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Encontros - Olha o Passarinho

Olha o Passarinho!

por Elizabeth Höfling

Quem anda pela cidade de São Paulo, em meio a um cenário com pouco verde e muito cinza, pode pensar que não haveria um animal silvestre disposto a encarar a selva de pedra. Engano. Há muitas espécies de aves voando por entre os fios e passando em frente às janelas dos prédios. Por isso, a convidada da última reunião do Conselho Editorial da Revista E acabou por transformar a seção Encontros desta edição em um instigante “você sabia?”. Isso porque a historiadora natural e doutora em ciências pela Universidade de São Paulo (USP), na área da zoologia, Elizabeth Höfling, escolheu dedicar-se à ornitologia, nome dado ao estudo dos animaizinhos que arrancam um sorriso até dos mais carrancudos transeuntes da frenética capital. Entre as curiosidades, a ornitóloga contou aos presentes que na região Neotropical, que começa no sul do México e abrange as Américas Central e do Sul, há cerca de 3.900 espécies de aves. Só o Brasil possui 1.822 e, na Cidade Universitária, na zona oeste da capital, há mais de 155. “É uma quantidade muito grande para uma cidade e, mais, para uma área restrita dela”, comentou. Autora do livro Aves no Campus, com co-autoria de Hélio F. de Almeida Camargo, cuja primeira edição é de 1993, Elizabeth realizou pós-doutorado no Muséum National d’Histoire Naturelle de Paris, na França, e atualmente é professora titular no Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da USP. Durante o encontro, a professora explicou também o motivo para tanta diversidade de aves na cidade e contou a história do popular pardal, segundo ela, um típico representante da avifauna urbana.


Aves no Campus

Em 1984, comecei um projeto regular de anilhamento das aves da Cidade Universitária. É muito comum observar uma ave qualquer naquele campus da USP e encontrar nela um anel de metal, chamado de anilha, que indica que ela já foi capturada e identificada, ou seja, que uma série de informações sobre ela já foi levantada. Depois que a ave recebe a anilha, ela é libertada. Desse projeto, desenvolvido há mais de 20 anos, participaram cerca de 50 estudantes, tanto em nível de graduação como de pós-graduação, durante pelo menos um ano. Alguns permanecem mais tempo porque gostam muito, outros resolvem ser ornitólogos, outros irão se dedicar a outras áreas das Ciências Biológicas, mas todos eles têm essa atividade como muito prazerosa – ao mesmo tempo em que estamos desenvolvendo pesquisa, temos muito prazer na atividade.

O primeiro produto palpável foi o livro Aves no Campus [Edusp], que teve um aspecto inovador, cuja primeira edição é de 1993. É uma obra minha e de um colega e amigo já falecido, Hélio Camargo [Hélio F. de Almeida Camargo], ornitólogo do Museu de Zoologia da USP. Publicamos esse livro como resultado de alguns anos de pesquisa. Na época foram representadas 134 espécies de aves – aquelas que, com certeza, poderiam ser encontradas no campus, embora houvesse algumas mais raras. Continuei o projeto e, em 1999, acrescentamos mais nove espécies. Agora devo preparar a quarta edição, com um acréscimo de mais 14 espécies. Ou seja, há 157 espécies de aves no campus da USP, em uma megalópole como São Paulo. É uma diversidade considerável, mais ainda para uma área restrita da cidade. A área do campus é de cerca de 4 milhões e 400 mil metros quadrados. Ela tem cerca de 12% de área construída em edifícios, o restante são avenidas, jardins, parques e uma reserva florestal remanescente das florestas que existiam na região do planalto paulistano e com uma flora típica de nossas matas.

O principal aspecto que leva a essa diversidade de espécies de aves [na Cidade Universitária] é a diversidade vegetal. As aves dependem da fenologia das plantas, ou seja, há necessidade da presença de plantas que forneçam alimento durante o ano inteiro. Há plantas que florescem em determinadas épocas, nos outros meses do ano são outras e assim por diante. Assim, há uma grande variedade de florações, que sustenta uma população considerável de insetos que, por sua vez, servem de alimento às aves insetívoras, durante o ano inteiro. Já as que são, ?preferencialmente, frugívoras, precisam de determinados tipos de frutos também o ano inteiro. Esses fatores estão muito relacionados porque, além de alimento, essa vegetação produz abrigo para as aves e materiais para a construção de ninhos.

A ornitóloga Elizabeth Höfling,?da Universidade de São Paulo (USP), esteve presente na reunião de pauta ?do Conselho Editorial da Revista E no dia 20 de outubro de 2008

Ave Urbana

Todas as 157 espécies fazem parte da fauna nativa da nossa região, com exceção de três: o pombo-doméstico, trazido para o Brasil na época da colonização portuguesa; o bico-de-lacre, pássaro originário da África e aqui introduzido pelo ser humano; e o pardal, originário da Europa, também introduzido há mais de cem anos, no Rio de Janeiro – de onde se espalhou para todo o país. O pardal, que era muito abundante na Europa – hoje está em declínio em muitos países e podemos pensar até em exportar alguns casais para lá (risos) – e, conta-se, foi trazido para cá por alguém que teria viajado à Europa e achado o pássaro bonito.

Essa pessoa teria trazido seis casais, que foram se reproduzindo e acabaram por povoar todo o Brasil em pouco mais de cem anos. Mas por que esse sucesso todo do pardal? Provavelmente, porque ele faz ninho em qualquer lugar e come qualquer resto de alimento deixado pelos seres humanos. Há poucos dias, vi um ninho de pardal dentro de um buraco na estrutura de ferro de um semáforo. Deve ser quentinho, porque as lâmpadas do semáforo aquecem o local, é protegido da chuva, do vento e de predadores. Quando falei em exportar o pardal para a Europa, era uma brincadeira, mas até poder-se-ia pensar no assunto.

Há dois anos, o Congresso Internacional de Ornitologia, que ocorreu Alemanha, teve o pardal como símbolo do evento. Houve várias apresentações em um simpósio, publicações etc. tratando do fato de o pardal estar em declínio em alguns países europeus – principalmente em determinadas cidades, já que ele é tipicamente urbano.

O declínio do pardal nessas áreas é tão acentuado que os ornitólogos estão preocupados com o que poderá acontecer com a espécie. Existem várias hipóteses sobre o que teria causado esse declínio, como a falta de disponibilidade de insetos para a alimentação dos filhotes. Provavelmente, um dos aspectos relacionados é que a vida moderna também alterou as edificações, então não há disponibilidade de buraquinhos nos telhados para o pardal construir seus ninhos – mas poderíamos exportar nosso modelo de semáforo, que é perfeito para tal. Há também o fato de que na vida moderna, e em países mais desenvolvidos, não são deixados restos de comida no ambiente, o que diminui a oferta de alimento. Além disso, o pardal poderia ter dificuldade em encontrar material para construir seu ninho naquelas ruas limpinhas, onde mal cai uma folha e ela já é coletada.

Há espécies que podem ser desfavorecidas com o uso de inseticidas, excesso de limpeza e alterações ambientais, e o pardal é uma delas.


“O pardal faz ninho em qualquer lugar e come qualquer resto de alimento deixado pelos seres humanos. Há poucos dias, vi um ninho de pardal dentro de um buraco na estrutura de ferro de um semáforo”