OBRA
ABERTA

Em
busca de formar público e dividir experiências, artistas
de diferentes estilos abrem seus ateliês de olho na renovação
constante
Nos
vários cômodos de uma casa no Jardim Europa, Zona Oeste
de São Paulo, colunas gigantes de barro se misturam a símbolos
indígenas que ocupam todas as paredes. Um ceramista dá
os últimos retoques em uma das peças antes de mandá-la
para o forno, enquanto outro artista, um escultor, protege sua obra
da poeira. Sua não, de todos. No ateliê da artista plástica
Maria Bonomi, como ela própria faz questão de ressaltar,
a autoria é coletiva. O trabalho é sempre conjunto e aberto
a quem quiser colaborar.
Assim como no projeto da Secretaria de Estado da Cultura que coordena,
o Ateliê Amarelo, e no painel que montou na Estação
da Luz, chamado Epopéia Paulista, seu mais recente projeto, o
painel Etnias, do Primeiro e Sempre Brasil, está sendo produzido
de uma criação coletiva, que mistura a participação
do público e de artistas convidados. Durante a primeira fase,
até mesmo um grupo de índios da tribo tupi-guarani de
Parelheiros, bairro da Zona Sul de São Paulo, foi convidado para
ajudar na confecção do trabalho. "Não acredito
em nada que seja individualidade, nessa sacralidade da arte", conta
Maria Bonomi. "É o fim saber que uma obra minha vai ficar
dentro da casa de um colecionador só para ele ver." Seguindo
essa filosofia, a artista leva às últimas conseqüências
o conceito de arte pública: além de as suas obras estarem
expostas em diversos espaços da cidade, seu ateliê nunca
se resume a um espaço ocupado só por ela.
A
prática de abrir o "local sagrado" da criação
artística ao público não é hábito
apenas de Bonomi. Outros artistas também exercitam a capacidade
de mostrar o universo particular de seus ateliês a outras pessoas,
sejam elas artistas profissionais, sejam amadores ou mesmo leigos. É
o caso do escultor, gravador e designer de jóias Arnaldo Battaglini
que, na década de 80, foi responsável pela criação
de um evento que abriu as portas de 40 ateliês em São Paulo
durante um mês. Chamada de Circuito Ateliê Aberto, a iniciativa
foi abraçada pela Bienal de São Paulo nos anos de 1987
e 1989, quando se tornou um acontecimento paralelo à mostra oficial.
"Foi uma postura ousada, interessante, de soma", conta Battaglini.
"Eram artistas de certa heterogeneidade, uns com mais estrada,
outros com menos. E nós queríamos incluir até aqueles
que estavam começando a se firmar, os ateliês coletivos
etc. Foi uma grande oportunidade de ver toda a efervescência do
meio e entrar nesses ambientes inacessíveis."
Além de proporcionar a troca de experiências entre os artistas
e o público, o Circuito Ateliê Aberto ajudou também
a sistematizar o comércio das obras, ao dar aos artistas condições
mais favoráveis de negociar os próprios trabalhos. "O
mundo das artes plásticas é muito restrito e com critérios
extremamente subjetivos de relações profissionais",
conta o designer. "As condições de negociação
eram nebulosas e muitos artistas estavam insatisfeitos porque as ligações
comerciais no meio eram muito informais, sem parâmetro de mercado."
Ainda segundo o artista, com a articulação para abrir
seus ateliês, os artistas passaram a debater mais as questões
profissionais. No entanto, por falta de recursos e de "instituições
que abraçassem o circuito", como explica Battaglini, o projeto
não teve continuidade.
ENGAJAMENTO
A prática do ateliê aberto é, antes de tudo, uma
postura política. Maria Bonomi, por exemplo, acredita que o trabalho
coletivo proporciona a busca pelo consenso e a autocrítica, já
que, assim, "o indivíduo consegue entrar em sintonia com
o outro". Battaglini concorda e emenda dizendo que o Circuito Ateliê
Aberto mostrou que os artistas tinham capacidade de se organizar em
torno de uma iniciativa comum.
Outro que partilha do mesmo argumento é o gravador Ernesto Bonato,
que há 12 anos coordena o Ateliê Piratininga, localizado
no bairro de Vila Madalena, Zona Oeste de São Paulo. Durante
essa trajetória, mais de 100 artistas passaram por lá,
além das pessoas que visitam o espaço. O Piratininga se
formou por artistas que já visitavam ateliês públicos,
como o da Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo (USP) e o do Museu Lasar Segall - conhecidos por
reunir artistas e demais interessados em formas de criação
coletiva. O ateliê organiza projetos de intercâmbio com
outros países, com instituições culturais e também
flerta com a arte-educação. Ernesto e seus colegas oferecem
cursos e palestras para divulgar a arte brasileira. Além disso,
o grupo está aberto a artistas que necessitam de espaço
para realizar seus projetos. Toda essa diversidade de ações
trouxe ao próprio trabalho de Ernesto uma nova dimensão.
"A prática no Piratininga me fez pensar a criação
artística em um contexto social maior e entender que o que faço
não está isolado do mundo", afirma.
ARTISTAS
BLOGUEIROS
Ateliês abertos podem ser vistos até mesmo na internet.
Com a febre dos blogs - espécie de diário eletrônico
divulgado pela rede -, artistas plásticos começaram a
expor não só seus trabalhos, mas também todo o
seu processo de criação artística. É o caso
do fotógrafo Fernando Stickel, que mantém no blog Aqui
Tem Coisa (www.stickel.com.br/atc) uma conversa sistemática com
internautas sobre sua produção e mostra detalhes de seu
ateliê. Fotos e colagens também ficam disponíveis
para visitação, além de textos sobre diversos assuntos.
"Eu abro meu ateliê do mesmo jeito que abro minha casa",
diz o fotógrafo. "E sempre com uma preocupação
estética. Jamais coloco uma imagem que não seja trabalhada."
Segundo Stickel, iniciativas como a dele são importantes na educação
de jovens artistas. Ele mesmo se considera um exemplo desse intercâmbio,
pois destaca em sua formação o fato de ter sido levado
por um professor a conhecer o ateliê do artista plástico
paulista Wesley Duke Lee. "Foi uma experiência fantástica
e marcante", lembra.
O designer Arnaldo Battaglini também agradece até hoje
ao artista Sérgio Fingermann pelas oportunidades que teve por
participar das atividades em seu estúdio. "Foi durante a
estada no ateliê dele que comecei minha carreira profissional",
conta. Já Maria Bonomi diz que até hoje repassa aos artistas
com quem trabalha as lições que teve com Lívio
Abramo. "O importante é ensinar aquilo que você aprendeu
e multiplicar o que você entendeu", garante.
Ver
boxe:
A
arte da intereção
A
arte da interação
A nova temporada de cursos oferecidos pelas
unidades do Sesc dá continuidade à tradição
de colocar em contato alunos e artistas profissionais
Nos cursos
livres das unidades do Sesc São Paulo para o próximo
semestre, vários artistas serão convidados a transmitir
suas experiências e a trabalhar em conjunto com os alunos.
Na primeira oficina do ano realizada pelo Centro Experimental
de Música (CEM), do Sesc Consolação, em
março, chamada Invenções Sonoras, o compositor
e maestro Antônio Madureira e o grupo mineiro de música
experimental O Grivo irão contar a história dos
instrumentos musicais inventados por eles. Já o projeto
Toque com o CEM, promovido durante todo o semestre, volta a
convidar músicos e compositores, como foi o caso de André
Abujamra, no ano passado, a participar de jam sessions com os
alunos. Ainda na área musical, nos cursos do Centro de
Música do Sesc Vila Mariana, os inscritos terão
a oportunidade de aprender mais sobre o violão flamenco
e o brasileiro em oficina ministrada, em março, pelo
violonista Zezo Ribeiro. Além do encontro com o músico,
o Centro de Música promove, a partir de abril, bate-papos
com artistas. "Nossa idéia é que o Centro
seja um local não só para aprender, mas também
para pensar e discutir a música", afirma Magali
Geara, responsável pelo Centro de Música do Sesc
Vila Mariana.
No âmbito das artes plásticas, no Sesc Pompéia,
a interação entre artistas e alunos se dá
no ateliê da unidade, como no curso de gravura em metal
ministrado pelo artista plástico Evandro Carlos Jardim.
A visita de artistas, professores e pensadores ao ateliê
coordenado pelo artista no Pompéia favorece diálogos
interessantes entre alunos e convidados. "É uma
das formas de induzir os freqüentadores do curso a uma
reflexão sobre o fazer artístico", comenta
Jardim. As aulas começam no dia 9 de março e a
participação dos artistas não tem freqüência
definida, mas o gravador adianta que não é incomum
receber visitas-surpresa de artistas que já conhecem
o ateliê. "É uma prática não
sistematizada que se tornou sistemática", afirma.
Ainda, o Sesc Pompéia inicia neste mês um ciclo
de debates sobre os diferentes processos de criação
artística. O primeiro encontro será no dia 31,
com a professora de pós-graduação da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) Cecília
Almeida Salles, autora do livro O Gesto Inacabado (Editora Annablume,
1998). A conversa é aberta ao público e aos alunos
das oficinas.
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