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REVISTA E - PORTAL SESCSP

 

ERUDITO POPULAR


O músico mineiro explica como aprendeu a fazer música sozinho na infância e por que prefere não ter gravadora

 

Pianista, tecladista, compositor, arranjador, maestro e diretor musical, o mineiro da cidade de Três Pontas Wagner Tiso começou a estudar música por conta própria ainda em Minas Gerais, onde tinha como vizinho Milton Nascimento. Era com o futuro parceiro em composições como Coração de Estudante (1984) que "fugia do estudo", como disse, para juntos descobrirem acordes. Aos 19 anos, em 1964, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde atuou em diversos grupos - como Sambacana, os quartetos de Edison e de Paulo Moura e Som Imaginário -, e acompanhou intérpretes como Cauby Peixoto, Maysa e o próprio amigo Milton. Em 1978, lançou o primeiro disco solo, Wagner Tiso, pela EMI. Na seqüência, viriam mais 20 trabalhos produzidos sob contrato, com a EMI, com a antiga Polygram, atual Universal, e com a extinta Odeon, até optar pela independência musical, que ele considera o estado ideal. "Quando você é contratado por uma gravadora, sempre tem um produtor que vai dar palpite, querer interferir na linha do trabalho", disse em conversa com a Revista E no camarim do Sesc Pinheiros, onde se apresentou, em fevereiro, ao lado dos músicos Victor Biglione e Márcio Malard. Na ocasião, Tiso falou ainda sobre sua predileção por unir o erudito e o popular em sua música e sobre os sons que o influenciaram desde a infância. A seguir, trechos.

 

LONGE DA ESCOLA
Sou autodidata que cresceu numa família de músicos - minha mãe era professora de piano. Só mais tarde fui atrás de um embasamento mais teórico em música. Agora, de escola mesmo eu fugia. Todos da minha família estudavam, mas eu não, preferia tocar, descobrir acordes etc. E eu e o Milton Nascimento morávamos na mesma rua e sempre tivemos uma comunicação musical muito forte. Então, eu fugia dos estudos e ficava junto com o Milton descobrindo música. O conhecimento musical mais teórico foi entrando com os anos. Até mesmo aprendi a fazer orquestração para grandes orquestras sem ter conhecimentos teóricos para isso. A coisa foi na base de errar muito e de experimentar. Mas acabei estudando aos poucos, também para adquirir mais conhecimento. Eu tocava piano e acordeom na noite, nos bailes, nas boates, tanto no sul de Minas quanto em Belo Horizonte e depois no Rio de Janeiro - nos chamados dancing clubs - e usava essas apresentações para praticar. Só mais tarde também fui aprender mais sobre piano. Então, é isso. Eu sou autodidata por essa minha teimosia de descobrir as coisas sozinho.

 

MISTURA DE SONS
Minha inclinação pela música mais erudita tem a ver com a família. Somos do Leste Europeu, da Ucrânia, entre a Hungria e a Rússia, e ali é um celeiro de grandes compositores clássicos eruditos. Era o que eu ouvia em casa. Ou isso, ou música cigana. Depois vieram se somar a música feita pelos negros da região do sul de Minas, os tambores, e a viola mineira. É do contato com essas diferentes sonoridades que vem também a minha vontade - que eu sempre tive - de misturar o clássico e o popular. Como disse, desde menino ouvia música erudita, inclusive quando ia ao cinema e ouvia aquelas trilhas sonoras bastante orquestrais, nos anos 40, 50 e 60. Sempre tive interesse em misturar os sons, o regional com o sinfônico. Como fez Villa-Lobos com a música folclórica - Trenzinho Caipira é exemplo disso. Ele pegava temas folclóricos e orquestrava-os de maneira bastante erudita. Já, no meu caso, eu pego a música popular brasileira, como a de Tom Jobim e outros, e procuro mostrá-la de uma maneira orquestral. O ideal para mim é isso: tocar a música popular de uma maneira erudita e vice-versa. Só quando estou no palco com algum intérprete é que a coisa muda um pouco. Aí, o trabalho é dele. A não ser quando foi gravado o DVD dos meus 60 anos [Wagner Tiso - 60 Anos, trabalho que acompanha um CD], no qual eu fiz o que é meu ideal, tocar a música popular com orquestra sinfônica. Lá tem Gal Gosta cantando Roberto Carlos e Ari Barroso acompanhada por orquestra, por exemplo.

 

CINEMA E MÚSICA
Hoje acho que já existe um espaço maior para a música nas produções cinematográficas brasileiras. Atualmente, o cinema ficou mais competitivo para os padrões internacionais - os filmes brasileiros concorrem ao Oscar, vão para festivais etc. Mas eu comecei a fazer música para cinema em um tempo em que não existia verba para a música nos projetos. O que sobrasse ia para o compositor fazer uma trilha. E eu tinha de me virar, pegava um violão, um violino e um teclado eletrônico e fazia a música do filme. De uns dez ou 15 anos para cá, o cinema nacional se profissionalizou. Hoje existe uma verba especial para a música, que se tornou mais importante dentro do conjunto. Isso porque é sabido que, se um filme quiser disputar espaço no mercado internacional, ele tem de ter uma trilha sonora de qualidade. E isso engloba tanto compositores de canções como também os que compõem as chamadas trilhas incidentais - que incluem orquestras sinfônicas. É um trabalho fascinante. Uma das coisas que eu mais gosto de fazer é música para cinema, desde que se possa usar os instrumentos e músicos necessários, em vez da chamada "tecladeira" - ou seja, ter de compor tudo com teclados apenas.

 

INDEPENDÊNCIA
De uns anos para cá, eu mesmo faço meus produtos e depois negocio a distribuição com as gravadoras. É o caso do DVD dos meus 60 anos, que foi lançado pela Universal. Tenho outros trabalhos que também serão lançados por essa mesma gravadora, mas eu não tenho contrato com nenhuma. Nem sempre foi assim, mas senti que tinha de mudar porque tudo mudou. Antigamente, as gravadoras tinham muito interesse em qualquer tipo de artista, hoje elas só querem os que vendem. Houve uma época em que as gravadoras investiam anos e anos nos artistas. O Milton mesmo passou uns quatro ou cinco discos sem vender nada, mas não interessava se ele vendia ou não, existia uma aposta num bom artista que tem uma história para contar. Hoje, o artista, talentoso ou não, se não tiver um produto que venda fácil, está descartado. O meu caso não é para gravadoras de muita vendagem. Eu tenho mais de 20 discos pela Odeon, EMI e a antiga Polygram, agora Universal, mas isso quando eu trabalhava como contratado. Agora não. Mesmo porque o tratamento não é mais o de antes. Na época em que eu fiz Coração de Estudante, com o Milton, por volta de 1984, no ato de renovação do contrato com a gravadora eu ganhei uma Caravan [carro considerado de luxo na época]. Agora, veja, dar uma Caravan para um instrumentista? Isso não acontece mais... Mas eu acho que é até melhor para o artista não ter contrato com grandes gravadoras porque assim ele não sofre ingerências de produção nos seus discos. Porque, quando você é contratado por uma gravadora, sempre tem um produtor que vai dar palpite, querer interferir na linha do trabalho. Faço meus discos inteiramente como gostaria que eles fossem feitos. Se as gravadoras quiserem lançar e distribuir, tudo bem; se não quiserem, também, ele é meu, um dia alguém vai querer.

 

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