas em placas de cultura de microrganismos, que ficavam expostas à luz ultravioleta. Tudo era transmitido pelo site do projeto, e a decisão de acender ou apagar a lâmpada cabia aos internautas, que dessa forma interferiam no experimento, provocando mutações genéticas nas bactérias. Ao final do trabalho, a versão mutante do texto foi re-traduzida para o inglês e publicada na homepage oficial do artista.

Ousadia é o que não falta aos web artistas. Já em termos de reconhecimento, ainda não é possível a comparação do prestígio de que desfrutam algumas estrelas da arte contemporânea (offline), vide Jeff Koons e Damien Hirst, cujas obras atingem cifras estratosféricas nas casas de leilão. E há o fato de que a própria natureza “imaterial” da web arte (embora nem todas as manifestações sejam exclusivamente virtuais) dificulta a comercialização dos trabalhos. Com isso, a maioria dos artistas depende de outra atividade como ganha-pão, atuando como web designers, pesquisadores ou programadores. Mas existem prêmios e festivais que contemplam as artes digitais em geral e web arte em particular. No Brasil, há duas referências em premiação de artes eletrônicas: o Prêmio Sérgio Motta de Arte e Tecnologia (http://www.premiosergiomotta.org.br/) e o Rumos Arte Cibernética, do Itaú Cultural (http://www.itaucultural.org.br/). No exterior, o mais influente é o Prix Ars Electronica (http://www.aec.at/en/prix/), que desde 1995 premia trabalhos de web arte. O evento acontece todo ano em Linz, na Áustria.


Perguntas Respondidas

Evento realizado no Sesc Ipiranga aproxima o público da produção artística eletrônica
 

Na última semana de novembro, entre os dias 25 e 27, o Sesc Ipiranga recebeu a segunda edição do F.A.q., encontro que reúne palestras, mesas-redondas, mostras de arte e performances. Em 2006, o tema do evento (realizado entre 30 de novembro e 2 de dezembro, na Unidade Provisória Avenida Paulista) foi Arte, Consciência e Tecnologia. Essas questões continuaram presentes este ano, mas agora têm viés mais específico: Sincretismo dos Sentidos.

Como na última edição, o F.A.q. contará com a presença de membros do Planetary Collegium, baseado na Universidade de Plymouth, na Inglaterra. O presidente e fundador da rede de pesquisa é Roy Ascott, um dos pioneiros em arte eletrônica. Ascott abriu o programa com uma conferência de cerca de uma hora.

O nome F.A.q. vem da sigla para Frequently Asked Questions, ou “perguntas freqüentes”. Além dos debatedores, em cada mesa-redonda havia uma pessoa incumbida justamente da tarefa de questionar, para aproximar o público do tema debatido. No entanto, a artista e coreógrafa Lali Krotoszynski, idealizadora do formato do evento e sua curadora principal, faz questão de salientar que “não é de forma alguma um evento de caráter acadêmico”.

Na primeira noite, houve ainda o lançamento da mostra de arte do F.A.q. 2. A curadoria direcionou os artistas para que trabalhassem o espaço da unidade e trouxessem novas possibilidades de experimentação. A clarabóia da piscina, por exemplo, foi “tomada” pela artista Lúcia Koch, encarregada de uma instalação com o objetivo de alterar a luminosidade do ambiente.

“Nossa proposta é mexer com a percepção das pessoas que freqüentam o local, para que elas possam experimentar uma percepção diferente daquele espaço”, afirma Lali. “Talvez o público do dia-a-dia não se interessasse pelo tema se fosse só o simpósio, por isso queremos criar estímulos para atrair sua atenção.”

A mostra de arte permanece em exibição até o dia 14 de dezembro.



Antes da Internet

Houve uma época em que o correio era o centro das atenções para experimentações artísticas
 
O emprego da internet para a comunicação pessoal e de trabalho é tão comum que hoje já tem gente que nem sabe mais como era escrever cartas. Relembrando, então: “antigamente” – até cerca de dez anos atrás – quando você queria se comunicar com alguém pela palavra escrita, a solução era enviar uma carta, que podia ser escrita a mão ou na “máquina de escrever” (outra peça de museu hoje em dia). A mensagem seguia então até o seu destino – dependendo da distância até mesmo de avião ou navio. Parece difícil? Mas isso não impedia que pessoas de diferentes países praticassem um intercâmbio intenso por meio de cartas com familiares, e fazendo contatos profissionais. Até mesmo a arte se beneficiava do meio de comunicação, pois antes que alguém pensasse em web arte, já existia a mail art, a arte postal.

Basicamente, a arte postal foi um movimento de arte colaborativa, multilateral e que adotava o correio como suporte (assim como os web artistas usam a internet). A idéia era fundir arte e comunicação de uma maneira espontânea, que escapasse do circuito comercial, driblando os ditames de museus e galerias. Os “artepostalistas” trocavam fotografias, colagens, pinturas, poemas, gravuras... Não só o conteúdo, mas também o envelope das cartas era tomado como espaço de apropriação artística, sendo re-significado. A arte postal conheceu o auge nos anos de 1960 e 1970. A 16ª Bienal de São Paulo, em 1981, deu destaque ao tema, expondo obras de mais de 200 artistas.

O advento de novas tecnologias acarretou o declínio da arte postal, mas seu legado se faz evidente na paternidade de outra forma de arte. “Historicamente, a web arte tem antecedentes na arte postal”, afirma Fábio Oliveira Nunes, artista multimídia, doutor em Artes pela Universidade de São Paulo (USP).