PUBLICIDADE
INFANTIL
A propaganda
televisiva voltada para as crianças e jovens tem estado cada
vez mais na mira de discussões de diversos setores da sociedade.
A berlinda se deve ao fato de que, segundo estudiosos, filmes comerciais
que se dispõem a criar futuros consumidores muitas vezes negligenciam
regras básicas de proteção àintegridade
física e psicológica do público mirim. Entre elas,
o princípio do respeito à pessoa em processo de desenvolvimento,
previsto no artigo 227 da Constituição Federal, e o compromisso
de manter os menores afastados de ações que venham a explorá-los,
discriminá-los ou violentá-los. Em artigos exclusivos,
a advogada e professora de direito da criança e do adolescente
Carolina Magnani e a psicóloga e professora de educação
e psicologia Ester Cecília Fernandes Baptistella discutem o conteúdo
dos anúncios de produtos infantis e se essa influência
afeta ou não a educação.
A
publicidade a serviço da infância
por Carolina Magnani

A publicidade destinada
ao público infanto-juvenil, mormente durante a exibição
de programas de televisão destinados a essa faixa etária,
se constitui altamente eficaz na formação de novos consumidores
imediatistas. É claro que tal prática com vistas à
perpetuação do consumo desbragado de bens supérfluos
- que denotam a sensação desde tenra idade de que "ter
é ser" - se demonstra essencial pelos agentes do "mercado".
Independentemente de observar a classificação indicativa
de horário em razão do conteúdo veiculado (violência
e sexo - Portarias do Ministério da Justiça nº 796/2000
e nº 1.100/2006), a publicidade também pode deixar de atender
ao princípio do respeito peculiar de pessoa em processo de desenvolvimento,
preconizado pelo artigo 227 da Constituição Federal (CF),
bem como os princípios enumerados no [artigo] 221 [também
da Constituição], entre eles a finalidade educativa e
os valores éticos e sociais. Além de olvidar que cabe
à família, ao Estado e à sociedade - sendo este
último ente considerado como o conjunto de pessoas físicas
e jurídicas no meio social - assegurar os direitos das crianças
e adolescentes, entre eles respeito e dignidade, com prioridade absoluta,
e pô-los a salvo de exploração, opressão,
negligência, discriminação, violência e crueldade
(artigo 227, CF).
O ordenamento brasileiro adotou a Teoria da Proteção Integral
no que tange aos direitos da criança e do adolescente. Assim,
por serem indivíduos pertencentes à categoria etária
de 0 a 18 anos, são sujeitos de direitos em constante transformação
até atingir a idade adulta, portanto, titulares de direitos fundamentais
comuns a todos e alguns inerentes à fase que atravessam (artigo
3º, Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA).
Os princípios norteadores dessa teoria são o da prioridade
absoluta e do respeito à condição de pessoa em
processo de desenvolvimento. O primeiro impõe a primazia e rapidez
no atendimento dos interesses e necessidades da criança e do
adolescente, ao passo que o segundo estabelece que o indivíduo
nesse processo deve ser compreendido por habilidades e qualidades que
já possui e não por aquilo que está por vir.
A Teoria da Proteção Integral tem como mote o desenvolvimento
completo saudável da criança e do adolescente - seja no
aspecto biológico, seja no moral, espiritual e psicológico
- impondo esse dever não só ao Estado e à família,
como também à sociedade, o que abarca as empresas. O próprio
Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe expressamente
acerca da responsabilidade das pessoas jurídicas que inobservem
as normas de prevenção à violação
do direito da criança e do adolescente (artigo 70, c.c. 73 do
ECA).
Cabe lembrar, ainda, que a própria Constituição,
nos seus artigos 1º e 3º, expressa como fundamento da República
Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e como objetivo a
formação de uma sociedade livre e justa, destituída
de preconceitos.
Do ponto vista legal, qualquer ato praticado que, de algum modo, venha
a interferir na formação da criança ou adolescente,
por exemplo a publicidade veiculada, a agência publicitária,
o seu criador, o fornecedor do produto e até a emissora se tornam
passíveis de responsabilização, o que pode implicar
responsabilidades: civil por danos morais e materiais (artigos 208,
parágrafo único, ECA, e 37, CDC), administrativa (artigos
254 e 255, ECA), conforme o teor, e até criminal nos termos da
legislação.
A reflexão se torna essencial quando se constata que os mecanismos
legais de controle já estão estabelecidos em nosso ordenamento
pátrio para coibir as práticas de publicidade que afetem
a formação da população infanto-juvenil.
Há, até mesmo, órgão de auto-regulamentação
da categoria publicitária, o Conselho Nacional de Auto-regulamentação
Publicitária (Conar).
Com efeito, a solução mágica não está
na edição de novas normas.
A questão, portanto, revela-se: como dar efetividade a esse conjunto
de normas a ponto de proteger a formação psíquica
e moral de nossa juventude diante do bombardeio publicitário
que leva a resultados nocivos, como obesidade infantil, e consumismo
como modo de vida na infância.
Por exemplo, a obesidade infanto-juvenil é fonte vários
problemas de saúde pública. Nos últimos tempos,
as doenças de transtornos alimentares se destacaram no noticiário;
em paralelo os apelos publicitários para o consumo de alimentos
calóricos e sem nutrientes se contrapõem à ditadura
da magreza.
Já na adolescência o ímpeto de consumo muitas vezes
leva o indivíduo à prática de atos infracionais,
notadamente aqueles relacionados ao patrimônio. Tanto é
que a prática do roubo configura a maior causa de privação
de liberdade dos jovens menores de 18 anos. Esse resultado é
nocivo tanto para o jovem como para sociedade, que se torna mais violenta.
Recorrer ao Judiciário é uma opção, mas
não se revela viável e eficaz por si só, na medida
em que demanda um caso concreto para a propositura de uma ação
coletiva pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública,
por associações e pela própria administração.
Ou até mesmo para a propositura de ações individuais
por aqueles que se sentem lesados diante da publicidade. Assim como
as medidas punitivas possuem eficácia para refrear abusos flagrantes,
no entanto, não conseguem atingir a totalidade dos casos existentes.
Como já foi dito, a regulamentação abstrata (normas)
por si só tampouco resolve.
É verdade que há necessidade de buscar com os operadores
do direito a intensificação das medidas judiciais com
fito de melhorar a realidade quanto à observância dos direitos
da criança na atividade publicitária. Os operadores do
direito ainda se mostram resistentes a certas demandas que versam sobre
qualquer restrição de conteúdo e forma, tachando-as
de censura.
Por outro lado, percebe-se na sociedade um paradoxo quanto à
"cultura do consumo". Os atores sociais cobram do Estado políticas
públicas e normas para evitar que suas crianças sejam
inseridas no ciclo de que participam ativamente, inclusive propagando
e produzindo-o.
Nesse passo, cabe paulatinamente aos entes da sociedade, mormente as
empresas, passar a imbuir em suas práticas o seu dever legal
de assegurar a observância dos direitos da criança e do
adolescente, especialmente por meio de condutas proativas. Isso porque
não basta somente restringir formas e conteúdos na veiculação
publicitária, é preciso inovar no sentido de colocar a
publicidade a serviço dos auspícios sociais mais nobres.
___________________________________________________________
CAROLINA MAGNANI
É ADVOGADA E PROFESSORA DE DIRETO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE ,
MESTRE EM DIREITO PELA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
DE SÃO PAULO (PUC/SP)
Publicidade
na TV no horário infantil
por
Ester Cecília Fernandes Baptistella

Desde a invenção
da televisão e seu lançamento no mercado brasileiro, há
mais de 50 anos, não se ouve falar tanto sobre tal meio de comunicação
e sua influência no comportamento humano, sobretudo na infância,
quanto nas últimas décadas. Esse fato pode ser confirmado
pela divulgação de inúmeras pesquisas realizadas
nos Estados Unidos, Brasil, Austrália e grande parte da Europa,
onde se observa a crescente preocupação de pais, educadores
e da comunidade científica com o fenômeno social da televisão
e seus possíveis efeitos na infância. Tal preocupação
é recorrente de constatações realizadas por agências
de pesquisas que apontaram como dados significativos, referentes à
relação TV-infância, a presença da TV na
maioria dos lares no mundo inteiro, o grande número de horas
dispensadas pelas crianças diante de um televisor, além
dos inúmeros questionamentos sobre a qualidade da programação
da TV (em especial a aberta). Informações como essas provocam
a indignação das pessoas preocupadas com os valores e
estereótipos exibidos nos mais variados conteúdos televisivos,
principalmente o conteúdo publicitário. Cabe lembrar que
uma das preocupações de alguns cientistas sociais diz
respeito à forma como a publicidade se apresenta diante dos pequenos
telespectadores. O caráter atrativo da publicidade e o sensacionalismo,
que várias emissoras de TV usam para conquistar audiência,
é algo muito discutido pela sociedade, por governos, instituições
e ONGs [organizações não governamentais]. Freqüentemente,
os padrões de produção das propagandas são
iguais ou até melhores que alguns programas e, como conseqüência,
seu impacto na atenção e na audiência não
poderia ser subestimado ou ignorado. Constata-se então que, muitas
vezes, a publicidade se utiliza de recursos, como os efeitos especiais
pela computação gráfica, não somente como
forma de valorizar o seu produto, mas também para influenciar
as crenças e valores de uma sociedade, tornando-se uma persuasão
implícita para o consumo de um produto. Dados significativos
revelados por pesquisadores americanos e europeus mostram que desde
os 6 meses de idade pode-se observar nas crianças as primeiras
condutas de atenção à televisão. As mudanças
rápidas de imagem e som, sobretudo nos anúncios, e o próprio
formato da televisão as motivam muito. No entanto, isso não
significa que, na tenra infância, elas sejam capazes, por exemplo,
de compreender uma narração televisiva, ou a intenção
de um anúncio publicitário. A possibilidade de qualquer
criança, mesmo antes de falar ou de começar a ler e escrever,
assistir à televisão e prestar atenção nela
durante um determinado período de tempo contribui para a convicção
de que esse veículo de comunicação é extremamente
simples e de fácil acesso, voltado para o lazer. Essa visão
ingênua - questão discutida em vários fóruns
mundiais e no Brasil, em 2003, por ocasião da 4ª Cúpula
Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes - negligencia
a necessidade atual de educar as crianças e adolescentes para
a mídia, como forma de ensiná-los a exercer sua cidadania.
Entre os frutos de discussões como essa se encontra o trabalho
de alfabetização televisiva, objeto de estudo na minha
tese de doutorado - que conta com a orientação da professora
doutora Orly Zucatto Mantovani de Assis e feita pela Faculdade de Educação
da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], na qual eu defendo a
compreensão da linguagem televisiva e a necessidade do uso pedagógico
da TV em sala de aula, propiciando ao aluno a vivência de situações
com a mídia que o tornem, entre outras coisas, mais crítico
e menos vulnerável às questões publicitárias.
A publicidade na TV requer regras específicas. Muitas redes de
televisão no mundo são patrocinadas por propagandas, porém
essas sofrem controle mais rígido em alguns países do
que em outros. Por exemplo: na Inglaterra e nos Estados Unidos, muitas
restrições são feitas à televisão
por meio de regras que controlam a proporção de propagandas
em cada hora de transmissão e a freqüência com que
podem ocorrer num único programa. O fato de o mercado brasileiro
ter um grande contingente de crianças com maiores possibilidades
de consumo fez com que as empresas, interessadas nas vendas e nos lucros
que podem obter desse público, desenvolvessem estratégias
específicas de marketing e publicidade que não priorizam
as questões educativas ou éticas. Sabe-se que os Estados
Unidos e muitos países europeus elaboraram diretrizes e procedimentos
visando a proteger as crianças de ações publicitárias
inescrupulosas. A Convenção da Organização
das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos da criança,
adotada em 1989, fornece, no artigo 17, um conjunto de leis que trata
do direito da criança à informação e ao
acesso às fontes, bem como da necessidade de encorajar o desenvolvimento
de orientações apropriadas para proteger a criança
de informações e materiais prejudiciais a seu bem-estar.
No Brasil, além das diretrizes da ONU, procedimentos semelhantes
são amparados por normas que defendem as crianças nas
relações de consumo. Entre elas, as encontradas no Conselho
Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (Conar),
elaborado em 1978, no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor
(CDC) e, mais recentemente, na própria Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa), que se mostrou preocupada
em instituir novas regras para a divulgação de comerciais
de alimentos considerados nutricionalmente inadequados, tanto na TV
como no rádio, em horário específico (das 21 às
6 horas) - além da proibição da produção
de qualquer material didático voltado para crianças que
inclua ou faça alusão a alimentos e bebidas que integrem
a categoria dos não saudáveis. O cumprimento de normas
como essas se traduz em um cuidado com nossas crianças, mas ainda
é algo longe do ideal e do necessário, como é possível
constatar ao se conhecer a forma como as crianças compreendem
o comercial televisivo. Embora ultimamente as propagandas sejam destinadas
a manipular o comportamento dos consumidores, o processo de influência
depende do que o telespectador sabe sobre o objetivo da propaganda e
quanto acredita no que a TV mostra, destacando a existência de
duas grandes preocupações de pesquisadores relacionadas
ao conhecimento das crianças a respeito das propagandas de TV.
A primeira consiste no entendimento da própria criança
da proposta da propaganda. A segunda, por sua vez, refere-se às
importantes características do nível de compreensão
dessas crianças acerca das aparições apresentadas
nas propagandas. Dessa forma, para que as crianças entendam a
proposta das propagandas é preciso que elas façam uma
série de descrições importantes: distinguir propagandas
de programas; lembrar de um patrocinador como fonte da mensagem do comercial,
perceber a idéia ou a intenção da mensagem, entender
a natureza "simbólica" dos produtos, personagens e
representação do contexto do comercial - destacando-se
ainda a preocupação com a persuasão, visto que
as crianças pequenas não têm consciência desse
tipo de proposta, podendo ser facilmente influenciadas por elas. Pesquisas
americanas revelam que as crianças menores, que ainda não
entendem a intenção persuasiva dos comerciais, tendem
a percebê-los como mensagem verdadeira, ao passo que as mais velhas
podem discernir tendências persuasivas e expressar atitudes céticas
em relação aos comerciais. Os resultados dessas várias
observações indicaram que, abaixo dos 6 anos, a vasta
maioria das crianças não pode realmente explicar a proposta
de venda na TV. Entre as idades de 7 e 9 anos, grande parte das crianças
é capaz de reconhecer e explicar as vendas, contudo, a partir
de conhecimentos e exemplos concretos da realidade. Esses dados coincidem
com os encontrados no Brasil por pesquisa feita por mim que investigou
a compreensão do conteúdo de um comercial televisivo com
crianças entre 4 e 11 anos de idade na cidade de Americana, interior
de São Paulo, evidenciando uma ampla idéia das representações
que os sujeitos apresentam sobre o conteúdo de um comercial televisivo,
a televisão e suas funções. Por fim, pensar a publicidade
na TV no horário infantil requer, indiscutivelmente, a participação
efetiva do governo, estabelecendo regulamentações específicas
para a veiculação de propagandas destinadas ao público
infantil, além de uma mobilização da sociedade,
exigindo dos órgãos competentes maior seriedade e agilidade
nas aplicações de normas e regras, bem como uma reflexão
sobre a educação para a mídia como prioridade de
formação no século 21, apontando a necessidade
de pensar em estratégias educativas que ajudem as crianças
(e seus pais e responsáveis) a atentar para a formação
de pequenos telespectadores, a fim de que se tornem consumidores mais
inteligentes, principalmente dos conteúdos publicitários.
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ESTER CECÍLIA
FERNANDES BAPTISTELLA É PSICÓLOGA E PROFESSORA DE EDUCAÇÃO
E PSICOLOGIA
NA UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO (USF), ONDE REALIZA PESQUISAS NA
ÁREA DO CONHECIMENTO
SOCIAL, INVESTIGANDO A COMPREENSÃO DO CONTEÚDO TELEVISIVO
NA INFÂNCIA
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