VIDA
E OBRA SEM LIMITES
Gertrude
Stein ganhou mais destaque como mecenas e agitadora cultural do que pela
produção literária, incompreendida por romper com
padrões estéticos da primeira metade do século 20
Nascida em 1874 no
estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, a escritora Gertrude
Stein, filha de judeus alemães, assumiu desde cedo uma postura
anticonvencional, com atitudes à frente de seu tempo. Considerada
por muitos uma das pioneiras do feminismo, a autora, que morou também
na Áustria e na França, cursou medicina e psicologia na
Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. Entediada com os estudos, parte
com o irmão para Paris, onde se instala. Durante a estada francesa,
que começou em 1903 - época em que a valorização
do dólar permitia a artistas norte-americanos uma vida confortável
na Europa, com regalias impensáveis na terra de Tio Sam - e durou
até sua morte, em 1946, ocorreram as passagens mais célebres
de sua biografia. Uma vez em meio à efervescência da Cidade
Luz do início do século passado (veja boxe
A cidade que era uma festa), não demorou para
começar a receber em sua casa a vanguarda artística de então
- pintores, escritores e outros artistas que representavam uma espécie
de "comunidade de expatriados", denominada pela própria
escritora como a geração perdida. "Gertrude Stein exerceu
a função de tutora artística dessas pessoas",
explica Luiz Paetöw, ator, criador e curador do Ciclo Gertrude Stein
no Sesc Pinheiros (veja boxe No
palco com Gertrude). "Ela alavancou a carreira de nomes como
[o pintor catalão] Pablo Picasso, [o pintor e escultor
espanhol] Juan Gris, [o escritor norte-americano] Ernest Hemingway,
[o artista plástico francês] Marcel Duchamp, [o
pintor francês] Henri Matisse e muitos outros que se reuniam
no seu apartamento, localizado no número 27 da Rue de Fleurus".
Foi esse círculo de amizades que fez com que Gertrude entrasse
para a história, entre outros motivos, como a primeira a possuir
trabalhos de Gris, Matisse e Picasso.
Rompimento
de padrões estéticos
Mais comentada do que lida, Gertrude Stein ficou muito conhecida pelo
"agito social" que promoveu em Paris - "social", leia-se,
devido às célebres festas da Rue de Fleurus. Segundo a professora
de literatura de língua inglesa e de tradução literária
na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Luci Collin, autora da
tese A Composição Multidiscursiva: o Pictórico
e o Cinemático nos Retratos Literários de Gertrude Stein,
Gertrude tinha o hábito de entreter seus convidados (ou seria platéia?)
com frases tão cortantes quanto inteligentes. "A própria
escritora declarou sua intenção de ser uma figura histórica",
explica a pesquisadora. "E, conquistas literárias polêmicas
à parte, Gertrude passou mesmo a ser conhecida mais como figura
social, colecionadora de obras de arte e mentora intelectual de jovens
artistas do que como escritora." Outros estudiosos de sua vida e
obra concordam com a opinião de que, embora sua figura tivesse
alcançado as dimensões de estrelato da época, o mesmo
não aconteceu com sua obra. Críticos de então acreditavam
que ela "desfigurava" a língua inglesa, e suas frases
desconcertantes - como "A rose is a rose is a rose..." [numa
tradução literal, "Uma rosa é uma rosa é
uma rosa..."] - chocava os editores. "Dada a opacidade de
seus escritos, por muitos injustamente considerados incompreensíveis,
pouca noção se tem da notável produção
de Gertrude", afirma Luci. "Mas ela criou uma obra que rompe
com os padrões estéticos, técnicos e de pensamento
típicos do século 20."
Seus
experimentos
Segundo o ator Luiz Paetöw, a produção de caráter
experimental de Gertrude apontou direções inovadoras compreendidas
por poucos. Paetöw conta que em uma de suas raras entrevistas, ela
comentou que as pessoas costumavam pensar que o som das palavras a guiava
em sua escrita, quando, na verdade, era o significado delas. "Justamente
o que essas pessoas diziam que não existia em seus escritos, pois
não conseguiam enxergá-lo", comenta o ator. Em virtude
desse, digamos, hermetismo, foi penalizada por ser considerada inacessível
para a época. "Pouca noção se tem da surpreendente
variedade de gêneros e estilos que a escritora explorou em seus
numerosos escritos", afirma Paetöw. "Entre peças
de teatro, livretos de óperas, poemas, retratos literários,
contos, novelas, romances, uma história de mistério e até
uma infantil."
A autora viveu
por 25 anos com sua secretária, Alice B. Toklas, que participou
intensamente de sua vida. Esses momentos foram registrados pela escritora
em 1933 no livro A Autobiografia de Alice B. Toklas (impresso no
Brasil em 2006 pela L&PM).

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A
cidade que era uma festa
No início do século 20, Paris era considerada a
capital artística do mundo
Se
hoje a capital francesa já possui lugar garantido no imaginário
de muitos - "a Cidade Luz", como é conhecida pelos
turistas, ou ainda "uma festa", conforme declarou o escritor
norte-americano Ernest Hemingway -, o que dizer da cidade numa época
em que pelos seus cafés circulavam figuras como o pintor
catalão Pablo Picasso, o francês Henri Matisse e ainda
o próprio Hemingway? Entre os últimos anos do século
19 e as primeiras décadas dos anos 1900, a cidade parecia
mesmo atrair tudo o que era vanguarda. Tendo como cenário
uma Torre Eiffel recém-inaugurada - o monumento foi concluído
em 1889 -, desembarca na cidade em 1903 a escritora norte-americana
Gertrude Stein; quatro anos depois, como conta Stein no livro A
Autobiografia de Alice B. Toklas (publicado no Brasil pela editora
L&PM neste ano), Henri Matisse completaria o quadro Bonheur
de Vivre - "a primeira grande composição
que lhe granjeou o nome de fauve, ou fera". Foi nessa
época também que Picasso pintou o famoso retrato de
Gertrude - para o qual a escritora posou 93 vezes até que
a obra fosse finalizada -, trabalho que, segundo consta na autobiografia,
marca o momento em que o catalão passa "da fase dos
arlequins (...) para a luta intensiva que iria acabar no cubismo".
Foi
nessa época, em 1910, que o bailarino russo Vaslav Nijinsky
(foto), protagonista de uma trajetória brilhante e trágica
- o jovem era um prodígio, mas sofria de esquizofrenia -,
apresentou-se pela primeira vez na capital francesa com a companhia
Les Ballets Russes, de Sergei Diaghilev. Para os que preferiam uma
noite de boemia, uma boa pedida era o cabaré Moulin Rouge,
inaugurado em 1889. Outra figura do período foi a livreira
norte-americana Sylvia Beach, dona da famosa livraria parisiense
Shakespeare and Company, responsável pela publicação,
em 1922, da primeira edição de Ulysses, do
escritor irlandês James Joyce.
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