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REVISTA E - PORTAL SESCSP

 

ALÉM MUROS

 

por Milton Soares de Souza



Que tal pensar São Paulo como uma grande partitura musical? Parece absurdo? Então imagine comigo as ruas, avenidas, alamedas da cidade formando uma longa e enorme pauta musical. Um longo pentagrama! Visualize os prédios, as casas, as igrejas, as fábricas, os shoppings, as favelas e os parques como notas musicais. Cada uma dando os tons e semitons, numa escala frenética que se sucede cotidianamente.
A melodia e o timbre são dados pelos habitantes. O ritmo será ditado pelo abrir e fechar dos semáforos de cada esquina. Ouça a música polifônica do amarelo piscante do semáforo ecoando na madrugada, cantando para a cidade que aparentemente dorme.
Nós moramos numa grande orquestra! E, por mais incrível que pareça, ela reúne um conjunto de sons harmoniosos entre si. A cidade é polifônica. E essa polifonia, resultado da multiplicidade de seus músicos e da diversidade dos timbres culturais, produz diariamente uma linda e triste, movimentada e estática, segura e perigosa sinfonia. E o mais extraordinário: você também é o regente dessa orquestra.
Não sou músico. O que entendo desse assunto se resume aos CDs que escuto no carro durante o trajeto para o Sesc Interlagos. Por isso, peço desculpas pela singela metáfora. Sou sociólogo por formação. Técnico social por opção. Educador por convicção. E um grande admirador desta cidade. Nasci na Zona Leste. Moro na Zona Norte. E, como muitos cidadãos desta metrópole, também quero nossa cidade afinada. Para tanto, tenho muitos projetos. Ou, melhor, vários sonhos. E, neste momento, o mais forte deles é transpor a beleza do Sesc Interlagos para além de seus muros.
Quem conhece o Sesc Interlagos e o local em que ele está inserido sabe do que estou falando. Quem conhece as bordas da cidade e toda sorte de problemas que atingem suas periferias compreende o que é morar e conviver numa região com o mais baixo IDH [Índice de Desenvolvimento Humano, que é medido por indicadores de escolaridade, longevidade e renda] do município, um alto índice de criminalidade, ausência quase total de programas de promoção social e serviços públicos deficitários. A região abriga inúmeros desempregados e muitos daqueles que ainda desejam uma primeira chance no mercado de trabalho. Os tristes trópicos dessa banda da cidade fundem a exclusão social com uma exuberante riqueza de paisagens naturais, hoje comprometidas pelas diversas ocupações irregulares.
Às vezes sinto-me impotente diante dessa intricada e contraditória realidade sociocultural. Porém, também esperançoso por saber que a cidade é múltipla, reiterativa e está em constante transformação. "São Paulo é povo em movimento", lembrando a forte expressão da década de 80 para simbolizar a riqueza da participação comunitária dos movimentos sociais na capital. As iniciativas coletivas e individuais que despontam cotidianamente, visando à melhoria de São Paulo, certamente são exemplos vibrantes de como os moradores desejam reger os tons desta metrópole.
O Sesc Interlagos tem exemplos vivos de como as pessoas querem reinventar a cidade e o bairro. Juntamente com a Associação de Moradores do Jardim Gaivotas, Ambiente Brasil, Movimento Eco-Estudantil, Sociedade Amigos do Parque Terceiro Lago, APA Bororé-Colônia, Parque Linear do Ribeirão Cocaia e muitos outros grupos, experimentamos timbres, ritmos e tons variados para a criação de uma nova sinfonia que se estende para além dos muros do Sesc, visando à recuperação e conservação de áreas naturais e de espaços de convívio social na Zona Sul.
Uma forte rede de trabalhos comunitários para a revitalização da região está em construção. E o Sesc faz parte dela, intensificando cada vez mais sua presença com o objetivo de frisar o caráter propositivo de sua ação sociocultural. Neste momento da vida nacional, é importante expandir ações de caráter comunitário. E as experiências urbanas inovadoras, que têm como preocupação a educação do cidadão e o espírito de democracia participativa, contribuem para o aumento da qualidade de nossas vidas. Afinal, todos nós queremos participar dessa sinfonia, compondo uma música alegre e harmoniosa.

 

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MILTON SOARES DE SOUZA É SOCIÓLOGO, MESTRE EM CIÊNCIAS
DA COMUNICAÇÃO E GERENTE DO SESC INTERLAGOS

 

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